Minhas ovelhas, escutai-me agora:
eu nunca estou nos versos que profiro,
não há eu no poema, apenas nada.
Não devem os poetas de meu tempo
buscar no texto frágil que produzem
plasmar a identidade ou revelá-la.
Não há eu no poema, apenas nada.
Não devem os poetas de meu tempo
buscar em seus poemas a dureza
da matéria objetiva deste mundo.
A forma sempre falha. E o conteúdo
ali contido é pobre como a fala.
Poema não é feito, ele acontece.
Ovelhas minhas, evitai a negra
tentação, tão mesquinha, de exibir-se
num poema, de achar que ali se acha
a identidade do poeta esteta.
Nã-nã nã-ni nã-não, de modo algum!,
Bocágil não sou eu, vós sois Bocágil,
poema não é feito, ele acontece.
Os balbucios doces ou as rimas,
os sussurros macios ou os gritos
em terça rima pouco ou nada podem
contra a urgente emergência do sentido.
A poesia só será sentida
se o seu sentido ousar ultrapassar
a linha do banal, se derrubar
com versos poderosos a muralha
do tosco mundo do cotidiano,
que dominou há muito a arena pública.
Criar poemas é abrir-se ao nada.
Ficai calminhas, ó ovelhas minhas,
ouçais que digo aqui que não se trata
de buscar o fantástico da vida,
o lado onírico da realidade;
na verdade o que quero vos dizer
é que o poeta mexe co sentido
de seu mundo, co ser de seu contexto.
O tecido verbal que nos regala,
e que eu também vos dou em meus poemas,
vale menos pela estrutura dura
da forma, ou pelo vão significado
das palavras, que pelo seu sentido.
Um poema é como um templo vivo,
é como o mar, o céu ou um jardim.
Deve ser tão antigo quanto novo,
tão certo quanto indeterminável.
Ó meu rebanho, vede o temporal,
ouçais agora os versos principais
do altíssimo sermão da identidade:
Eu sei que o verbo antecedeu o homem.
Os mortos nascem outra vez co verbo
vivo, co’a verve em nervos do poeta.
O vate enterra os vivos e viola
túmulos esquecidos e importantes.
E a identidade do poeta é nada.
Seu ato vale, valem as palavras.
A identidade do poeta é nada,
o artista é cria de su’a própria obra.
O verbo é vivo e age sobre o mundo.
Com palavras é que se funda Estados.
Com palavras é que se muda o estado
de coisas e de classes, que se mata
o vil significado de palavras
mortas, que se transforma o que passou
e dá vigor e alento ao que virá.
A identidade do poeta é nada.
Eu vim aqui cantar o fim do tempo
em que o poeta é um adorno apenas.
Poetas morrerão, não os poemas.
A minha identidade nada vale.
O nome de Bocágil é Bocágil.
A face de Bocágil é o espelho.
Manoel Du Bocágil
post do bocágil, roubado, sob permissão, do blog de albert nane:
http://albertnane.blogspot.com/
domingo, 9 de novembro de 2008
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4 comentários:
não dá pra dizer que é ruim não!
o cara é um puta poeta. pena que as grandes respostas tenham se perdido... aquilo sim é que era poesia... ninguém mais versifica daquele modo...
não dá mesmo
fudido!
giulianoquase.
vaca, ovelha...esse blog está animal!!
O texto é muito bom
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