quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Passarão, Passarinho, Passarinhada

Já pensou no que comem os passarinhos?
Aqui em casa em nosso quintalzinho só tem duas árvores, amorinha e araçá. Mas que vive o ano inteiro repleto de passarinhos.
São sabiás, andorinhas, bentevis, pardais, corruíras com raridade, e até as maritacas já deram o ar de sua graça por aqui.
Fiquei espantada quando vi que eles esperavam os meus cachorros saírem da área de risco para posarem sobre a ração. E isso acontecia com freqüência.
Temos três cachorros, mas contabilizamos quatro na compra do mês, pela quantidade de pássaros que se alimentam aqui em casa.
Eles não são mais limitados a comerem grãos, frutas, como eu pensava. Agora, aderiram em sua alimentação à variedade composta de carnes.
Certo dia, ao andar no conjunto onde moro, vi um grupo de passarinhos disputando uma banana que estava no gramadinho, em frente a uma casa. Como vi a senhora, dona da casa, aparecer na entrada, comentei sobre a banana, admirada. E ela falou mais, que no telhado de sua casa ela colocava água, pois eles não tinham mais de onde beber, pois os rios e lagos haviam desaparecido, com a evolução da cidade.
E ela comentou mais, que vinham de onde eram mata e que hoje viraram plantações, e que com venenos, as plantações verdes, hoje lembram apenas a dor no estômago, com gosto de remédio, para eles.
Comentei sobre o meu quintal, que eles se alimentavam de ração, e ela disse que era devido à fome. No desespero, eles aprenderam até a abrir o lixo. Lixos aliás que se enchem de abelhas, vindas das regiões desmatadas. Elas também estavam de mudança, e, na falta de flores, se contentavam com a coca-cola das lixeiras, pois também contêm açúcar.
Um senhor que vem vender mel por aqui, disse que está procurando outro trabalho, pois as abelhas não querem mais fazer favo e nem estabelecer família na roça. Querem é viver na cidade grande, que tem emprego e comida!
Então resolvi abrigar esses pobres coitados, que foram desabrigados de suas terras, seus trabalhos e que agora tentavam a vida na cidade grande.
Coloquei duas bacias de água e comida no telhado. Num ponto em que eu tenho uma visão estratégica. Assim, eu posso me sentar e admirar a passarinhada, se revezando para mergulhar. Às vezes, se empurram num clima de “criançada na piscina”. E parece que eles pressentem quando a fruta está “artificial” demais, eles nem encostam o bico nela.
Domingo, eu tive uma surpresa triste e não sabia o que fazer. Minha gata subiu na área deles e capturou uma pomba-rola. Trouxe-o, ainda vivo, e tentou matá-lo em minha frente, talvez para eu parabenizá-la pela conquista. Eu rapidamente a espantei e peguei a pomba-rola na mão, para ver o estrago. Estava com o rombo, perto do pescoço.
Eu tive uma vontade de chorar, imaginando a dor que passarinha sentia.
Liguei para um veterinário, amigo meu. E ele disse que não havia o que fazer, pois pássaros são animais complexos e sensíveis demais. Era melhor dar para a gata terminar o serviço.
Coloquei-a numa caixinha de sapato, para não ficar voando e se esborrachando no chão. Pois ela estava sangrando, mas com um olhar firme, determinado a fugir. E eu fiquei feliz, porque era sinal de que estava forte e conseguiria viver, se cicatrizasse.
Passei aquele dia angustiada, pensando num analgésico, num curativo que o fizesse parar de sangrar. Não conseguia nem olhar para minha gata, que me pedia colo.
Segunda-feira, estava acordada desde as seis da manhã. Olhei dentro da caixinha e ela estava lá, querendo fugir. Ótima notícia! Oito horas da manhã, liguei para o IBAMA. Queria uma informação apenas, nem iria dar meu endereço, pois podiam me multar por ter um animal silvestre em cativeiro, pensei logo. Surpreendentemente, eles me informaram o telefone dos agentes do meio ambiente para socorrem os animais. Liguei, passei o endereço e a urgência: salvar uma ave! Nem falei a espécie, para não classificarem a importância na cadeia de extinção. Fiquei aliviada quando me falaram que logo pela manhã apareceriam em minha casa.
Hoje, sexta-feira, depois de uma longa espera, enterrei a pomba-rola. E pela janela vejo a passarada ainda a cantar. Destino natural, uma gata pegar um pássaro; destino natural eu continuar me encantando com suas peripécias.

