domingo, 30 de novembro de 2008


A figueira

A figueira “Jesus disse-lhe: Jamais nasça fruto de ti! E imediatamente a figueira secou.”(Mt 21, 19-20)



Elevada, isolada num barranco às margens de uma estrada que não unia nada senão a solidão ao silêncio, estava ela passivamente posicionada. Raízes expostas numa tentativa fracassada de fuga aos grilhões do torrão que a aprisionava. Apresentava um tronco vigoroso, espesso e que fora sulcado por eras e eras de persistência , enquanto os cupins, as formigas e outros parasitas devoravam-lhe, definhavam-lhe outras partes polpudas e mais vitais, uma imponência ímpar no meio daquela paisagem de desolação e tédio existencialista. A data precisa de seu plantio ninguém sabia ao certo, houve quem comentasse que fora germinada antes do nascimento do Salvador. Mais precisamente, à época da queda do primeiro anjo.Quando o dia estava a pino e o calor do sol já podia ser confundido com o mesmo efeito abrasivo das fossas infernais, a velha figueira funcionava como um farol de luz negra, a indicar uma rota aos peregrinos fatigados até um pouso reconfortante em sua vasta sombra, mesmo apesar de desfolhada, pois morta, ainda que de pé, sem viço, quedava-se ali. Suas raízes prolongavam-se por intermináveis ramificações e subdivisões até atingirem o inacessível centro da terra, onde sorviam o magma quente, alimentando-se dele e do ódio pulsante que vinha do submundo, ritmando uma cantiga de revolta, vingança e revanche.
Quantos lombos de escravos não foram escarnecidos por sob sua copa? Quantos facínoras, bandidos e inocentes não foram enforcados em seus galhos? E do sangue destes era nutrida toda uma legião de seres subterrâneos que, gargalhando, regozijavam num sabat de enxofre e fel. Seus galhos nus entrecortavam o vento e produziam um som, um gemido, uma lamúria lastimosa das inúmeras almas perdidas a vagar nas terras desoladas e aflitivas de Hades. Alguém lhe havia esculpido um sinal invertido da cruz, como uma advertência de um possível perigo iminente naquelas proximidades ou, provavelmente, mais uma demonstração do imaginário popular, recheado de superstições e crenças sem fundamentos no sobrenatural. Seus frutos há muito alguém os amaldiçoara, ao invés deles, havia apenas reminiscências de outrora, sobejo de dias felizes que, tão efêmero quanto o tempo, desvanecem-se como cinzas de incenso. Seu figo doce transformou-se em poder, luxúria e ira nos pactos de servidão demoníaca Seus galhos pesavam com essas memórias e, vergando até bem rente ao chão, davam uma idéia de árvore carregada, pronta para a colheita. Porém, a planta, mnemonicamente recordando as palavras proferidas em maldição, lembrava uma vez mais de sua esterilidade e assim quedava-se prostrada, em posição de derrota, só porque não pôde saciar a fome de um Deus amantíssimo, pão da vida, alimento de todos.
Quem porventura passasse por aquele lugar funesto ao final da tarde, quando a escuridão principiava a dominar, a tomar posse do que fora os restos mortais de mais um dia infrutífero, vislumbraria uma das cenas mais bizarras jamais vista. Não se sabe como, mas do ponto em que a árvore estava localizada, podia-se jurar que a noite jorrava dela, era assim, então, uma fonte, espalhando escuridão e caos por todo um firmamento ansioso pelas trevas. Neste período, em que o carro de Apolo não ousava mostrar sua ofuscante face, o silêncio reinava, imperador dos medos e calafrios, vez ou outra perturbado pelo estridente grito cortante de um hipogrifo, uma harpia ou uma banshee disfarçados de corujas, e a vastidão da perene noite chegava até aos confins do inimaginável. No inquietante silêncio, antes do orvalho lavar todas as chagas abertas pelo dia, ouve-se barulhos de cascos. Mefistófeles deleita-se com a visão de uma terra inteira mergulhada no mais puro breu, sem espaço para luz ou esperança. Fita, aprecia o quadro que sua maldade pintara. Olha mais uma vez a tudo, todavia, de olhos embotados, chora. Chora pois jamais criará algo de tamanha magnitude, o mundo. No mais, conseguiria apenas enegrecê-lo. Chora pela sua incapacidade, pela sua criatividade estéril, pela sua debilidade, por sua fraqueza e pela inveja, que lhe corroía as vísceras, sentida pelo ser que imaginara toda a beleza harmoniosa deste pequeno globo, tesouro perdido na Via Láctea. Porém, das lágrimas advém o riso e uma risada insana de quem sabe corromper, de um artista que sabe bem o seu ofício, misturando bem as matizes para obter uma melhor coloração do Mal; de um escultor que sabe aproveitar as rachaduras e as falhas nas estátuas de outrem para elaborar a sua própria imagem. Ele sempre soubera que o coração humano é terreno fértil para sua obra-prima.

