domingo, 29 de julho de 2007

Ruas de Curitiba

Vento cortante
soprando durante a noite
A lua? Bola de neve
iluminando o
anjo noturno, rebelde

Cada rua um portal
de infinitas dimensões
Astral terrestre
Curitiba de emoções

Um vulto celeste
prefere o inferno
bem aqui, aonde estão os seres
de mesma espécie

Essa estranha espécie de seres
indomáveis seres das ruas
Aonde enfim residem todas as garotas

Vestidas ou Nuas
Cozidas e cruas

Garotas Urbanas

Infernais em suas vestes

aonde posou o anjo
aquele anjo também urbano
Pousou enfim
Num Pozzo celeste


Um mito que sempre aparece
até mesmo aqui, no lindo nordeste
por certos instantes, eu vejo esse anjo
seria ilusão ou é mesmo essa peste?

Alessandro Jucá

Para lá de Chaplin

Os círculos do Inferno na Comédia
Decerto abrigam sina triste e tétrica.
Mas após a invenção da luz elétrica
Veloz se abate em nós maior tragédia.

TV, cinema, Nasa, Wikipédia,
A nova sociedade econométrica
Produz tamanha farsa paramétrica
Que a vida estressa e a faz tragicomédia.

Se Ford achou por bem que os funcionários,
Entregue a força em troca dos salários,
Agissem como máquina remota,
Na fábrica moderna poliglota,
Seguindo o exemplo torpe da Toyota,
Escravos vão virando os operários.

Paulo Bearzoti

quarta-feira, 25 de julho de 2007

O Mundo Que Não Acabou

Para Ricardo e Deisi

A pilha de provas por corrigir olhava-me com ar de abandono. Eu devolvia esse olhar com ar de não-é-comigo. A notícia no Jornal Nacional foi muito clara: o final do século marcava o fim do mundo.
É verdade que corrigir provas faz parte do meu trabalho e só Deus sabe como procuro ser pontual na entrega das notas. Mas Deus sabe também como amo este mundo, este planeta, esta Terra redundantemente terrenal. E se é verdade de que o mundo está com data marcada para terminar, convenhamos, existem prioridades.
Conferi o relógio e faltavam ainda sete horas para o final do mundo. Resolvi abrir um novo arquivo no Word para enumerar meus pecados e despedir-me deste mundo com a consciência organizada, além de facilitar a vida do grande julgador. Com o melhor critério de organização, clareza e compostura, comecei a preparar o meu currículo ético e moral: na primeira fila , coloquei os pecados veniais, que eram muitos, mas por serem veniais me causaram pouco transtorno. Eles, os veniais, quase benignos, facilmente tomavam o seu lugar em rigorosa ordem alfabética. Os outros, os pecados do meio, que me permitiriam um bom estágio no limbo, eram menos, mas precipitaram dúvidas de ordem existencial... Ah, como passar pelo mundo impunemente! Mas não posso me queixar, as maldades de porte médio também se foram acomodando depois de médio sofrimento. E os pecados mortais? Meu Deus, que confusão! Descobri que não existe uma tabela clara que oriente o bom pecador com intenção administrativa de organizar devidamente seus pecados mortais.
O mundo deveria acabar à meia noite, palavras de Nostradamus, anunciadas na TV. E eu perdida no meio dos meus pecados mortalmente mortais. A ordem alfabética, procedimento mais conhecido de organização, terminou complicando a boa intenção: O que será que vem primeiro, a gula ou a guerra de pipocas alheias? - Gula, gula é pecado capital - falou o meu filho filósofo, que nesse momento, também deixou suas obrigações para mapear os seus próprios pecados .
- Capital? Acho que a gula é pecado Nacional. - completou o meu filho mais velho que preferiu organizar as boas ações. A filha mais nova gostou da idéia e ainda argumentou: - Não temos tempo a perder anotando pecados, eles já devem estar anotados em algum caderninho sagrado. Mas as boas ações certamente serão importantes argumentos a favor, caso o julgamento final permita alguma ponderação. Sei que não é fácil querer partir em paz. Faz falta um bom dicionário que oriente terminologia adequada, etimologia, para tirar as dúvidas, data histórica, acho muito importante, assim como o conhecimento dos antônimos e sinônimos dos pecados.
- O que...? O mundo não acabou, gritou meu marido, que preferiu regar o jardim, na esperança de que alguma coisa sobrevivesse.
- Não acabou?! - Passamos da meia noite há mais de cinco minutos.Fomos mortalmente enganados.
Não. O mundo não acabou e o trabalho dobrado nos espera. Inferno perpétuo deveriam merecer aqueles que brincam com algo tão sério. O que fazer, senão começar a classificar as provas dos alunos : veniais, médias, mortais.

