quinta-feira, 26 de maio de 2011


Moda Inverno

Está fora de moda o suicídio

Antes era bonito ver os russos:
...agora num vermelho pulso Maiakóvski
num vermelho artéria Klebnikov
Iessiênin vem num poema curto escrito a sangue

nesse tempo o tapete era vermelho

se a bala é laica dentro do poema russo
dentro da cabeça ela é outra coisa

a moda era não chegar ao fim da passarela
sorte que aqui o inverno não é tão rigoroso


Edson Falcão

sábado, 21 de maio de 2011


tamires subindo as escadas com lupa

joelhos íntegros, tamires me olha 
de soslaio, talvez não enxergue
nada e então não saiba 

que meu cabelo

é cinza enquanto o dela é claro
lembra uma tigela mas creio
que tamires não se importa

se por acaso

desço correndo as escadas
e finjo não enxergar tamires
para não oferecer ajuda



ana guadalupe


quinta-feira, 19 de maio de 2011

cernunnos de prudentópolis

às 19 horas

Praça do homem nu: e
                       mulher de dorso petrificado, 

praça dos desavisados: desanuviados com o mundo, enquanto

uma mulher passa gritando “JUSTIÇA!”, assim

                        sem mais nem menos, um grito seco, e

um grupo, desabrigados, pilhéria com o companheiro bêbadocaído no centro da praça,

       enquanto falta de emprego desespera mãe sentada no banco,

jogam água “acorda vagabundo, vai rouba osotro!” e

                        
ao lado, no shopping,

as mulheres olham como quem olha peixe, 
                        feixes feitos fetiches.


Marcelo Leite

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Solo

emprestado à noite
meu corpo despenca
no rumorejo de palha.
deito uma pasta triste
com poemas
confrontando girassóis.
morrem crianças
através de cachimbos
por toda a cidade.
eu, no entanto,
não sou moralista:
despejo minha ira
contra os diretores
da chamada terra.
invoco medidas
que são possíveis
apenas pelo onírico
orfeu travestido
de guerreiro.
minha harpa não existe.
rabisco com carvão
uma esperança
mórbida

Augusto Meneghin

domingo, 15 de maio de 2011


soneto de mim

quando a chuva cai na terra, sou eu
tudo que fui: espada, chaga e escudo
tudo que serei: mundo menos eu
olhos que não mais despertam no escuro

quando a chuva cai na terra, sou eu
tudo que fui: canto, lâmina e azul
tudo que serei: trans-lúcido orfeu
na árdua descida, solitário e nu

o sol sem pálpebras que burilei
encegueceu-me por rumos que eu quis
estes retalhos todos que enverguei
são versos que me luzem por um triz

e de repente, aturdido, sou quase
nitidez que se descobriu miragem


Rodrigo Madeira

sábado, 14 de maio de 2011


segundo Borges

Segundo Jorge Luis Borges
por muitos anos
o autodidata Constâncio
dependeu do opaco livro de memórias
que pouco o ensinara

orçou o que aprendera
subtraiu o estado opinativo
viu que havia prosperado com a riqueza que forjara
agregou a si valores
razoou para o razoável

olhou adiante
agiu conforme as exigências
e por vários anos Constâncio
foi um grande homem
vivendo da adulação de sua propriedade intelectual

é o que consta no livro de memórias de Constâncio
segundo o nada confiável
senhor Borges.


Edson Falcão

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Cascavel/ PR

O Ser em Cena

1. MARIONETE

Quando os deuses afrouxam a corda
Só aí posso arcar-me e arfo
Livre dos gestos a que me obrigam
Solto das falas com que me crismam.

Mas, logo que à sua vista,
Descobrem-me reflexivo e lasso,
Um - o mesmo que me incita à preguiça
Retesa a linha: firme, sério e prático.

Obram neste jogo, que não me é lúdico
Para que não tenha deles o fim da peça
A falsa idéia da grã saída.

E porque se divertem com isso,
São artista, texto e público
Enquanto eu, mesmo no palco, sequer existo.


II. OS DEUSES

O que não sabem, nem sua linguagem,
É que o mínimo ar com que me avivam
É uma eternidade maior que o seu destino,
De sempre ser e existir ao infinito.

Já que não existo,
Livro-me de qualquer intento:
Moral, religioso ou político

Enquanto eles,
Livres de tudo,
Não se livram de si mesmos.


III. ENCENAÇÃO

Passam os dias, certos e cínicos,
Concedendo-me destinos e franquias
Que a qualquer ser vivo reservam.