José Ronaldo Mendes (Convidado)

Apesar

Apesar de o sol
ser a estrela do centro do Sistema Solar,
na fraca faixa de luz
através do céu noturno, habitamos.
Entre estrelas e nebulosas
passeamos os dias na Via Láctea
e preferimos astros artificiais
e luzes frias e solitárias.

Giramos em meio à poeira cósmica
sem atingir o núcleo.
Apenas conhecimentos elípticos
à velocidade do som
nos aproximam das constelações.
E quase sentimos
os hemisférios juntarem-se.

Mas a composição atmosférica
não tem energia suficiente para interagir.
Então emitimos
fracos raios espectrais sem cor, nem calor.
E brilhamos pouco e sozinhos
em nossas próprias estrelas.

Deisi Perin

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Trigonometria do teu Corpo

Reticente me embriago
no improviso do teu canto
E no improviso do afago
Sonho a lua prateando
os ângulos do teu corpo

Entre a brisa e o vento
na linha divisória do tempo
teu sorriso acelera os batimentos
Me embriago sem anticorpo
no improviso do teu canto.

Lua, lua lua
embebida miopia
e eu tão tua.

Andréa Motta

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Versos de Adeus

Um oi !
Um recomeço!
eterno suspiro
último suspiro

eterna vida prometida
sem começo nem fim
só de meios e caminhos
aparentemente sem pedras, enfim

versos de adeus
nunca um ponto final.

Deisi Perin

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres.

Uma em cada três mulheres é alvo de violência na sua vida.

veja o video:
Do estigma à sobrevivência

Na penumbra da cidade
brilho de lantejoulas
seios desnudos
lábios pintados de carmim
no corpo lanhado
tatuadas as marcas do desamor
Escoriações
hematomas
carne rasgada
alma amargurada
Nos desvios do tempo
Delitos, impunidade e dor,
violência doméstica
violência urbana
Nas esquinas um olhar
de menina amedrontada
não há lágrimas nem sorrisos.
Só um silencioso pedido de socorro
entre sonhos adormecidos.
No jogo da sobrevivência,
Sombras escamoteiam o medo.
No desenho da calçada
Rostos anônimos
gigolôs, prostitutas
sofismam pelos cruzamentos
escandalizando crentes
Loucas sombras funambulescas
na solitude noturna
conspiram versos desencantados
num pacto com o diabo
Mas o tempo, tal qual um sopro,
leva sem remorsos
o silêncio da noite, as escoriações
os hematomas, as mãos vazias
a dança do neon..
Na cauda do vento, a fantasia
por um instante,
insinua-se nos olhares castigados
suavizando-os.
Não importa
onde pouse o olhar
não importa
a identidade
nem o coração partido
Não importa
a desventura
nem as portas fechadas.
A alvorada traz a denúncia,
Incitando à liberdade!
quando cada um segue o seu destino.

Andrea Motta

domingo, 23 de novembro de 2008

Danificar ônibus, terminais e estações tubo, ou não pagar a passagem, encarece a tarifa

De um jeito desesperado eu tento esconder os gritos de um coração pesado. Cheio de angustias, lamentações e arrependimento. O motorista do ônibus nem sabe o motivo desse meu olhar preocupado e desse meu semblante sério. O esforço é enorme para engolir a dor que tenta sair e molhar meu rosto claro e com barba mal feita. O tal do motorista continua me olhando pelo espelho e eu não consigo disfarçar que alguma coisa incomoda. Parece que ele percebe. A senhora que está sentada de frente para mim corre os olhos por todo o ângulo que lhe é possível enxergar sem mover a cabeça e pára os olhos em mim. Como uma daquelas máquinas de jogos que nunca te dão dinheiro. Eu perdi. Os olhos enchem de lágrimas e eu olho para a janela fingindo um certo interesse em alguma placa ou nome de rua. Pelo reflexo do vidro da janela a moça que está em pé, atrás de mim, me olha sem piscar. A nóia só não é maior porque a ruiva que passa pela calçada, ao lado do ônibus, está grávida e com um suposto marido ao lado. Eu já não consigo carregar o peso de meus erros e eles começam a transbordar de um jeito constrangedor. Simulo sono e isso não resolve meu problema. Com o rosto úmido e com uma pressa que eu nunca tive, aproveito a brecha na porta ainda aberta e desço do ônibus antes de chegar ao meu destino. Acho que todos me olharam pela janela. Tenho cigarros, um casaco velho e um cachecol. Vou a pé pra casa, o rosto molhado é culpa da garoa.
Wilton Isquierdo

sábado, 22 de novembro de 2008

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Consciência X Consciência


Mulher Solteira Procura

Para ser lido ao som de Amy Whinehouse.