Tainá Pires

Apelação

Cauteloso, silente e lentamente
faço coisas que sei que Deus duvida
me divido por quatro e sofro um pouco...
fico louco pra tudo se acabar
vejo o mundo rodando e penso penso.
E medito no dito por não dito
e me dito meu grito mais imenso
e ensaio o que digo e o que não digo
se desmaio, se corro ou se gargalho
qualquer coisa que afaste do perigo
que mendigue derrota aos inimigos
mas me safe na hora do sufoco.

Altair de Oliveira – In: O Embebedário...
"As mulheres são o filtro sutil da realidade.

"Michelangelo antonioni

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

"A cidade não aprende a ficar molhada
guardando as chuvas que escorregam
para as marquises."

Solda
"Nada é como acreditamos ou queremos acreditar,
o mundo não é nossa imaginação e sim nosso fantasma"

Imre Kertesz.
Kadish-para uma criança não nascida. p53
"El sol calienta las paredes de mi casa
El barrio empieza a despertar y sigue tranquilo
Al mediodía todo sigue igual
Más tarde pasará el micro
Y es de noche, los muertos se levantaban
A las doce se escuchaba la campana."

(Era de Noche)Lorena Farias
.in Clarín.BA.061001

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Lição n 1

A folha de uva
me ensina mais que as teorias.
O olhar do garotinho mestiço
do terceiro andar.
Yáyá do 607, com suas palavras
- arnica curando minha alma esfolada,
entre chás e sorrisos...
Uma marmota na TV, olhar astuto,
dorso estirado de manequim...
Também me ensina a ser zen,
o desenho oriental em tinta nanquim.
Sinfonia & chuva &
epopéia terna - um filme -
cenas que resgato dos cílios
do filho adormecido...
Um cem número de visões,
sabor e sons,
que degolam as vãs teorias,
um livro humano que me ensina
a entender a vida.

BÁRBARA LIA

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Em Construção

Tijolo, tijolo, tijolo
em cima
um do outro
tijolo, tijolo
ao lado
um do outro
tijolo, tijolo
cimento e pedra
Pedreiro, pedreiro, pedreiro
ao lado um do outro
pedreiro, pedreiro
Em cima
a pedra, o tijolo, terreno
pedreiro de pedra
de Pedro, de pé
Parceiro, tijolo e ferro
são duros de pedra
tijolo, tigela, marmita
de sopa de pedra
pedreiro, tijolo
andaime, escada
tijolo, cimento
e laje e ferro
ferragem, ferrado
assentado em tijolo
aquece a marmita
de sopa, de massa
cimento, acaba tijolo
na massa corrida
oculto da vista.

Maria José de Menezes

MINAS

Água translúcida
a gotejar nos cântaros
filtrada
nos estalagmites.

Maria José de Menezes

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Pele Marcada

Não tenho tatuagens na pele.
Em minha carne,
já corre muita tinta.
Se fosse para estampar
todas as minhas idéias,
me faltariam braços
para carregá-las.

Juliano Grus

domingo, 15 de fevereiro de 2009


O homem que parecia Lenin (sem as roupas da revolução) caiu no saloon, como um cowboy que escorrega no líquido das suas humilhações após tomar um tiro de vodka na garganta.
A vida é faroeste, leste, norte, sul e no centro o homem tombado, entre dois retratos matadores, pensando como levantaria sem parecer fraco e patético ou pensando em qualquer coisa aleatória, porque esperar raciocínio coerente de um homem que está agarrado ao chão como se fizesse parte dele , é exigir demais.
E então, de dentro dos retratos eles sacaram as armas, enquanto Pancho ajeitava o chapéu, Zapata precipitou-se em apertar o gatilho na direção da criatura estendida, porque é melhor morrer de pé do que viver de joelhos e aqueles joelhos já estavam entregues.


