terça-feira, 5 de novembro de 2019

Um dia de sol

        Uma casa com altos muros de pedra escondia um atormentado jovem, desiludido com a vida e sem perspectiva de futuro.Com o seu ar blasé ,deambulava pelo quarto após ter sido arremessado à  cama de um sonho mal sonhado, uma morte cortada com o despertar exaltado . No quarto  cinzelava os dias na penumbra esfumacenta de recordações mal postas, perscrutando o vazio pesado daquele instante .
        Coberto com os trapos transformados numa segunda pele , os chinelos calçaram seus pés um pouco mais reticentes que antes. a tenebrocitante  aventura de sair do quarto e reler as páginas pétreas de roseta de seus serparentes . Resmungos , grunhidos  e ausentes nas máscaras do dia, olvidaram no antanho suas personas.
       Antes da carcaça ,a sombra do humo pútrido imaginado pelo olor de urubu eviscerado ,vulturina criatura desavisada de si, deslembrada da gregária condição humana.Temperadas sensações inspiradas pelo mofo, bolor , suor e adjacências . Só a macróbia no canto do salão acendia uma estranha luz nos olhos negros de cadáver ,babava pedindo gorgonzola com linguiça na pizza que julgava estarem sonegando, "criminosos cruéis ."
      O vulto que desertara de sua catacumba ,com bigode tal qual pernas de barata e barba como raízes mortas de uma árvore arrancada , o rosto escondido entre feridas e cicatrizes  apontavam no corpo do hóspede involuntário do destino o próprio hoje daquela mansão em prantos  e daquela família em ruínas.
     Almoço como sexo prostituído ligeiro e comprado por droga barata cujo vôo ao inseto faria mercê.Comeu como quem vomita para alguma lata de lixo.Assim foi , espectro abissal de descoragem diante da incertitumbre do Ser que não se reconhece devedor do viver.
    Inúmeras vezes cego no desarazoado de idéias que o encarceravam até o momento, da chave do seu viver lembrava-se de si quando do outro lado do telefone ouvia a vós de Adela .Uma noite saiu no breu da noite iluminado pela chuva  e caminhou até a noite que o habitava transforma-se em um dia de sol embaixo das ferragens de um carro.


Wilson Roberto Nogueira

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

El gallo giro




Nací en campo florido
entre arboledas y flores.
Cantar mi cometido,
danzar con mi bello plumaje.

Pensé que levantar al guajiro,
era para lo que había nacido.
Alejar el ocaso con su paliducho cobre
dejando avanzar el alba con mi zapateo de ave.

Mañana de gloria fuera cuando a mi vera te viera
y al llegar el crepúsculo tu casa me recibiera.
Ingenuo gallo de mente gira !...
Lo único que no veía,
como apostabas a mis espuelas sin importarte mi vida.

Agradecido he vivido por el maíz que me has dado.
Caminando vamos al ballin para saldar tus deudas.
Mi peso decidirá mi adversario,
mi cálamo pondrá mi nombre.
Mientras en el gallinero dos viejas gallinas por mi suspiran

Comienza el jolgorio...
Va la apuesta a mi pico y patas.
Te miro a los ojos y siento, que por ti he de ganar.
No importa sin ello me va la vida.
A un amigo la espalda no se le debe dar.

Alicia García
Miami,fl

¨Oferenda para meu pai¨




Tenho o ódio

Em um prato de barro

Nenhuma queixa sob minhas orelhas cortadas

Tenho o tempo

Em um corpo fechado

Nenhum sacrifício sob a virgem esquecida num copo

Agradeço pelos pés no mundo

A cabeça sempre erguida

Mérito desse bastardo aqui



Redson Vitorino          

Ao acaso Virgínia



Acendi uma fagulha dentro de mim com teu lodo
com alvejante nos olhos eu pude vê-la
E era clara

primária que me ergueu
nas dobras da pernas rechonchudas
Sou graduado

se sou eu quem nego a estadia
partindo desesperado com xícaras de porcelana

um milhão de cabeças esperando a vez no teu útero
com as mãos brancas por você eu estou

Maldição do concreto que limita
milhas até cair mais uma vez
e nós estaríamos ainda mais longe

Redson Vitorino



NOTURNO



É noite e a fome dardeja
os filhos da orfandade:
sobre duros travesseiros,
mendigos da minha aldeia
ruminam restos de nada
no farto prato do sono.
Os grilos urdem insônias
na placidez dos casebres;
morcegos cravam no espaço
caninos sujos de treva.