Lançar-se na busca da verdade pressupõe necessariamente um processo de desconstrução e reconstrução...não há ganhos sem perdas...
É preciso deixar de lado o que é estranho à nossa natureza e essência, conduzir-nos pela intuição mais preciosa, já que dentro de nós há alguém que tudo sabe e tudo vê. Um olhar atento para dentro, revela mais do que mil palavras... Explosão...

Só se é PLENAMENTE quando somos capazes de nos entregar nessa busca, respeitando toda a ambigüidade que é SER HUMANO.
É a consciência de que sentimentos antagônicos nos invadem e/ou habitam não nos é nociva?Antes sim nos liberta, à medida que nos permitimos saber-nos bons e/ou maus?
Conseqüentes e/ou inconseqüentes?
Santos e/ou demônios?
Não somos seres lineares e/ou bipolares?
E é o que nos permite uma infinidade de possibilidades de que o novo venha reformular o velho já existente em nós, renovando-nos (refiro-me àquelas verdades recebidas e internalizadas desde nossa mais tenra idade).
Ser é querer ser. Esse é o começo de tudo...

O desejo e a consciência de que a busca de nossa verdade é VITAL. Contudo, não podemos nos entregar a busca e “ser” plenamente, se nos prendermos ao “certo”, ao passado. Afinal, o que é o certo?
O novo pressupõe de alguma forma no aniquilamento em nós daquilo que já passou?
Soterrar o momento vivido e seguir em direção ao futuro incerto, desconhecido, com todas as novas expectativas que se encerra?
Essa aventura do “ser” efetivamente... viver do que mais há de mais genuíno em nós não pode comportar medo algum... ... pois esse sentimento nos afasta de nossa verdade, nos amarra ao aconchego que provem do presente seguro e certo.
Enquanto não se segue em frente, sem olhar para trás, permanece-se preso ao passado para sempre, sendo sombra do que se é efetivamente, parte de uma festa desconhecida e desejada.
Não se faz necessário qualquer mapa para a felicidade, ela reside dentro de cada um de nós, na beleza que advém das coisas mais simples da vida. Ela habita na coerência que interliga o nosso agir e/ou pensar. A equação reside em estabelecer a relação direta entre nosso desejo de “ser” e a entrega na busca, sem necessitar de sentido, não temendo a queda, pois precisamos dessas perdas cotidianas para nosso crescimento enquanto ser humano.

Então, digo-lhe: nada tema!

Viva e deixe que a vida lhe invada como uma manhã de sol - aqueça sua alma.
Ame e se deixe amar, pois é o amor que nos define enquanto seres humanos e nos imortaliza. Liberte-se e “seja” o que “é” VERDADEIRAMENTE.

Entregue-se à poesia que reside na aventura do desconhecido e de todas as expectativas inimagináveis do amanhã, recriando-se em si mesmo para sempre.


MARCIO CIDO SANTOS

Mulher Solteira Procura

Para ser lido ao som de Amy Whinehouse.


Lançar-se na busca da verdade pressupõe necessariamente um processo de desconstrução e reconstrução...não há ganhos sem perdas...É preciso deixar de lado o que é estranho à nossa natureza e essência, conduzir-nos pela intuição mais preciosa, já que dentro de nós há alguém que tudo sabe e tudo vê. Um olhar atento para dentro, revela mais do que mil palavras... Explosão...


Só se é PLENAMENTE quando somos capazes de nos entregar nessa busca, respeitando toda a ambigüidade que é SER HUMANO.É a consciência de que sentimentos antagônicos nos invadem e/ou habitam não nos é nociva?

Antes sim nos liberta, à medida que nos permitimos saber-nos bons e/ou maus?

Conseqüentes e/ou inconseqüentes?

Santos e/ou demônios?

Não somos seres lineares e/ou bipolares?

E é o que nos permite uma infinidade de possibilidades de que o novo venha reformular o velho já existente em nós, renovando - nos (refiro-me àquelas verdades recebidas e internalizadas desde nossa mais tenra idade).


Ser é querer ser.