A noite não adestra insetos,
nem converte alvoradas.

Camila Vardarac


Praça

Ah, essa remodelada praça...
Costumava passear por aqui.
Quando minha vida não precisava ser perfeita.
Nem imperfeita.
Quando minha sensibilidade
regia as regras e o prazer não precisava ter utilidade.
Quando eu amava matéria e espírito; palavras e poesia.

Ah, essa praça...
Com seus transeuntes interagindo ou não continua a mesma,
e por não ter consciência de que ela precisa ter razão para ser,
ela existiu, existe e existirá.

E eu, dissolvido
entre o passado e a mim mesmo,
passeio pela praça que eu costumava frequentar
quando eu costumava estar vivo.

Deisi Perin

sábado, 14 de fevereiro de 2009


Quarta

Era quarta-feira. Fiz tudo como esperado. Após mais um longo dia de labuta, eu havia chegado em casa me sentindo morto. Morto. Era assim sempre. Sempre? Uma pergunta inútil, que certamente levava a lugar algum. Ou a algum lugar? Enfim. Entrei no chuveiro, pois sou homem, e homem não é de ferro. Apenas os robôs o são. Na água, lavei para me lavrar de tais incongruências. Deveria estar cansado, pois tenho dormido pouco há muito tempo. Entretanto, ao desabar das últimas gotas, as perguntas continuavam lá, inabaláveis. De maneira inquestionável. Com a toalha, abusei de uma violência excessivamente inesperada. As brumas me exasperavam. Era assim sempre? Sucedera isso antes? Inquiete-se.Preciso quietar-me. O barbeador. Vou fazer a barba, ao menos um afazer para aquietar. Tamanha náusea me congestionava. Foi então que eu me olhei no espelho pela primeira vez. Sim, pela primeira vez na minha inexplorada vida. Com a minha mão, fui despojando o espelho, polegada por polegada, de sua dissimulada embaçação. E aquilo que descobri é de arrasar qualquer existência possível. O choque se apossou de mim. O susto de ver as coisas como são. A começar por mim. Descobri que tudo aquilo que eu chamava de rosto não passava de uma máscara enferrujada, e que o meu corpo era senão uma fantasia. Uma puta de uma tremenda carcaça. Lata velha maldita. Ao arrancar dessas armações, vi que embaixo disso tudo, eu era eu. Inexplicavelmente, eu ainda era eu. Sangues jorravam das minhas artérias, afirmando que o Universo era, como o Sol, vermelho púrpura. O Universo sou eu. Ele está no meio de nós. Um Universo a desvelar. Tenho de tentar explicar isso. É a minha única chance de me salvar. Mas como? Pois aquilo que eu conheci ao me desvendar milagrosamente transcende o cognoscível. O que eu tinha antes era mentira de pau. Aquilo que eu pretensiosamente denominava por vida era uma mera ilusão. Como suportar a indubitável constatação de que o falso era até o presente tido como verdadeiro? O porvir era não menos real. E o real é de uma crueza eterna. Cru até demais, deixando a ação completamente potencializada. Qualquer passo me mataria. O presente aniquilava o passado, para então ser tomado pelo futuro. Desconhecido angustiante.Eu tinha toda a barbárie do cosmos conjugada em mim. O que fazer com isso eu não sabia. Com uma força estrondosa que só os negligenciados são capazes de reservar, uma ânsia de viver irrompeu, espalhando pétalas por todo o chão. Eu só precisava de um início, quanto ao resto eu me virava. E isso estava nas minhas mãos, vermelhas. As mesmas que desligaram o despertado ao raiar do dia. Que encaixotaram garrafas. Que ergueram caixas, que machucavam as costas. A raiva chegou acompanhada do riso. Ignóbeis picuinhas. Depois de tantos anos, que desperdício foi imaginar viver, e não fazê-lo. Mas eu não podia deixar de admirar o poder que essa farsa possuía. O torpor que produzia enclausurava corações e garantia o eclipse de toda a brutalidade do real. Era nisso que eu acreditava dogmaticamente. Mas agora não. Todos os átomos de meu corpo esperneavam ao contrário das contradições cotidianas. Não obstante, meus antigos hábitos clamavam por um suporte a essa nova descoberta. Isso, entretanto, era impossível. A verdade é