Os adúlteros trans(it)am
pelas vielas da cópula;
a chuva profusa molha
o triste ladrar dos cães
e perpetua a linhagem
das espigas seculares,
aos olhos do espantalho
(trabalhador sem salário
que depõe a mais-valia
nos cofres do latifúndio).

A velha lareira estala
os ossos frágeis da lenha
e a altiva chaminé,
já fumante inveterada,
corrói os pulmões de ozônio.
Ladrões escalam silêncios
e penumbras: ardilosos,
amordaçam os alarmes,
descerram firmes telhados
com as chaves do delito.

A noite derrama em nós,
como o mítico Ciclope,
seu pálido olhar de lua
que faz tremer Poseidon.
Os encarcerados vêem
(a despeito do aforismo)
um sol nascendo redondo
no horizonte dos sonhos:
uma só colher de chá
e escavam a liberdade.

Um galo inicia o rito
predecessor das auroras:
demarca as raias do tempo
(enterra as cinzas noturnas
com um cântico solene;
sagra o dia - Prometeu -
e aclama o sol - seu archote -
com forte aplauso de asas);
recolhe as lenhas do dia
para as chamas de outra noite.

Wender Montenegro  

(do meu livro ARESTAS)


quarta-feira, 11 de setembro de 2019


O amor é um erro
um ancoradouro
com nossos pés
amarrados à costa
e nossa cabeça
fincada ao oceano.
O amor respira
nas plataformas
de petróleo
e queima
em sua extração
a certeza
de seu desgaste.
Vendido a granel
turbulento
em guerras
diplomáticas
despedaçamentos
vários.
Moro numa casa
que não há
engolida pelo fogo
não há terras
devolutas.
Após o fogo
nem tudo é trégua
- no amor -
há de ser justa
a propagação
do abandono.


Roberta Tostes Daniel


Indiferentemente




Além do rio existe,
Além de mim persiste,
Além.

Ali ao lado resvala,
Ali ao alto se cala,
Ali embaixo, sei lá...

Aonde eu vou?
Aonde é o rumo?

Leve a lauda louva,
E leda comunicação.

Aos ouvidos em turbilhão,
Sequer uma graça atingirá
A putrefação.

A estrada do teu ego
Anda em círculos.

Tchau.

Anderson Carlos Maciel


Não vai sobrar nada




Pedra sobre pedra
homem sobre a lajota dos pés
corpo moldando laje
de sol a sol
nuvem - chumbo.

Pedraria de tiros
silhueta calcinada
no cimento - sangue
esparramado, esquecido.

Meu Deus, mais um homem
virando nada, memória
luz estourada
andor da fé que se extirpa

a gente ora por desperdício
a gente chora só o fluido.


Roberta Tostes Daniel



FLORES VOTIVAS




Eu
não tenho
medo da morte.
Eu tenho medo quando uma coisa cai
e quebra
como porcelana,

seja uma velha amizade,
um novo amor
ou o sentido – fortuito – dos orbes.

Aí vem o vazio,
pior que a morte,
que não cola mais os cacos espalhados no chão.

Eu
não tenho
medo da morte.
Eu tenho medo da ode
inconclusa, da carta interrompida,
do beijo suspenso,
seja este poema – que em si nunca estará completo –
seja a vida, esta obra sempre aberta...

Por que o medo então,
se tudo é acidental
e acidentado? Por que não assumir de vez
que este medo – que me paralisa no trabalho, na fila do banco, no amor –
não é, no fundo, no fundo, o medo da própria morte?

Talvez seja
para não dar o braço a torcer
a esta velha desmancha-prazeres
que corta os brotos
antes das flores, ou, quando não,
colhe as flores antes dos frutos
– e as oferece ao Nada.

Otto Leopoldo Winck