sábado, 30 de abril de 2011

                                       Cascavel - PR

olhos de abalone

com o trotar de um xamã
soberbo
com o salto de um grifo
negro
um vulto pisoteando gelo
uma faísca no feno
centauro
vermelho
veneno

o vagar dos olhos
de abalone

a te cavalgar

olhe onde quiser olhar
sempre seus
os olhos no espelho

a te cavalgar

no fim do mundo
a invenção intrincada
de galopes
de geleiras
de escarpas

a vagar, a vagar

na casa do leão-serpente
no horizonte
tão frio, tão quente

seus olhos cinzentos
de espelho

sempre, sempre
noite branca, noite ventre

abalone
neônio
fluente

no dorso de abraxas


Andréia Carvalho

quinta-feira, 28 de abril de 2011

urbe fábrica


dos desastres naturais

I

dos silêncios nem se fale
penas são plumas leves
que ultrapassam as paredes

II

cuidado: frágil
o que pende o que cai
o que se esvai

no jogo das pedras em equilíbrio
que despencam sob o olhar
do turista distraído

III

que resta
dos resto de réstias?

do que se foi
que a água levou

pergunte
- se os outros perguntaram
ou notaram -
a falta


Rafael Walter

sábado, 23 de abril de 2011

Mais Magro

Mais magro
Meu amigo está mais magro
Volto a encontrá-lo
dois ou três verões mais tarde
e chego mesmo a dizê-lo:
Você está mais magro.
Problemas de intestino…
responde-me esquivo
… já estive pior, agora
voltei a engordar.
Não peço detalhes
mas vejo o ombro mirrado
entre as alças da regata
Evito tocá-lo
pois a mera proximidade física
parece estranha agora
que meu amigo está mais magro

Novamente juntos
caminhamos pela orla marítima
Eu lhe recito algum verso
ele me ensina outro insulto
e há quase alegria de trégua
não fosse o fato
dele estar mais magro

Se ainda ontem tocassem
os telefones insones
na barra da madrugada
e meu amigo dissesse
palavras de testamento
eu sairia correndo
para deitar-lhe compressas
na testa já repartida

Se fosse eu o afogado
dentro da onda invisível
de bílis, lua e silêncio
ele pagava o resgate
limpava o sal de meus cílios
me devolvia em segredo
sobre a toalha mais limpa

Mas hoje estamos exaustos
há um dreno em nossa bondade:
minha boca só tem dentes
e meu amigo
está mais magro


Fabio Weintraub
 Carnaval de Curitiba - 2011

Em Cartaz

o que você quer dar é um tempo
desintoxicar o corpo,
olhar sem desdém para o espelho.
mas o que acontece é você se rendendo às 2 da manhã
aos filmes de relacionamento feitos para tevê

o que você quer é beber menos,
aproveitar o dia, o sol e o domingo no parque
o que acontece é você
entornando dez vezes mais café do que antes.

aí você brinca
de dar nomes de grandes produções
para a sua vida

aí você enlouquece ao escrever
as falas da sua rotina
e canta.
abre as janelas ao amanhecer
e canta.
você quer que a situação se transforme num musical hollywoodiano
e canta.
você canta sorrindo histericamente
por não saber o significado da letra em inglês

o que você quer é a felicidade
esta fábula que você escuta e acredita
antes mesmo de nascer.

o que acontece é você
no meio da sala,
abraçado a si mesmo,
com o choro preso na garganta,
e dançar lentamente o imagine
no final da programação


Alexandre França

terça-feira, 19 de abril de 2011

trecheiro

lautrerimbaud

li
vre
do
lemonde
leio
o
vaga
blonde
e p
derasta


quem
leu
o
li
vro
do
mal
não
viveu
do
cão
ror
a
contar
o
final
teve
por
não
dote
a
demo
iselle
mort


Ricardo Pedrosa Alves


Começo de uma caveira

Os dentes são os únicos ossos
expostos do corpo, o sorriso é
o começo de uma caveira.
Toco de caneta bic
e uma coca-cola vazia,
improviso o cachimbo.
Olho pra lata, que ri.
Coloco a bic na boca,
tenho poucos dentes,
lábios rachados.
A chama do isqueiro
na pedra, chupo, a língua sente
o gosto, amargo estrume.
Engulo a fumaça
prendo, a mágica bate.
O bem que faz é veloz
feito jegues que afundam dando
coices no sangue.
Sou atacado por morcegos cuspidos dos
olhos e ouvidos.
Luxúria é uma coisa, nóia,
eletricidade outras bem diferentes.
Vou perdendo os dentes
e a memória.
Quem fui? Eu não era
magro desse jeito.
Aguente, é tudo que
digo pra mim.
O estômago dói.
Tô comendo sem molho
minha própria caveira.
Comecei pelo sorriso.