Esse é o começo de tudo...O desejo e a consciência de que a busca de nossa verdade é VITAL. Contudo, não podemos nos entregar a busca e “ser” plenamente, se nos prendermos ao “certo”, ao passado.Afinal, o que é o certo?O novo pressupõe de alguma forma no aniquilamento em nós daquilo que já passou?Soterrar o momento vivido e seguir em direção ao futuro incerto, desconhecido, com todas as novas expectativas que se encerra?


Essa aventura do “ser” efetivamente... viver do que mais há de mais genuíno em nós não pode comportar medo algum... pois esse sentimento nos afasta de nossa verdade, nos amarra ao aconchego que provem do presente seguro e certo.Enquanto não se segue em frente, sem olhar para trás, permanece-se preso ao passado para sempre, sendo sombra do que se é efetivamente, parte de uma festa desconhecida e desejada.

Não se faz necessário qualquer mapa para a felicidade, ela reside dentro de cada um de nós, na beleza que advém das coisas mais simples da vida.Ela habita na coerência que interliga o nosso agir e/ou pensar.
A equação reside em estabelecer a relação direta entre nosso desejo de “ser” e a entrega na busca, sem necessitar de sentido, não temendo a queda, pois precisamos dessas perdas cotidianas para nosso crescimento enquanto ser humano.


Então, digo-lhe: nada tema!


Viva e deixe que a vida lhe invada como uma manhã de sol - aqueça sua alma.Ame e se deixe amar, pois é o amor que nos define enquanto seres humanos e nos imortaliza. Liberte-se e “seja” o que “é” VERDADEIRAMENTE.Se entregue a poesia que reside na aventura do desconhecido e de todas as expectativas inimagináveis do amanhã, recriando-se em si mesmo para sempre.


MARCIO APARECIDO DOS SANTOS

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

lancheria itália

a cidade
muda de mãos, num golpe

drummond

lancheria itália,
flor do escândalo,
uma roseira sem rosa,
se me permites

lancheria itália,
não sei escrever gazel,
ladainha,
b.o. ou grafite

lancheria itália,
de dia dormes com
suas velhinhas cafeinômanas
e a consciência limpa

lancheria itália,
o barato, tio, só é suave
até a página 20

lancheria itália,
licantropia de azarados,
engavetamento de vidas

lancheria itália,
meu mezzo del camin
meu são borja
e meu estige

lancheria itália,
teus alucinados
correm nus nas ruas
quebrando vitrines

lancheria itália,
misturas antipsicóticos e conhaque
em teu fígado

lancheria itália,
empoleirou-se
nos fios elétricos
o arcanjo do desastre
e da insídia

lancheria itália,
numa poça de vômito
a cocota feia se maquia

lancheria itália,
o orelhão liga direto
com a mauá (são paulo)
e o hell´s kitchen

lancheria itália,
teu balcão é um jardim de estátuas
de homens falidos

lancheria itália,
no banheiro o diabo faz-se a barba
e um minotauro se depila

lancheria itália,
teus anjos mijados
apagam cigarros
em cerveja e cuba libre

lancheria itália,
comem em silêncio
um x-salada
os namorados de amor à unha
malferidos

lancheria itália,
leva um travesti para casa
o taxista

lancheria itália,
os nóias tentam penhorar
a alma na instiga

lancheria itália,
crianças se amam
e dormem
no fundo do barco,
sobre cacos de vidro

lancheria itália,
marafonas tortas in extremis,
fedem
a perfume barato
tuas sílfides

lancheria itália,
babuja no ágape
a febre do rato
e a hanseníase

lancheria itália,
tuas toalhas de mesa
(não há toalhas de mesa),
feita de sudário
e calcinhas pink

lancheria itália,
com a flor da erva
prendem os cabelos,
penélopes do avesso,
musas com candidíase

lancheria itália,
derby euro dollar,
fumar daña la salud,
tuberculose e bronquite

lancheria itália,
tuas pervas negras,
iridescentes,
azuis e cinzas

lancheria itália,
lancheria itália,
putas bêbadas esbofeteadas:
as que choram,
as que se rilham

lancheria itália,
no hotel de foda
a valete
segura os saltos
e desliza

lancheria itália,
no hotel de droga,
beija-se a banguela
ao clangor do sódio
e da benzina

lancheria itália,
do castelo de greiscow
(onde caboclo chora
sem que mãe o veja)
chegam homens embolorados
pra cumprir a sina

lancheria itália,
teu prometeu pivete,
teu coro de aidéticos,
teu corifeu fardado,
teu criminoso enigma