Glória Kirinus

terça-feira, 24 de julho de 2007

a cidade

1 (a cidade como um monstro)

a cidade convulsiva,
não importa quanto doa,
não importa quanto coe,
não importa quanto moa,

é um monstro pânico e vivo:
sua boca, sua fome;
boca aberta em horizontes
como um mapa sobre o chão:

a dentição de edifícios,
a dentição de sobrados,
a dentição de barracos.

a cidade é sua boca,
a cidade é sua fome
(de crescer, de desdobra-se).


2 (a cidade como um homem)

a cidade, concentrada,
existindo a céu aberto,
com suas veias de asfalto,
com intestinos de esgotos,

com seus tecidos de praças,
com seu coração de gentes
pulsando na tiradentes.
a cidade convulsiva

todo dia morre e vive,
mata, dorme, salva e trai,
todo dia, todo dia,

embebeda-se e trafica,
dessangra, sua, saliva,
festeja-se e se retrai.


3 (a cidade como uma doença)

eis a fome
da cidade:
a cidade
sempre quer

mais cidade.
se desdobra
no intestino
no arrabalde

da cidade.
contagia-se:
(através

de nós, homens)
pare a si
como um vírus

Rodrigo Madeira
o morto

meu tio
que ontem mesmo
perguntou as horas
já não está

em lugar algum

já não está
onde seu corpo está

seu corpo está
ali, falido

meu tio
deitou-se sobre si

melhor, deitaram meu tio
os pés juntos, sem

a memória do tato
o sabor do amoníaco

letes nas veias

como um quarto
sem mobília e gente
sobre o terreno cediço

uma nudez
como escurecer

desmorona uma maçã
e acende a luz
na pele
de um cavalo

o escuro escureceu

a morte agora
é sua casa, a roupa do corpo
o oxigênio

a carta de câmbio
o preço do frete

a dentadura, o aquário
o berço, a biblioteca
a gaveta
de gravatas
o comprovante
de renda

o revólver
a certidão
de nascimento

morrer é para sempre

meu tio foi enterrado
com um relógio

no pulso

Rodrigo Madeira
Solidão...

Solidão...

Não tem dia,
não tem hora...
Não tem dó
nem explicação.

O tempo vai passando
vagaroso...
Os olhos perdidos no vazio.
Um ser desprendido do olhar.

Insônia,
frustação...
Uma festa,
uma fuga...

Um romance,
um engano...
Consumo fútil.
Ilusão...

Um rio, uma ponte
de um lado bela paisagem,
de outro, realidade.

Uma estrada, um túnel.
Uma vida única,
para tantas escolhas...

Deisi Perin
Tuas palavras penetram meu sono;
Tornam-se cores, sons, imagens.
Acariciam-me,
Memórias gravadas na pele.

Mistérios do tempo
quedam-se silenciosamente,
à força cósmica que nos atrai.

Crisálida de ferro e fogo,
Efêmero que se faz eterno.

Joselaine Mota

segunda-feira, 23 de julho de 2007

Escolhendo

Feijão espalhado sobre a mesa,
Os bípedes no mundo imundo a fora.
Os feijões das carochinhas querem ser viçosos,
Gostosos corpos gregos,
Vigorosos campeões olímpicos e
Virtuosos investidores farmecêuticos.
Mas não.
Nessa panela, só feijão bão.
Nessa panela que é maior que qualquer imagem,
Maior que qualquer herói,
Maior que qualquer moeda,
Porém não menor que a democracia no mundo a fora

sábado, 21 de julho de 2007

Leão Alado

Se desta Roma
Saltam Luzes
Transfiguradas
Selvagens asas
Rugem.

Ricardo Pozzo

domingo, 15 de julho de 2007

Ao Santos de todos os Santos

Briga antiga entre o livre e a cantiga,
Entre o lirismo e as regras,
Entre e deixe a porta aberta,
Quem sabe o julgamento jumento queira entrar.
Enterrar,
Estragar a festa,
Dar com a testa.
Aquele reclamando mais que a boca do chefe presidente prefeito perfeito pra si.
Sentado,
Usando o telefone de graça para Paris.
É mirado pelo cano coitado excluído,
Este, tão simétrico quanto o tal perfeito.
Hei, você no telefone!
Mande um abraço pro Santos
Que é de lá mesmo.
O que faria o reclamão, o prefeito perfeito e o cano coitado com a invenção do século?
Ganhariam dinheiro.
Por que não acho fórmulas de refrigerantes ou filmes de graça no jornal que paguei?
O jeito é sorrir pro meu patrão,
Pois esta manhã não sorri pra quem me ama


Ceccon

sábado, 14 de julho de 2007

Ábaco

A cidade pela cinza
e o carbono
se sabe sodoma
somos a soma
séculos inscrustrados
no marco zero
das metrópolis
pólis sem teto
abrigados nas praças
indiferentes à óleo e raças
consomem-se fontes
fontes consomomem
caridades
a cinza e o carbono
o sal da sopa
caixas de leite
sopa e fé
catedrais chamam fiéis
humanos contam nos dedos
orgasmos lucros saldos
extratos benesses divinas
imbecis pacifistas
imbecis bélicos
pela cinza e carbono
nos pulmões e nos ares
contas do ábaco espaço
a trajetória da imbecilidade
digo, civilização.