Luiz Felipe Leprevost

segunda-feira, 18 de abril de 2011

domingo, 17 de abril de 2011

SÍNDROME INFANDA

I


E aquilo fidia,
fidia.

(nem fedia: fidia...)

Era tipo um troço
aquilo troncho
a coisa toda meio.

E depois tinha
uma cabeça...

e um braço
em cima dum muro.


II


Porra, aquilo era tipo
um inferno

Bagulho enorme passando do meu lado
feito um ônibus

...tudo ensangüentado, ou vermelho não sei
e o ar parecia vidro!

moído!... descendo na garganta


III


Mas aí
eu vomitei, não aguentei.

E depois

nem era pra tanto.

Por aquilo
era só um mondigente

e a minha síndrome de pânico.



Igor Buys

quarta-feira, 13 de abril de 2011


Mutamorphatriz

Íntima equestre
escravagista,
de perfil dadaísta,
ao seu dispor
para o que for

lógica, desafeto
& corrosão

abstrata figura
mutamorphatriz,

fronteira do abismo,
espécie rara & beleza,
plágio
da Realeza,
sem salvo conduto

& eu,

agrimensor
do absoluto

Ricardo Pozzo

terça-feira, 12 de abril de 2011

quinta-feira, 7 de abril de 2011

ZOONA Literária - clique na imagem para ampliar

4 peças para ferrugem

a)

     parafuso
    
não de rosca soberba
para chapas de metal.
    
segurou quadros? fixou
     sextavado o esqueleto da cama?
     emprenhou porcas, coadjuvou
     dobradiças e roldanas?
    
     um tendão de aço
     que não vale
     nada sobre nada
    
existirá
     sem qualquer bênção de deus
     centenas de anos

b)

skol cerveja pilsen
beijou os lábios da mulher
no verão de 85?
   
esta veio dar na praia

as axilas do tétano
cheiram a ferro de sangue.

quando o sol bate
no último cm²
brunido e intato
da folha-de-flandres

brilha mais que diamante

c)
      quem já viu
      um arpão
      oxidado
      no meio
      de uma cidade
      sem praias?

d)
        o quarto objeto
        é um poema.

        não costumam ser
        inventariados em capões
        ou ferros-velhos
        comidos de ferrugem
        os poemas.

        mas ninguém o leu
        ninguém
        sequer o escreveu
baldio
sem o que ter sido ou dito
        ninguém diz:
                              um poema!
       
        mais agora
que a lepra
do metal o faz
 – no chão vermelho
ervas rasteiras do alfabeto –   
ainda mais patético          
e ilegível


Rodrigo Madeira

segunda-feira, 4 de abril de 2011


sobre a temível máquina de escrever

william burroughs sentado
com os dentes já gastos
por revelar sonhos
à um gato persa
que lhe ignora
desde 1964

foi assim também
com o papel contínuo
preenchendo sete aposentos
numa perspectiva vertical
(o relógio de de Chirico levantando ventos
com o passante de calças abertas)

a tinta lentamente de preta à cinza
o tac
tac
tac
trrIiiimm
(volta o horizonte ao ponto inicial na qual o olho

está em pleno repouso,
quase a sensação de alívio que trazem os divórcios)
uma xícara preta de café
& a lista com afazeres:

.psicanálise às 11:30
. alimentar a esperança com alface
.sorrir ao Sr. Parolla (que tem alzheimer)
. esquecer definitivamente

ler no jornal pousado sobre a mesa que o vazamento de radioatividade se espalha
ter a certeza de que tudo o que é lido em qualquer jornal deve ser aumentado dez vezes
passar a camisa preta que gosto
o mais rápido possível
para que o ponteiro dos segundos
não impeça que eu chegue atrasado ao lugar que
estou indo

ao caminhar pela rua não posso levar
meu piano imaginado
& nem a velha máquina olivetti sem tinta
devo me frustrar por não andar de trem
e nem ter um mar dentro de uma ampoula de colírio
a voz impossível da humanidade batendo batendo
com a língua na máquina de fazer objetos úteis
o crânio de william shakespeare em teatros escolares
to be or not to be
too much
for you and me
que não somos, afinal,
dramaturgos do séc. XVI
nem temos uma concepção de tempo
que abarque a possibilidade de um romance sincero
o que nos resta é talvez
um vaso triste de Van Gogh


Augusto Meneghin