balada da cruz machado
tem piedade, satã, desta longa miséria!
charles baudelaire
uma rua à queima-roupa
curta, brilhante, sem fôlego
(puta nova mas ancestral)
rua-faca, rua-vício
a cruz machado termina
nos pés de uma catedral.
alguém além de deus e
da polícia e taxistas
e putas e vigaristas
cafetões e travestis
sabe que depois das 20
nas calçadas do acinte
beijam latas os guris?
que se agridem por farelos?
que se juram por centavos?
filhos do sangue e do escarro
talhando derrota para o horror
de bicho caçado
que, de manhã, tresnoitara...
para as gargantas gastarem
para os alvéolos gritarem
nesta imunda forja da
convulsão respiratória
este pão da falta de ar
na mesma lama ofertória
a ninguém ou coisa alguma
que a raiva de mendigar
que a fissura que verruma:
pedra pedra pedra pedra
quem dentre vós estiver
sem pecado
que fume a primeira pedra.
e as putas e travestis
não se prestam a outro talho
juntam seus pobres dinheiros
entre um cu e dois caralhos
e como sob a extensão
de um cargueiro embaraçado
prendem a respiração
pra sentir melhor o trago
pra soltar as almas junto:
pedra pedra pedra pedra
quem dentre vós estiver
sem pecado
que fume a primeira pedra.
em seu lado esquerdo a rua
rebrilha em néon e espelhos
ali se guarda a fortuna
de entrecoxas e de seios:
entre flores volitantes
homens ébrios dão risada
e depois como se dantes
sozinhos voltam embora
tristes, pisando nas asas.
fora do agito das boates
polícia é sempre polícia
grita, bate, extorque, ofende
e se, após, solta sorrindo
é por que já mordeu rente.
daqui a trinta minutos
numa curva mais rasante
arma em punho e voz rascante
revistam mais um otário
um pedreiro miserável
que voltava de assaltar
o som novo dalgum carro:
pedra pedra pedra pedra
quem dentre vós estiver
sem pecado
que fume a primeira pedra.
sob as marquises da rua
ou em ruelas bem próximas
que por vazias e umbrosas
são melhor acoitamento
e, em especial, no centro
pela praça tiradentes
(desaguadouro e monturo)
de homens sem qualquer futuro
traficantes e usuários
usuários traficantes
consumindo criptonita
qual se todas suas vidas
consistissem num segundo...
uma rua à queima-roupa
curta, brilhante, sem fôlego
de uma miséria ancestral
rua-vício, rua-oxímoro
a cruz machado termina
nos pés de uma catedral.
Rodrigo Madeira
terça-feira, 3 de abril de 2007
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3 comentários:
Publicado no número zero da revista Beatriz.
Publicada no site: "Escritoras Suicidas", sob pseudônimo.
http://www.escritorassuicidas.com.br/
Gostei,primeiro poema que vejo falando de pedra
Há sempre uma pedra literal ou metafórica a ser fumada no vazio dos pecados
bjos
este poema virou um curta metragem nas mãos do diretor Terence Keller, em 2008!
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