insuportável. Nós ocultamos a verdade porque ela machuca. Um machucado que não cessa, cuja fenda constantemente precisa ser aprofundada, para se ter a certeza de que se está aqui.Há muito que eu já não me sentia vivo. O que então valia era o aqui e o agora, mas o aqui – a lucidez do banheiro – revela ser o agora o ontem, que é a enfadonha cópia de amanhã. Porém, depois de hoje, o aqui se tornou o aqui. Não mergulharei mais em dúvidas quanto ao meu mundo, ou as escolhas e limitações que ele implica. Jamais me torturarei com a indagação de quanto tempo faz que não me sinto carne. Pois agora sou só carne. E a carne arde. Jogue fora o álcool ou qualquer pano que pretenda amaciar as amarguras que sofremos por provarmos. Há coisas que devem sair, assim como há coisas que devemos sentir. Senão não se está vivo. E eu estou. Demasiadamente. Ímpetos adormecidos demandam com o maior apetite do mundo, e eu sem ponderar, corto mais e mais. Cada rasgo urgia um próximo, fazendo com que as feridas se contagiassem mundo afora. Existe todo um processo para isso. Diria até que consiste em uma ciência. Há primeiro a epiderme, depois a derme e então: você!Como era bom ser eu mesmo. Isso resultava em uma outra questão igualmente intrigante: o que fazer comigo mesmo? Desconcertante liberdade. Talvez fosse natural um estranhamento entre nós, como todo primeiro encontro gera um constrangimento. Mas, paulatinamente, nos familiarizaremos. Saberei como dar forma a ambos: com ela e com ele. Digo isto com a convicção de quem não viu nada, e viu tudo. Os dois estão intimamente ligados. Analisando meus olhos, obtive a derradeira comprovação de minha condição selvagem. Outrora, aprazia-me comprovar minha alma sufocada em um minúsculo ponto no interior de minha pupila. Por ora, isso não mais acontecia: qualquer humano que olhasse meus olhos acabaria por inexoravelmente bendizer: você é você. Consistindo uma novidade para o espectador, a imagem se reteria na mente, indelével. Nem intente em obliterar a paixão que os seres livres apresentam. No caminho para o trabalho, eu atravessava a metrópole e analisava milhares de rostos. Apesar disso, o mundo me parecia carecer de convivência humana, de pessoas. Esta fora uma das inúmeras fissuras que minha máscara possuía; a sensatez do espírito ainda perpassa a mais grossa das maquilagens. Julgamentos coerentes ameaçam brotar mesmo nos ambientes mais hostis e inóspitos para tanto. Pequenas panes do sistema, em constante supervisão.O reflexo disso tudo já não me bastava. Incontrolável, estilhacei o espelho em trezentos e noventa e nove pedaços. Eles me pertenciam. Imagino que na minha solidão considerei meu próprio reflexo uma fonte de alienação. E isso eu não mais o era. Acho que é por isso que fiz aquilo. E para dar certeza de que eles estavam em minha posse, e não o contrario, eu afundei, caco por caco, em mim. Um processo doloroso, mas definitivamente necessário.Podia sentir meu coração batendo irregular e exaustivamente. Sabendo quem sou, julgo ser capaz de discernir meus desejos. E isso basta por si só. Valeu a pena; estou na obtenção daquilo que todos os humanos aspiram na convenção representada pelo que vulgarmente denominam como felicidade. Com isso em mente, eu decidi querer vagar pelas ruas, embebedando-me de pura liberdade. Mas não mais podia! Costurar a pele a seu lugar original era inconcebível. Uma vez descascada, para sempre será.Então tudo isso era em vão. Será que era melhor não ter me descoberto? Ficar somente na superfície era melhor? São perguntas sem respostas; perguntas que não se devem fazer.Eu tinha dito que hoje sucedera um dia como todos os outros, mas eu menti. Uma espinha virou um caroço, e esse caroço era um linfoma. Eu ia morrer de qualquer jeito. Sempre fiz as coisas como alguém que tivesse muito tempo nas mãos. Muito tempo para viver. E não temos. Do permanecer ao perecer bastam algumas letras a menos. E sob esse prisma, decidi tudo mudar.

