quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Camarada Comissário

Não, ele apenas deu uma gota minúscula do que é estar do outro lado.Não , o judeu não obrigará o alemão levar outro alemão para dentro de um forno crematório.Não senhora , ele o Juden também não ficará brincando com a pistola estando diante de uma vala comum com  centenas de corpos .O nazista  andará a pé até algum gulag na Sibéria ou voltará pra sua Alemanha.(depende em qual inverno ) deve  ele lembrar de Deus e orar para que o oficial soviético  e seus soldados não tenha passado por aldeias onde mulheres e crianças  russas, chacinados pelas ss e a sua gloriosa werchmacht..sua esposa não será  a lembrança de mulheres que já não existem mais .Nem a russa ou até mesmo a alemã.Que sorrirá com todos os lábios por um chocolate e um cigarro.Passará o soldado, murmurando, que só cumpria ordens e caso não as  tivesse cumprido ,teria sido morto, um manto de vergonha foi o derradeiro legado de hitler para a nação alemã.As vísceras de Dresden e Berlin urram para os céus e não existe uma única fresta para respirar ,para ressuscitar dos escombros, das cinzas .O soviético tenta não ver vinte milhões de pais , mães ,filhas, netos e mesmo  assim, judeu que é, não mata o alemão e dá o seu rifle a um fantasma ,que aos poucos retorna do mundo dos mortos e esse Herr viverá para encontrar no meio dos escombros, o que restou de luz nos olhos de sua família. Bom, o oficial do campo e os ss devem estar pendurados dançando por aí enquanto os cossacos tocam seu acordeom e  sua balalaica . Guerra é arame farpado rasgando a alma , cortando sonhos e abrindo com a dor outros olhos que jamais verão campos verdes e floridos até brotar alguma criança no útero estéril de tanto levar chutes de sombras que invadem amanheceres, uma gota de sangue molhando um sorriso no olhar .Olhos negros , castanhos , azuis de sonho rasgados de esperanças suando pétalas numa flor tocando o lábio do amante , esposa que espera no silêncio as sombras dos uivos vazios cansarem de açoitar .Ela um dia será sol novamente . ..Nada do que é humano me é estranho

Wilson Roberto Nogueira

P.S Em memória dos milhões de mortos na grande guerra patriótica  e da Schoah .  .

domingo, 18 de fevereiro de 2018

Mozart, 1935

Poeta, fiques sentado ao piano.
Toques o presente, é hoo-hoo-hoo,
É shoo-shoo-shoo, é ric-a-nic,
Sua zombaria invejosa.

Se lançarem pedras sobre o telhado
Enquanto praticas arpejos,
É porque eles carregam pelas escadas
Um corpo em trapos.
Esteja sentado ao piano.

Esse lúcido souvenir do passado,
O divertimento;
Esse sonho arejado do futuro,
O concerto não concluído. . .
A neve está caindo.
Atinga a corda penetrante.

Seja tu a voz,
Não tu. Sejas tu, sejas tu
A voz do medo raivoso,
A voz dessa dor assediadora.

Sejas tu esse som invernal
Igual a um grande vento uivante,
Através do qual a tristeza é liberada,
dissolvendo, absolvendo
Numa reconciliação imaginária.

Podemos voltar para Mozart.
Ele era jovem, e nós, nós somos velhos.
A neve está caindo
E as rua cheias de lamentações.
Sentes, tu.


Wallace Stevens/ tradução Ricardo Pozzo



Mozart, 1935

Poet, be seated at the piano.
Play the present, its hoo-hoo-hoo,
Its shoo-shoo-shoo, its ric-a-nic,
Its envious cachinnation.

If they throw stones upon the roof
While you practice arpeggios,
It is because they carry down the stairs
A body in rags.
Be seated at the piano.

That lucid souvenir of the past,
The divertimento;
That airy dream of the future,
The unclouded concerto . . .
The snow is falling.
Strike the piercing chord.

Be thou the voice,
Not you. Be thou, be thou
The voice of angry fear,
The voice of this besieging pain.

Be thou that wintry sound
As of a great wind howling,
By which sorrow is released,
Dismissed, absolved
In a starry placating.

We may return to Mozart.
He was young, and we, we are old.
The snow is falling
And the streets are full of cries.
Be seated, thou.

Wallace Stevens