Em dia de suas dádivas,
Não tão gratuitas,
Pagam-me em versos
A casa em forma de castelo que aspiro,
A festa no iate que não tenho,
E o humor esperançoso com que recomeço.


Adriano Smaniotto

segunda-feira, 9 de maio de 2011

sala de recuperação I


ah se eu só em recuperação ficara solta
em sonhos presa em gotas brancas folhas

junto a outras também desencontradas
ovelhas de um rebanho em torno ao sono

então a deus e ao consolo lá estavam irmãs
ferinas nossas pastoras inclinando sobre nós –

e nos perguntávamos a criptografia
humano: diga-me em grau de um a dez

quão grande é tua dor? – nem houvera limite
algum ali em vista que nos pudesse abrir

de volta das profundezas e do pós-narcótico
despertar – ficaríamos bem próximos a este

eu de outras ovelhas quase indistinguível
que pastam ao seu lado na sala de recuperação

Uljana Wolf


tradução por Ricardo Pozzo e Guilherme Gontijo Flores


aufwachraum I

ach wär ich nur im aufwachraum geblieben
traumverloren tropfgebunden unter weißen

laken neben andern die sich auch nicht fanden
eine herde schafe nah am schlaf noch nah an

gott und trost da waren große schwesterntiere
unsre hirten die sich samten beugten über uns –

und stellten wir einander vor das zahlenrätsel
mensch: von eins bis zehn auf einer skala sag

wie groß ist dein schmerz? – und wäre keine
grenze da in sicht die uns erschließen könnte

aus der tiefe wieder aus dem postnarkotischen
geschniefe – blieben wir ganz nah bei diesem

ich von andern schafen kaum zu unterscheiden
die hier weiden neben sich im aufwachraum

Uljana Wolf




sala de recuperação II

ah se eu nunca em recuperação restara
surda encalhada e flutuante em brancas

barcas perto de outras barcas presas
sim este é o porto último é o úmido

canal do sono com irmãs negras que
como um tribunal estão costeiras e

te ameaçam com rígida seringa: gotas
e diabos meu caro podiam me ouvir

e você nada pode ouvir só esta calma
na comporta do purgaquário sanitário

que gota a gota pela cânula te nutre –
enquanto sob tua cama o mar acelerado

há de te furtar ao sonho estrela e mordaça
alheia à sala de recuperação



Uljana Wolf

tradução do espanhol por Ricardo Pozzo & Guilherme Gontijo Flores


aufwachraum II


ach wär ich nie im aufwachraum gewesen
taub gestrandet schwankend in der weißen

barke neben andern barken angebunden -
ja das ist der letzte hafen ist der klamme

schlafkanal mit schwarzen schwestern die
als strafgericht am ufer stehn und dir mit

strengen fingerspritzen drohen: tropf und
teufel meine liebe können sie mich hören

und hören kannst du nichts nur diese stille
in den schleusen sanitäres fegewasser das

dich tropfenweise aus dem schlauch ernährt -
als unter deinem bett das meer mit raschen

schlägen dich zurückraubt in den traum von
stern und knebel fern vom aufwachraum


Uljana Wolf

sábado, 7 de maio de 2011

kaingang!


naufrágio nas estrelas

algo que sempre pensava, a essa hora do dia, em que o silêncio tangia os raios da aurora, e vagarosamente as luzes em chamas se acendiam, como um porque, um avante do caos operante, a razão daquilo que nem se lembrava, mas seguia, caso as vielas não fossem feitas de sujeira juro que me sentava ali, mas o tempo era pouco, e o assunto denso, de quilômetros,  outro falava de um tempo de uma vida, que não se conta no relógio nem se mede por méritos ou propriedades, era aquilo então, o viver que gozava da morte, essa dama que anda de mãos dadas com a vida. 

havia sim uma esperança, que não estava na capa dos jornais nem de nenhuma revista periódica de auto-ajuda, consistia em enxergar o passo adiante, os trilhos, que algum sentido tinham, além de abismo − feito de quedas.

motivos o suficiente para aquilo do desencontro, da desmedida, insuficiente o mundo: tamanha ânsia que  consumia do dedão do pé ao último fio de cabelo. ser ou não ser não era mais a questão, nesses tempos difíceis de propriedade, chega a ser indecente propor de ficarmos nus como viemos ao mundo, sem um centavo no bolso...

lembra daquela noite, em que os ventos saudaram nossa solidão colossal. gentes sobravam por entre as frestas − e daquela tarde na beira da estrada que alguns diziam: não vou posso carona, veja o cachorro da madame que ocupa três bancos. combustível é pulmão para gritar bem alto nessas horas. e dizer estou vivo, mais que um número.

de qualquer maneira as curvas  tinham vida, ainda que empalidecidas pela distância, o verde não era o de sempre, renovava-se como aquilo que chamavam de esperança. mas que esperavam, algum trem do além? ou um disco voador que pousasse no centro do umbigo e dali surgisse um marciano e dissesse: vamos embarcar nessa. naufrágio nas estrelas, lençóis de mar, cama de areia, teto de absoluto.