Gustavo Dalacqua

Vomitando

Vomitando de um profundo coma, um homem acorda. Anos se passaram, constata. E ao olhar o falso calendário, a medida em que o sentimento de desorientação pesava com maior intensidade, ele resolveu abandonar sua gaiola sofregamente. Aprontou a máscara e a fantasia, para poder se proteger do frio dolorosamente real que rondava lá fora. Um coração apressado regia seus passos intermitentes, ecoando na imensidão daquele cômodo. Porque escapar já não era mais uma indagação, e sim um imperativo. Feito isto, ele rodou a chave e abriu a pesada porta enferrujada.
A neblina cerrava o horizonte, dissuadindo a todos para que permanecessem em suas tocas. Fora assim por muito tempo. Não se recordava ao certo quando essa imposição começara; ela transcendia sua vida. Visualizando em cacos o que deveria ser um lago congelado, ele não hesitou em abandonar o asfalto e pisar na terra, abaixo do gelo. Onde estão as estrelas. Logo lá. Os homens daqui já não as enxergam, e aqueles que dispõem do tesouro de observá-las já não dão a mínima. Os olhos não vêem, e o coração não sente. Vagando por um tempo indeterminado, os pés conspiravam em doer. Há quanto tempo não andava no mundo real? Andara antes. Não, retire isso. Você não andava – se deixava levar. Um galho na relva prenunciava o bosque à frente, convidativo, porém inexplorado.
Escondido nos grotões da mata interior, ele compreendeu que toda sua vida tinha sido um erro. Desprovida de qualquer um propósito. Não havia fé, nem amor capazes de salvá-la. O mundo muito menos. Uma quietude extrema o apossou, como se todos seus átomos clamassem por aquela constatação. E de maneira inusitada, o reconhecimento de não se ter um propósito virou um propósito. Uma lúcida filosofia, dessas que se agarram a uma vida como um filho à mãe, recompensando serenidade.
Depois de demasiado sofrimento, ele enfim se tornara homem. Um homem banal, aquele ao qual ele tanto relutara ser? E a paz ele alcançara, algo inexistente até então. Mas quem sabe sofrer fosse a fatalidade do pensar? Quem sabe viver como animal é a maior dádiva de Deus. Somente a Ele cabe a permanência, ao homem resta apenas conformar. Dar forma ao presente, como homem e apenas homem. Cabia a ele escolher entre o sofrimento da não-verdade ou a resignação da verdade. Eis a questão. E sim, era essa consciência que caracterizava o homem.
Viver é experimentar o que não se gosta, satisfazer com o insensato. É dirigir sem pensar. Movimento, velocidade constante, incessante. Chama que se apaga. Efeméride efêmera. Angústia sem fim, ingratidão para quem vive.
E-X-P-L-O-D-I-R - ele tinha convicção de que despedaçaria em incontáveis recortes do cotidiano, fadados à repetição aleatória.
Desculpem, mas a verdade foi feita para ser dita. E a verdade os salvará.

Gustavo Dalacqua

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

breviário das moscas

monomaníacas,
lindas como os rouxinóis:

as moscas.

inesgotáveis,
insuportáveis,

abertas às febres
todas, todos os modos (e cheiros, sabores)
de vida e morte,
como fosse a obsessão
um nirvana,
a paz
dos incansáveis.

benditas sejam
as moscas!

sua teimosia feroz,
filigrana de saliva,
único filamento
de brio.

voltar sempre, como
uma alma penada,
um cão com fome,

um homem

que, afogando-se,
quer porque quer

viver
por viver.


Rodrigo Madeira

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Passeio Público - Curitiba


A Moda


Richard Avedon




A Guerra


James Nachtwey


concepção: FERNANDO VIVAS

Tríbade

Sensitrix dos desejos
expiados na lambida

das fêmeas dadas ao prazer

não precisa de ensejos
para ser mais atrevida

no tal instante de lamber

Lanoia

sábado, 7 de fevereiro de 2009

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

foto by German Lorca

3 Hai Kais (ou poetrix)

boca da noite
guarda o silêncio
dos que esperam.

