sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Solidão

Ela adora se excitar passando creme hidratante nas orelhas.
Pela janela de seu quarto, segue os passos de pessoas desinteressantes e desinteressadas pela sua existência.
A reciprocidade marca o tom destas relações por trás do vidro sujo.
Às vezes vai até a panificadora, ou ao mercado.
Ou sai só pra dar uma volta na quadra, esbarrar nas pessoas apressadas, se encher e voltar pra casa.
Sabe que ninguém é bom pra ninguém.
Sabe que ter amigos é ter problemas.
E estes, já bastam os seus.
Sabe que dividir tudo com alguém é dividir também a solidão.
E está plenamente convencida de que os homens são apenas um estágio na vida das mulheres.
Já os teve.
Alguns poucos,é certo.
Mas basta um para se conhecer a raça inteira, diz.
O último que passou por aqui deixou , além de rancores, uma cueca e um par de sapatos.
Pensou em comprar um cachorro.
Um poodle, quem sabe.
Mas não queria mais ninguém babando em sua cama.
Desistiu.
Teve sim um Hamster.
Que morreu.
De solidão.
Quando Lembra, liga pra família.
A prima gorda de Tamandaré, sua melhor amiga, veio visitá-la há duas semanas.
Trouxe a coleção de Carícia e algumas angústias.
Foi embora no último ônibus, ela a acompanhou até o Guadalupe.
Na volta, bêbados e suas gracinhas rotineiras.
Passo apressado.
Graças a Deus, em casa.
Existe algo melhor que ouvir a música da sua vida no som que se deseja, mesmo que seja Ângela Ro-Rô?
Ou cagar de porta aberta?
Calcinha pendurada na válvula do chuveiro, dormir de atravessado numa cama de casal...
Mas tem que se ter uma presença masculina.
Abstrata, presente abstração.
Ela procura o creme e se arruma.
Ajeita o pôster do Antônio Fagundes atrás da porta do armário.
Mais uma noite de felicidade na solidão aconchegante de um quarto na Muricy.
Mauro Leno

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