lancheria itália,
16, 12, 157
lancheria lancheria itália
171, 121,155

lancheria itália,
tuas crianças hórridas
e esclerosadas
vão pra roça cedo ou tarde
e dão perdido

lancheria itália,
os pés como carpas,
respiração enguiçada,
os dedos corroídos

lancheria itália,
nada é de graça,
nada é de graça,
meu amigo

lancheria itália,
bocadefumo.abismo.com,
balé dos assassinos

lancheria itália,
teus operários trabalham
(em vão)
pra que o dia não nasça,
interdito

lancheria itália,
metalúrgicos do medo,
carpinteiros da catástrofe,
a manhã os demite

lancheria itália,
o coração no pescoço,
o silêncio, as moscas,
a aurora bandida

lancheria itália,
gira na memória
tua matéria de dor,
insônia e perfídia,

lancheria itália, giras
como o tambor do revólver
de um suicida

lancheria itália
lancheria itália,
cruz machado, periferia
do mundo e da vida

lancheria itália,
centro
de curitiba

Rodrigo Madeira

terça-feira, 18 de novembro de 2008

"la merde du sade caralius est"

três copos de vidro e vinho praticamente cheios de palavras bêbadas arremessadas contra parede. tu evocas a gargalhada de baco entre os cacos partidos do teu deus e te ajoelha neles, teu corpo sangra para que da cor renovada se faça a vida do progenitor ébrio. com as pernas cortadas, catas as chaves que tu não sabes bem se são chaves ou outro objeto palpavelmente parecido. 180/h como se nada a perder fosse a ferrugem e os amassados do teu carro fodido que segue automaticamente os rastros do hedonismo. um pé no acelerador enquanto o outro ameaça o freio. uma mão na marcha enquanto a outra segura firme o volante, olhos abertos de quem se surpreende com algo que ainda não aconteceu. o paradoxo da física: seu corpo inerte enquanto o carro flutua. pneus são hélices, são asas. ilusão que faz escorrer o pó de arroz que te maqueia. suor até que se feche a cortina vermelha.

Camila Vardarac

segunda-feira, 17 de novembro de 2008


Vegan

"Os animais são seus amigos
Não coma seus amigos"
frase vegan pixada nos muros da cidade

"Un soir, tu me sacras poète,
Blond laideron :
Descends ici, que je te fouette
En mon giron ;"

Arthur Rimbaud

Bombas de vírus
e bactérias venéreas
em espasmos idílicos
e sisos, servidos
em bandeja
plástica

salomés
da
freguesia,

[a]o curioso que espia
trás da verborragia
esperada.

Desregradas,
de bocas pesteadas,
sem noção
de quão decadente
o discurso descarado

às vacas do pasto
com seus rabos
que balançam
estourados.

[há um surto
na cidade
de vacas
estouradas
pelo carnívoro
desejo,

esqueléticas
ou obesas,
dá na mesma]

Sentam-se
á mesa os glutões
os quais,
destinado o abate,

riem,
satisfeitos em saber
quão fraca é a carne.

Silvana Bórgia & Ricardo Pozzo

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

foto by Susan Blum

Mimetismo

Nesse cemitério em que estamos
nada mais somos
do que espetaculares espectros,
especulares de nós mesmos,
esporadicamente reais!

Susan Blum, 1999
"l' amour c ' est un oiseau liberté"

Ensaio Sobre a Esperança...

Para ser lido ao som de Andrea Bocelli - "In Canto"

Estamos num desfile de sonhos, e somos um desfile para nós mesmos.
Tudo se esquece enquanto tudo gira, e dentro de nós, e tudo de nós gira. Se alguma coisa permanece, sim, e é digna de ser: o que é sagrado aos seres humanos como nós, mas depois que o desfile passa, dia a dia, o que resta?
As mãos vazias e os olhos vazios estúpidos?
Um pouco de felicidade e uma saudade profunda?
A inspiração luminosa e a expiração da deliciosa liberdade?
O que fizemos da vida?
E o que fizemos de tudo que nos foi dado?
Porque nos foi dado tudo, tudo, mesmo que nós fossemos tão imperfeitos. Esperança é isso mesmo.
Esperança é apenas esperança... um dos muitos sentimentos e esse sentimento pra mim é difícil...
ENFIM!!!
ESPERANÇA É TER A GELADEIRA CHEIA DE CERVEJA E FEIJÃO COM O REMÉDIO DA GRIPE AO LADO DO PINGÜIM E DANE-SE QUEM PENSA O CONTRÁRIO.
PONTO.
POIS TER FOME DE ESPERANÇA É ASSIM!

