quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

PRISÃO




Quero dormir
amar
dizer coisas do mar
do ar

Mas estou sozinho em meu quarto
em meu sonhos
prisão domiciliar

Queria rever estrelas
cadentes ou frias
ter alguém para falar
que me dói
corrói
destrói
talvez alguém para amar

Mas estou sozinho em meu quarto
vendo a noite passar
o sono se esvai em lágrimas
estou só
e é assim que será

Retalho de esperança
me agarro a fragrância da infância
só pra ter com o que lembrar

Eremita urbano
sou solitário ser insano
cercado de meus fantasmas

estranho ser humano
na noite calada a pensar
como Carolina ( da janela )
que não viu o tempo passar

               
Bruno Junger Mafra

BRINDE À RICOLETA



se a incerteza faz com que se trilhe espinhos
no ouvir que entorta o singular do ser
lamber carinhos em aromas mergulhados
entornam rejeição no ato de empreender

se a nitroglicerina em fios de telefone
polaridades em resmungos sem tesão
foi canto, no entanto, perdeu compaixão
provocam o sentir sem força que se dome

você que se articula em pronta sedução
no abrir e fechar portas, múltipla explosão
ao ser distante é fácil não compor carinhos
em corpos escondidos em certeiro vão?

ah, metida abelha em noturnos vendavais
tentando remover coturnos e metais
bendiga o rumo a decompor os tempos tais
desaparece – é águia – sem dizer dos ais

você, insanas as palavras que profana
e doces as agruras que sem tino emana
fraturam os cristais de vida entrecortadas
e coisas sagradas são sílabas passadas?

ao esconder meu pranto em outro colo, é em vão
a profusão ao contentar-se então que vê
você, inquieto ser - interna mutação
que em jogo afunda no sentir-perder tesão

você, homem distante num moinho andante
de pavio curto é feito pra queimar os dedos
se rotas fiscais parecem com torpedos
são frágeis compassos de um andante aos beijos?

você a rejuntar no dar acabamento
desbravador premente de um amor partido
é tipo cadafalso que resulta em trincas
abandonado escrito que em grito se estica

você foi rendilhado e colorida fita
e descortina um ser que entrega seu poder
entica o sentimentos de quem te medica
em colo de mulher no seu próprio conter

você complica o jeito de cumprir natais
de refazer a vida ao descuidar demais
você, impaciências que reverterão
desastres se não for só sedução?

se autoestima partir de enorme esforço
no preparar o próprio pão ao ser composto
você que veste mal no expor o próprio couro
é noves fora ao desvalorizar o ouro

você, um sedutor que no viver machuca
no misturar de vozes, de peles ao cantar
de gota em gota a respingar entalhes
é escadaria sem degrau nem patamar

você, um louco em marcas do estar sozinho
um laço a recompor amor em qualquer ninho?
melhor rasgar bordô que rastejar sangrando
e destelhar ao vento no canto de Orlando

não quero ser aquela que se estraçalha
se ao estruturar, a vida sempre perde a calma
se ao compor mil páginas se sentir vencida
destemperando ao revelar-se enrijecida

há féretro que aporta de um navio advento?
guerra sem armas que fermenta e é tudo ou nada?
no cais ao desfraldar a caravela ao vento
perder-se-á ao descuidar da alma amada

bandeira brasileira em corpo embalsamado
tem cores do Rio Grande em meio a lambrequins
envolto neste pano, cupins de antepassados
enterrarão a dor, que tanto foi, enfim.

 - Marilice Costi - 2009





quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Solstício termal



Quais fractais termais
Sem ais
Ou serão refrão do céu
Em tais
Carnavais.

Sei que sei e sou
E vou além

Pois não danço
Não rio,
Acima

As letras certas feitas
Fornecem sóis
Aos sós soem sair
Do mar em que naufragam
O sentido

Pincelo um elo
Amarelo por terra
Na amarra que me jazia

Teus passos bifurcam atalhos
Por assoalhos do que fui

No sul do verbete em itálico
Se encontra
Um conceito

Eleve o pensamento
Ao alto do ego
E contemple a si

Sem sal.

Anderson Carlos Maciel

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

CONTEMPLAÇÃO DO MORTO


Observo o morto.
Ainda ontem ele pegava ônibus,
pagava contas, fazia planos:
férias no campo, carro zero
ou talvez um novo amor.
Observo o morto. Os olhos que tanto
se moviam, irrequietos,
estão parados
atrás das pálpebras. Enxergam o quê?
Os ouvidos até há pouco
curiosos, estão agora surdos,
escutam o nada ou, quem sabe, sinfonias.
A língua, outrora tão falante,
emudeceu. Sentirá qual sabor?
As mãos, vejam as mãos. Enormes, brancas, paradas.
Postas no peito, já não apalpam seios,
já não podem apertar
outras mãos, ou bater no filho
desobediente, que assustado
pouco chora. Os pés, reparem
os pés, que tanto caminharam,
correram para pegar banco aberto,
fugir da chuva ou se encontrarem
furtivamente com outros pés. Os pés
imóveis dentro dos sapatos novos
agora já não dançam, já não podem dançar.
Observo o morto,
absorto. O rosto.
Até esses dias este rosto
me sorria, me contava anedotas,
me falava de mulher, futebol, da vida
que precisava dar um jeito, ai, precisava.
Observo o morto. No rosto
subitamente máscara um quase esboço
de sorriso. A morte é desconfortável
não para ele, mas para nós, os vivos.
Observo o morto. Ele até que está bem
dentro do terno, dos sapatos, dentro
do caixão – melhor, imagino, do que quando criança
no berço. (A criança quer sair
do berço. O morto não.)
Observo o morto.
Não as flores, as velas, os parentes, os amigos,
as conversas sussurradas.
A vida não me interessa agora. Me interessa
somente o morto. Observo-o,
absorto. Será que de algum lugar
ele me observa também?

Otto Leopoldo Winck