Rafael Walter

quarta-feira, 4 de maio de 2011


Carnaval de Curitiba - 2011

As andorinhas, dúzias

As andorinhas, dúzias,
formam um falcão, ele se alça
e cai como uma luva.

As andorinhas, muitas
fogem da chuva e desenham
uma faca, um corte nas nuvens:

vergam o eixo do bando,
uma embalagem de alumínio
enovela-se no vento.

As andorinhas
todas várias juntas,
desenham outra andorinha

ou uma tulipa,
que emerge do chão
e foge da chuva

Mario Domingues

domingo, 1 de maio de 2011

quando a humanidade inventou o globo terrestre

Vou seguir o caminho dos poetas:
Farei de minha coluna linda flauta
E das tripas farei uma guitarra
Em cálice meu crânio se fará!
Estranharei qualquer essência humana
Daqueles miradores tão arcaicos
Que achavam que as estrelas eram furos
Num grande véu tecido pelos deuses.

Os antigos olhavam o horizonte
Mais se andava, mas nunca se chegava
A lugar nenhum. Linha reta avante.
Talvez nalgum lugar um precipício,
Nas lendas de lugares tão distantes.
Mas a vela e a pólvora fizeram
Conquistas para além do imaginável.
A humanidade deu a grande volta
Em todo mar e terra que se pôde.
Não há lugar tão longe não passado,
Nem terra não pisada, e também água
Alguma sem se navegar.

Então, chegou o momento insuportável
Em que o mundo virou mais uma coisa,
A terra virou outra, a natureza,
Estranha, dominada pelos homens.
Tudo se sabia.
Era conhecido.
Derrotado o dragão,
Inimigo vencido.

Vejamos, pois, esse objeto estranho
E então fizeram máquinas do espaço
A fim de sentar no assento estelar
Para enfim admirar o que ninguém jamais viu.

Ao primeiro a chegar assim tão alto
Perguntaram milhares, encantados,
Como ela é, me diga, aí de cima?
É deslumbrante? Incrível? Será linda?

E respondeu o cosmonauta Yuri,
Assim, materialisticamente:

- A Terra é azul e eu não vi nenhum Deus!

A bordo do Vostok
O camarada russo
Despencou de além da órbita
E chegou onde nenhum chegara
Ele levou a nação proletária
Às alturas dos livros de história

O momento eternizou-se
Era a separação mais completa
Do ser humano com o mundo
Sua terra
Por meio da guerra
Conquistada no fogo da foice

O nome Terra, o nome Mundo, o nome Planeta
Mas só depois de o ver de longe é que o chamamos:
Globo
Esfera

Conquistar a Lua é estender a mão àquilo que se vê todo dia
Colegas americanos
Que covardia
Mais uma mercadoria
Vitória de verdade é romper com a monotonia da raça
Que só tem uma natureza:
A de sempre quebrar sua própria mania
Negar em constante a dinastia dos genes
E um filho de camponês foi o primeiro
Foi o único
A admirar a imagem
Que hoje rezam nos banners os pagens da gente

Planeta dos macacos

Globo dos seres humanos

Viva a nação proletária
Invertendo o conto dos anos

A terra foi inventada
Por um camponês que sonhou
Por uma bandeira vermelha
Que na história pregou uma frase
Com o pesado martelo da classe

Nesse momento nos vimos
Destinos estranhos de nós
Nossa casa nos foi alienada
Somos o Outro
Perdemos a voz
Façamos foguetes
Marchas, rondós
Pra saudar a conquista
Cantar a desgraça
A natureza morreu
E o mundo lacrimeja
Humanidade nasceu
Voe e veja!

Aquele mar e terra dominado
E as caras molduradas no redondo
Composturas estelares e o éter
Humanidades puras repletas
Purpurinas modernistas
Do futuro proleta-planeta

- A gente é vermelha

- A terra é azul




 YURI CAMPAGNARO