Marcio Aparecido dos Santos

Estou embebido de esperança e o que tenho? As pessoas passam e o Natal que se aproxima... É o Ano Velho que termina... É o Carnaval que se aproxima também e eu adornando minha fantasia que é a própria vida... para depois tudo acabar na quarta-feira...tristezas não tem fim, felicidades sim!
Acreditar na esperança é também ser “vítima” de si...

quinta-feira, 13 de novembro de 2008


o espelho

de camisa aberta
em frente a mim mesmo.

o espelho é a prisão profunda
de que somos vigias e presos,

condenados e carcereiros.
e no entanto o homem

é observado, triste alimária
de si mesmo. e no entanto

milhões de olhos o observam
atrás deste – de todos – os espelhos.

e no entanto (otnatne on e)
nada há de mais solitário

que o homem (povo estranho
e ninguém) num espelho.

2

nu, já vai
vestido
em pesada couraça
de nudez: imagem

linguagem
solidez permanente-
mente
líquida

apertar
a visão:
homem
inseto
árvore

num espelho
quantos
estilhaços
cabem?

3

o espelho de um narciso apóstata
reflete nos olhos suas costas.

o anonimato é a fundação
de meu espírito, arco árabe

de meu rosto. sou anônimo
como um cão vira-lata

condecorado com sarna, chagas,
laureado de moscas.

sou mais belo agora, cicatrizando
o tempo na carne a carne nas horas

do que quando fui belo bela criança
que se olhou no espelho de casa

como pássaro bebendo água (ingênuo
de imagem e essência) na poça.

superfície burra, sincera, óbvia,
ser é sermos é seres é: ?

4

o espelho, coisa mágica do vazio,
feito a arte, inventa volumes,

minha imagem é feita de carne
doce e arredia como perfume.

5

também reflito o espelho (eu, outro)
quando não há nada em sua frente.

o espelho, raso um bilhão de abismos,
fez-se a porta para a liberdade –

o espelho espelha a cidade,
o espelho raso como a página –

(vejo minhas vísceras no espelho)
infinito afora, além, por dentro


Rodrigo Madeira

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

foto by Angela Gomes

por favor, irmão

num sábado brutal,
ao perfume de pneu queimado,
desviando de uma poça de sangue baço,
incapaz de refletir a lua
ou contar a história do homem
que a verteu,
as pessoas tentando mais uma vez
chegar em casa,
mais uma vez tentando esquecer
o caminho de casa,
e um cara me pára na rua e pergunta
(depois das 9:00, há sempre um louco
atrás de um cigarro):

– como eu chego lá, irmão?

bem, não conheço nomes de rua.
calma lá, deixe-me ver...
faz assim: siga reto duas quadras
até o outdoor da unimed, beleza?
vire
à direita e caminhe mais duas quadras,
na esquina você vai ver um mendigo
(o sem cobertor,
bebendo uma barrigudinha),
quebre à esquerda e depois,
duas quadras depois, onde fica um traveco
(o loiro, de saia preta de couro falso),
de novo
à esquerda. daí você vai até
o segundo farol, não o do malabar
de 10 anos de idade, o segundo, o segundo,
onde fazem ponto uma puta e um traficante...
não tem erro, irmão,
logo em frente você vai ver:

IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA

Rodrigo Madeira

domingo, 9 de novembro de 2008

Bocágil by Albert Nane

O Sermão da Identidade

Minhas ovelhas, escutai-me agora:
eu nunca estou nos versos que profiro,
não há eu no poema, apenas nada.

Não devem os poetas de meu tempo
buscar no texto frágil que produzem
plasmar a identidade ou revelá-la.
Não há eu no poema, apenas nada.
Não devem os poetas de meu tempo
buscar em seus poemas a dureza
da matéria objetiva deste mundo.
A forma sempre falha. E o conteúdo
ali contido é pobre como a fala.
Poema não é feito, ele acontece.

Ovelhas minhas, evitai a negra
tentação, tão mesquinha, de exibir-se
num poema, de achar que ali se acha
a identidade do poeta esteta.
Nã-nã nã-ni nã-não, de modo algum!,
Bocágil não sou eu, vós sois Bocágil,
poema não é feito, ele acontece.
Os balbucios doces ou as rimas,
os sussurros macios ou os gritos
em terça rima pouco ou nada podem
contra a urgente emergência do sentido.
A poesia só será sentida
se o seu sentido ousar ultrapassar
a linha do banal, se derrubar
com versos poderosos a muralha
do tosco mundo do cotidiano,
que dominou há muito a arena pública.

Criar poemas é abrir-se ao nada.