Lisa Köe

no horizonte
o sol inda boceja
névoa no monte.

Lisa Köe

breve desfolhar
de um jardim secreto
estrelas n'olhar

Lisa Köe
foto by Albert Nane
http://www.flickr.com/photos/curitiba/

Angústia

a angústia
é um jardim devastado
infestado de cigarras mudas
pragas de um mal calado

é o coração coagulado
dentro de um balde azul
sobre as macas giratórias
do pensamento confuso

é um esquilo demoníaco
com olhos de fissura
gastando os dentes podres
numa noz imaginária

é alma na ponta da faca
que não corta, só ameaça
iminência da falta
que sonda o vazio

Camila Vardarac

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

foto de Nicole Lima
http://www.flickr.com/photos/nicolelima/

concerto para cupins

melhor, não mais concerto
para os metais das pátinas,
semeadura do avesso...
melhor, não mais concerto!

sequer cordas para o asco
(inspiração ou prática?),
nem ruína do vasto...
sequer cordas para o asco...

para cupins e traças...melhor,
nem mais concerto!

ou madeiras doentes
flautenejando o oco...
nem percussões silentes
nem madeiras doentes

para cupins e traças...
melhor, nem mais concerto!

não pense em sinfonia
em quatro roimentos...
mínima algaravia,
não pense em sinfonias...

tudo é anti-sonata
de música deserta
(a traça roeu a rima,
a traça roeu o ritmo,
a traça roeu a métrica)...
tudo é anti-sonata
de música deserta...

roendo som e escrita,
imagine-se a missa
(um monótono réquiem),
vagarosa prestíssima,

para uma orquestra afônica
(arquitessitura atônita)
de traças e cupins.

não se ouvir mastigar
(roer, roer até
os ossos do silêncio),
que este canto é calar...

melhor, não mais concerto...
cupins, traças – roendo o ar.


Rodrigo Madeira
foto de Rimbauldian
http://www.flickr.com/photos/rimbaudian/

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Sem Título

Passos na sombra
Reflexo sempre adiante
inalcansável.

Lança-te
Ao contrário
No ímpeto de segurar
Autocontrole.

Tolo fostes tu
Não vês ter sido
inútil?

Por mais que corra
ou desdobre
Tudo foge
Nada fica .

Gustavo Dalaqua

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Entardecer em Cwb

Heath Ledger - Requiém Do Desespero...

Do lindo cadáver de Heath Ledger
tomar-lhe uma rosa amarela
da flora intestinal
tocar seu lábio frio roxo-escuro com appeal
o rosto de gesso
nos longes
a ossatura quase antipática
e a prova inegável do sorriso louco
loucamente adiado adiado adiado
inevitável inevitável e adiado

do lindo cadáver de curinga
tomar-lhe o sorriso último golpe possível
roubar-lhe a rodovia
da vida
a eternidade esbelta de petter pan
e por um momento
para que todos vejam
esbofetear-lhe a cara aos risos e babas
sinceramente
do lindo cadáver que sem jeans era nada
arrancar-lhe de uma vez
a juventude inventada
transviada
desviada
a juventude e as unhas maciças de sorte
jogar gasolina sobre seu sexo
negar-lhe ouvir nature boy george david bowie

Do fantasma que ainda habita seu corpo
tomar-lhe o nácar saudade dos letreiros
a sombra o quarto o beliche os oscars
do lindo cadáver nem de deus nem do diabo
imitar-lhe a queda inerte
e morrer por um minuto enquanto ainda há tempo
e medo
como gregor samsa...
ele cansa...deita...sorri e descansa...


Marcio Cido Santos
foto by Albert Nane
MON - foto by Albert Nane

domingo, 1 de fevereiro de 2009

http://www.flickr.com/photos/31124653@N03/

2012

O mar retrocederá
o tempo
até que o fruto
da árvore
"esquecimento"
perca seu sabor.

E a soberba,
que nos iguala
aos anjos rebelados,
e a insatisfação,
abalizada por
(psic) analistas
renomados,

sejam dissolvidas.

Ricardo Pozzo