segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008


Aracnídea

Subcutânea
aranha
ferina

introduz,
em veia
bailarina,

poção

contra -
indicada
à cicatrizes

& queimaduras,

e
teu rosto
resplandece
feito Luas,

anti-
eclipse,
razão
erradicada.

Ricardo Pozzo

Estigma

Por sendas oblíqüas,
violência urbana
violência doméstica.

Delitos, impunidade e dor,
na penumbra das cidades.

Pelas esquinas,
rostos anônimos,
corpos lanhados
pelas marcas do desamor.

Não importa a idade,
classe social.

Mulheres,
tomadas pelo medo,
têm a alma amargurada,
a carne rasgada.

Nos olhares castigados,
não há lágrimas nem sorrisos.

Só um silencioso pedido de socorro
entre sonhos adormecidos.

O tempo, é como sopro,
leva sem remorsos,
o silêncio da noite, os hematomas,
as escoriações, as mãos vazias...

- ( não importa a identidade,
o coração partido,
o medo
a desventura) -

E, sem sofismas
na alvorada, traz a denúncia,
porta à liberdade!

30/11/04

Andrea Motta

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008


Chave

O

s
o
n
h
o

é

r
e
a
l
´
idade
a chave.

Carlos Sousa

domingo, 17 de fevereiro de 2008


Quando as montanhas conversam

A imaginação de Gloria Kirinus move montanhas nas tramas da palavra poética, qual ciranda de abraços e cuidados como a vida deve ser — e, quando conversam, as montanhas se inclinam e, até mesmo, dão ensaio a alguns vôos, enquanto o tempo gira seu novelo de cores e vai trocando a paisagem de suas roupas... Montanhas sábias, montanhas silenciosas, mas jamais imóveis ou insensíveis diante dos momentos especiais da criação que valem e velam: um cavalo aladona tela de um pintor, o nascimento de uma criança — a chave encantada do sol em suas mãos, as sementes e as colheitas, os versos que um poeta perde sobre o papel...
É o próprio estado de poesia que Gloria não deixa escapar, neste poema feito de raios luminosos de admiração sobre os instantes da vida, ao despertar simpatias pelo aceno do homem que lentamente se despede do mundo ou quando sete frondosas quedas de água desaparecem da câmara escura de um fotógrafo... Há vagas nestes versos para falarmos da preocupação da autora a respeito de uma ecologia interior — talvez a única capaz de preservar nossa humanidade neste planeta.
Ao presentear os leitores com o segundo título da coleção "Dobrando a Língua", Gloria Kirinus também afirma a irmandade entre as culturas e os anseios ibero-americanos. Seu texto é curiosamente dedicado ao Cerro San Cristóbal que dá contorno ao horizonte da cidade de Lima, no Peru, onde nasceu a autora e vivem seus sobrinhos. A cada página, as estrofes em português e em castelhano surgem justapostas à ilustração, permitindo saltos através do ondulado dos dois idiomas.
Cobrindo a superfície do papel preto com motivos populares, grafismos e massas de cores, Graça Lima aquece as imagens do livro com a densidade/porosidade de giz pastel. Os materiais escolhidos pela ilustradora lhe permitiram tirar bom proveito dos jogos de silhuetas, das sombras e dos contrates brilhantes. Diferentes céus aparecem ora muito acesos, ora coalhados de estrelas. Por vezes, as montanhas parecem estar cobertas por emaranhados padrões de uma colcha imaginária.

Comentários de Peter O'Sagae

oleiro amoroso

de fazer-te estátua,
entre brumas e arpejos,
quebrei-te com gosto,
com presta destreza.

de atirar-te aos cacos
no charco, entre juras,
beijos de dois gumes
sem dó atirei-me.

de colher os cacos
para rejuntá-los
com a lama mesma,

imunda, te amei,
com gosto e destreza,
sem dó, como nunca.

Rodrigo Madeira


Causo d´amore

tua boca esferográfica escreve o beijo em mim

há marimbondos sob tuas unhas
que marcam minhas costas de entrelaçadas vértebras

o amor floresce
no lodaçal onde todos jogam tamancos com fúria

só a mais bela das bailarinas
plantou a orquídea
atolou até os joelhos para ser espuma

hoje dança na caixinha de música

Everton Freitag

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008


"Um meio de obter é não procurar
um meio de ter é o de não pedir
e somente acreditar que o silêncio
que se crê em você é resposta ao
seu mistério ".

Clarice Lispector: "A Hora da Estrela ".

Mercado Municipal

Juca. Viúvo de Jandira fazia três anos, ia agradando as freguezas mais ajeitadas pra esquecer o luto. Uma maçã vermelha pras moçoilas ainda puras, acreditava...um cacho de uvas-itália pras mais joviais e de vestidos floridos... uma laranja - pêra ainda verde pras mais senhoras e uma banana - d'água pras mais decotadas. Mas as frutas não rendiam frutos e nenhuma dona fez a feira do feirante. Tempos difíceis de juros em alta. Revoltado, resolve cortar os vales-brinde que não lhe valem nada. Aquela clientela, mais fiel ao marido que a ele, não comprovava o papo de pescador dos seus companheiros de feira e também do professor de sociologia que comprava pepinos em sua banca desde da época em que era etudante e lutava contra a ditadura. Onde estava a tal falência do casamento como instituição de base da sociedade? Apesar de devidamente regado, o amor não brotava feito as frutas e muito menos feito os discursos, lamentava. As frutas apodrecem na banca do Juca e o Juca apodrece na banca das frutas.
Adriano Esturilho.
(Arisco A. Quixote.Literatura.p17.julho 2005 )

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

photo by: António José de Faria - SP

domingo, 10 de fevereiro de 2008


Fogos de Artifício

Fogos
efêmeros
artifício
opaco,
olhos,
véus
imolados,

trono a reis
descalços.