Ficai calminhas, ó ovelhas minhas,
ouçais que digo aqui que não se trata
de buscar o fantástico da vida,
o lado onírico da realidade;
na verdade o que quero vos dizer
é que o poeta mexe co sentido
de seu mundo, co ser de seu contexto.
O tecido verbal que nos regala,
e que eu também vos dou em meus poemas,
vale menos pela estrutura dura
da forma, ou pelo vão significado
das palavras, que pelo seu sentido.
Um poema é como um templo vivo,
é como o mar, o céu ou um jardim.
Deve ser tão antigo quanto novo,
tão certo quanto indeterminável.

Ó meu rebanho, vede o temporal,
ouçais agora os versos principais
do altíssimo sermão da identidade:
Eu sei que o verbo antecedeu o homem.
Os mortos nascem outra vez co verbo
vivo, co’a verve em nervos do poeta.
O vate enterra os vivos e viola
túmulos esquecidos e importantes.
E a identidade do poeta é nada.
Seu ato vale, valem as palavras.
A identidade do poeta é nada,
o artista é cria de su’a própria obra.
O verbo é vivo e age sobre o mundo.
Com palavras é que se funda Estados.
Com palavras é que se muda o estado
de coisas e de classes, que se mata
o vil significado de palavras
mortas, que se transforma o que passou
e dá vigor e alento ao que virá.
A identidade do poeta é nada.

Eu vim aqui cantar o fim do tempo
em que o poeta é um adorno apenas.
Poetas morrerão, não os poemas.
A minha identidade nada vale.
O nome de Bocágil é Bocágil.
A face de Bocágil é o espelho.

Manoel Du Bocágil


post do bocágil, roubado, sob permissão, do blog de albert nane:
http://albertnane.blogspot.com/

sábado, 8 de novembro de 2008

Cara Britney

Eu queria muito que às vezes, somente e pelo menos às vezes, pequeninos eventos acontecessem ao meu modo, no meu tempo, na proporção de minha vontade.
Afinal, como diria o tal filósofo, somos isso: vontade + potência.
Mas acho que viver a vida real deve ser dançar, cantar e representar conforme a música...
Se nossas cadências precisarão de ajustes, caso queiramos ser alguém na vida um do outro... qualquer tipo de alguém, deveremos então sorrir sempre pra fingir que é verdade!
Se gostamos tanto de alguém, é também dos inclusives e poréns: gostamos simplesmente por ser cada um do jeito que é.... TALVEZ POR ISSO, VOCÊ CANTA DANÇA REPRESENTA ENGORDA EMAGRECE CHORA E RI TANTO...
E gostar é apenas aceitar como um canteiro com flores e ervas daninhas...
É gostar do seu entorno, contorno...adornos...consolos...ou o todo?
Apenas peço, clara e literalmente, o que acho que você poderia me dar: UMA AMBULÂNCIA TAMBÉM?
Então faço a pose: vogue vogue...marlon brando, James dean...
EI BRITNEY CANTAROLA A MADONNA...
Que é uma rosa???
...uma rosa É UMA ROSA e nada mais além disso...mas mesmo assim gostaria de receber flores todos os dias!
Pois nada como ter uma casa florida...
Poderiamos ser todos um lindo jardim?
QUERO SER UM JARDIM... por isso...TENHO QUE IR AO HOSPITAL. por que não...fazer como você Britney?
Se não está feliz...saia de ambulância da vida...e pela vida também.
Para que sorrir?
PARA FINGIR QUE É VERDADE?
Para os outros...e não para você?
Então chore, grite, proteste...exiga sua ambulância, E USE UM ÓCULOS PRADA....JÁ QUE VOCÊ NÃO SABE ONDE ESTÁ O SEU POTE DE COLÍRIOS? POSE-VOGUE.
Eu preciso e necessita da minha AMBULANCIA....agora!
VOGUE! PAUSAS! POSES!
SE NÃO ESTÁS FELIZ...Então para que ficar com cara de propaganda de margarina? BEBA PEPSI!
Sorrindo para as desgraças da vida, para a fome de existir...TOME COCA E COLA
Sejamos britneys spice girls spears!!!
VOGUEANDO/MORIMBULANDO POR AI e pedindo desculpas...por qualquer aborrecimento, a fatalidade do existir.
Basta! (explosão)...
Quero como você CHORAR E POSAR EM PAZ!
Quero poder chorar e lamuriar NA TIME!
Quero uma ambulância pra mim também!
Quero e preciso e espero...
Apenas preciso admitir como você que sou infeliz também (admito agora então...), por isso estou sempre de luto!
SEJAMOS INFELIZES ENTÃO...
EU QUERO UMA AMBULÂNCIA...
EU PRECISO SER MEDICADO...COM O ELIXIR DA VIDA.
ACHO UMA OUSADIA.... VOCÊ BRITNEY...
FAZENDO POSES PRAS VOGUES...
CAPA E CONTRA CAPA IRADA, GOLPEADA E CHOROSA...
POSES ....
VOGUES... SAINDO SIMPLESMENTE PELAS RUAS SACOLEJADAS DE HOLLYWOOD BOULEVARD POR UMA AMBULÂNCIA...E DANE-SE O QUE O MUNDO PENSE!
EI BRITNEY? MADONNA PERGUNTA! CANTA E RESMUNGA
DA PROXIMA VEZ SE ESTIVER TRISTE E/OU INFELIZ ADMITA, POIS NÃO HÁ AMARGURA NENHUMA EM SER LEAL CONSIGO PRÓPRIO...E QUE O MUNDO SAIA DE MACA...DE MACABÉA...
EU GRITO BÉÉÉÉÉÉÉÉ
POIS ELE ESTÁ TODO DOENTE POR FORA E POR DENTRO...
O MUNDO PRECISA DE CURATIVOS (EXPLOSÃO)...
A Britney precisa!
O JAMES, A GISELE, O BRANDO E OS MANSOS E MANCOS
EU PRECISO, QUERO E EXIGO!
AMBULÂNCIA POR FAVOR ... SIGA AQUELE TAXI!!!!!

Marcio Cido Santos

Enquanto escrevo ...mi madre dorme...e que todas as mães sejam felizes...ou então que gritem também ou que se calem para sempre.

Reverso

Sei que vigias a janela descoberta
Tinta fresca na fachada todo dia
a registrar a caligrafia da passagem

Sou eu à espreita
Olhos acesos no desconhecido
anseios que trepidam a cada ruído

Sou eu
imagem distorcida em teu escudo
Ergo-me do fundo escuro
serpenteando em tua retina
a farejar teu medo

Iriene Borges

Noites sem Estrelas

Após o beijo à queima roupa
Sentiu escorrer da boca
O sabor insólito da
Solidão.

Ricardo Pozzo

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Meus versos deitam-se em láios de esperança
E tuas palavras são ausência além dos tempos
Esquecido é o Amor de sua sina
Como vaga que carrega eternamente os pensamentos

Minha Dor é a mão no ombro da criança
E a criação toda aspira essa presença
Se me esqueço em poesias vãs de primaveras
Blasfemo na lembrança do santo mistério das quimeras

Como coisa odiada é a estiagem
Enquanto o oceano é movido em hora incerta
E está seguro que são os sinais lendo que desperta
O brotamento da catarse que ora encerra

Tanta vida que meu coração passante erra em delírio findo em poucas páginas
Ao tocar teu tato se pondo em guerra

Tuas cobertas são idealmente testamento de alegria
E sempre movido de qualquer encantamento
Onde jamais penetra sem razão o dia
Vejo tudo junto a ti motivo de poesia.

Loriel Santos

foto by Angela Gomes

Quanto de mim são lágrimas?
Quanto de mim sorria?
Quanto de tudo de mim
Jogado pelos cantos
Qualquer sorte bastaria?

(ou moderno aspirador hidráulico modelo luxo XW 6,02 x 10²³ se encheria?)

Frações, inteiras porções,
Em potes de fracassos.
Uma poção diluída
E, da prateleira me fitam
Dois olhos extremamente cansados.

O que restará ao fim,
Se algo ainda vibra?
Rarefeita sombra,
Reflexo da luz
Que insiste em dizer vida.

Angela Gomes

terça-feira, 4 de novembro de 2008

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Techno Para Gisele Bündchen

vaca chique
da grife cubista
aquele andar na geometria
zigt bumpt
da perna paralela
seu coração de vinil alexander macqueen

sob o sol dos flashs
o olhar da mesma gansa
de quando fora ballet
asas voguevoguevoguevoguevoguevoguevoguevogue
que a brasa do brasil beija e bajula

a ida
e a vinda
a ida e a vinda
a vida não finda na passarela
ainda
na passarela sem flores
seu quadril de pistoleira

vogue vogue
que não come não dorme não senta não chora não fala não porta não curva não sim
não peca
não reza a alma [coisa fofa] em manequim 38
zigt bumpt
flaminga remix

seu espelho não encontra o de ninguém
seu espelho caindo
quebrolhos
no caos dos cacos
nossa cara
deselegante


Marcio Cido Santos