Colho,
com os
lábios,
murros;

silêncios,
embebidos
em
soluços.

Nas veias,
a
céu aberto,
vaza
densa
neblina
escarlate,

turíbulos
do ódio
escarram
rajadas.

Destemidos,

heróis
de chumbo
desfilam nos
labirintos,

florestas
de gás.

Ricardo Pozzo

sábado, 9 de fevereiro de 2008


photo by: António José de Faria.
São Paulo-SP

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Livro Pó&Teias - lançado em maio de 2006

Fala a cabeça de Timothy Leary

num aquário (morte falsa) num aquário (não há) noites em claro, água com açúcar (há), sal sob a língua (há), liquid sky é minha saída para dias-distorção
embrulhem migalhas: hoje não há mais loucos quase sonados e aquém sonhantes, eles, se vêm, vêm e buum ! somem. a infância foi um lugar de vencer corridas (morte falsa), lá só os loucos escreviam completamente, uma fala de espirro amoníaco, fabulando praias demais.morcegos, pessoas distantes que não virão aqui sob as árvores de resina
envenenada, possuem o sonar circulador do brilho seu reino (vê: não dápra se armar da fome do povo). se meu filho comesse todos os peixes do mar e 'de la tierra nace el pan, y debajo de ella estará como convertida en fuego'.
o futuro tecnologicamente falando reserva-me o enxerto, com aquela superfície que em mim é vivida de outro modo, o vagar e vau abismo. do que você sente mais falta ? estradas cheias, dizem, de transes, e malocas indígenas onde me abriria a um unicórnio, as estrelas veladas por seda.
(morte falsa) ou o universo é uma casa - diriam certo, leves nas celasos monges de silêncio, o universo é uma passagem - onde escrevo a ética
da desaparição. mais vastos são os corpos vazios, voz de anjos, salto suicida de uma cadeira, ou cemitério dos sons, insinua o pouso e não toca o chão.
a forca era uma espécie de picnolepsia enquanto escrever era um vício, a asa delta sem lapsos, a oficina de areias extremas. penso nas crises das
ex-lagartas no campo à quase-chuva: o verde é um mar tão amplo, caminho que sempre se percorre e ao fim morre-se.
anotações de um pós-fotógrafo à espera de pássaros: agora o que faço ? os pássaros tão cabaço, não apareceu um, não veio. o silêncio que ocupa
o espaço: o som não cabe mais no espaço - o espaço é o animal que pensa
que a membrana de água da noite me adormeça.
torso oleado, onde a pele ao escamar-se, escaldar-se, e eles rind'à-toa, hálito do sol rezere-me em mim, em mel! pasta de miolos! esquecer o céu,
mas vejo olhos de papel (anotar - morte falsa - pássaros iluminam o sol), há a luz onde palavras não dizem nada.
queimar livros, ser self-made man na terra do prazer, respirar de estrelas mais portas invisíveis, have you ever been to electric ladyland ? adeus projetos hidrográficos, que jamais velejem sozinhos, sob quedas repentinas
de energia eu sonho um dia vos reinundarei.

Ricardo Pedrosa Alves

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008


Solidão

Ela adora se excitar passando creme hidratante nas orelhas.
Pela janela de seu quarto, segue os passos de pessoas desinteressantes e desinteressadas pela sua existência.
A reciprocidade marca o tom destas relações por trás do vidro sujo.
Às vezes vai até a panificadora, ou ao mercado.
Ou sai só pra dar uma volta na quadra, esbarrar nas pessoas apressadas, se encher e voltar pra casa.
Sabe que ninguém é bom pra ninguém.
Sabe que ter amigos é ter problemas.
E estes, já bastam os seus.
Sabe que dividir tudo com alguém é dividir também a solidão.
E está plenamente convencida de que os homens são apenas um estágio na vida das mulheres.
Já os teve.
Alguns poucos,é certo.
Mas basta um para se conhecer a raça inteira, diz.
O último que passou por aqui deixou , além de rancores, uma cueca e um par de sapatos.
Pensou em comprar um cachorro.
Um poodle, quem sabe.
Mas não queria mais ninguém babando em sua cama.
Desistiu.
Teve sim um Hamster.
Que morreu.
De solidão.
Quando Lembra, liga pra família.
A prima gorda de Tamandaré, sua melhor amiga, veio visitá-la há duas semanas.
Trouxe a coleção de Carícia e algumas angústias.
Foi embora no último ônibus, ela a acompanhou até o Guadalupe.
Na volta, bêbados e suas gracinhas rotineiras.
Passo apressado.
Graças a Deus, em casa.
Existe algo melhor que ouvir a música da sua vida no som que se deseja, mesmo que seja Ângela Ro-Rô?
Ou cagar de porta aberta?
Calcinha pendurada na válvula do chuveiro, dormir de atravessado numa cama de casal...
Mas tem que se ter uma presença masculina.
Abstrata, presente abstração.
Ela procura o creme e se arruma.
Ajeita o pôster do Antônio Fagundes atrás da porta do armário.
Mais uma noite de felicidade na solidão aconchegante de um quarto na Muricy.
Mauro Leno