Carlos Sousa

Nasasas

Dos píncaros
Aos abismos
Do Livre Arbítrio
E vice - versa.

Carlos Sousa

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Artesã do Imaginário

Para Glória Kirinus.

Na minha cidade brilha a poeta
com seu tempo de infinitos laços
brilha ainda que chova a cântaros

com sua ternura e amizade
acomoda lentamente
os espinhos que a vida semeia

fiandeira por natureza
tece tramas
quando menos se aguarda

com sua impar inteligência
feito aranha castanha
invade prateleiras

leva a leitura
desconstroí mitos
canta alegre sua poesia

Formigarra/ Cigamiga
magia que contamina
o imaginário e a alma

com o frescor da linguagem.

Andrea Motta

Formigomem

Vamos catar lata
vamos catar tampinha
vamos catar garrafa
papel de formiguinha
ser homem e abelha
está na mesma linha
o homem só trabalha
demais para viver
sem tempo para pensar
cultura a fazer
pro acasalamento
já nem existe dança
ficou muito custoso
um par de aliança
Vamos catar lata
Vamos catar tampinha
Vamos catar garrafa
papel de formiguinha
em nome do futuro
e da sobrevivência
no lixo levantando
do perfil de indigência
pode ser premiada
uma fotografia
bilhete de papel
lota periferia
alata paga a conta
cota da cacaria
pois vamos catar lata
vamos catar tampinha
vamos catar garrafa
trabalho de formiguinha
disputa de mercado
na bolsa aplicação
barulho e agito
sebo vespa no lixão
todo mundo sem tempo
de ver se a si na vida
o man na humanidade
em mant transformado
museu de arte nem tanto
vai ter pra ser guardado.

Maria José de Menezes

quarta-feira, 11 de julho de 2007

Pré Ocupação

Pré historicamente eu nadava em caldas
Em caldas de chocolate e carne
Ocupei-me de nadar
Ocupei minha angústia com serotonina
Ocupei minha ressaca com efedrina
Com medo dos buracos nos dentes e dos impulsos
Pré ocupo minha escova- de- dentes e minha amante
Para retornar a nadar em chocolate e em carne
Então ocupo novamente
minha angústia e minha ressaca
estou começando a me preocupar.

Rodrigo Pereira
(Manifesto Arte )

Ideologia ou Distanciamento

É difícil o que acontece
na existência de dois fortes papéis
Ou melhor dizendo; posições de cabeça
a primeira posição é para baixo,
dentro da lama ou do cimento
Quanto mais tempo nessa,
mais inflexíveis e parecidas
as pessoas ficam entre si
A outra posição é para cima,
onde pensam estarem olhando tudo
porém mal enxergam o céu
e os astros vivos e mortos
Pensam em pensar igual,
mas só são iguais no torcicolo
Não conhecem quem está fora nem quem está dentro,
e assim mesmo se acham conhecedoras
A verdade está no pescoço movediço,
que nos livra da massificação do cimento e da lama...
e também da alienação do céu.

Rodrigo Pereira
(Manifesto Arte )

terça-feira, 10 de julho de 2007

Barqueiro

Ilícito ás avessas
Juntando cacos
Arremessados
A qualquer direção
Aleatória

Sofrem menos os cansados
de sofrer?
Quem tem mais razões para
chorar?
Migram centenas de almas
Abandonadas ao espetáculo
Do desperdício.

Isolados pela falta de sentido
Cotidiano.
Paga-se sempre com míseras
três moedas.

É trajetória toda a diferença.

Ricardo Pozzo

domingo, 8 de julho de 2007

Poema Globalizado

a civilização é a barbárie iluminada à gás.
charles baudelaire

no mundo todo
a fome mata uma criança
a cada cinco segundos
a fome mata uma criança
a cada cinco segundos
a fome mata uma criança
a cada cinco segundos

pronto!
uma criança acaba de morrer
longe – e não obstante perto –
de nossos olhos acostumados à tv
e à tarde,
de nossa pose de homens retos, reservistas,
em dia
com a justiça eleitoral e divina.

porque uma criança morre de fome
a cada cinco segundos
(e o soube numa nota do jornal de ontem
onde meus cães urinaram),
alguma coisa dentro de mim
se despede para sempre.

que grande fraude somos nós,
porque hoje é sábado
e vivemos num mundo onde,
a cada cinco segundos,
uma criança morre de fome.

estamos todos – o olhar entojado
fugindo aos olhares, a tv que não te vê
(a civilização é a barbárie à luz da tv) –
sob este tétrico relógio de parede
cujos ponteiros são ceifadeiras,
são nossos braços,
são braços de crianças
que morrem de fome o dia inteiro.
porque uma criança morre de fome
a cada cinco segundos,

absurdado, mal respiro sob minhas ruínas,
mastigo a vergonha sem poder engoli-la.
minha alma é raquítica,
minha revolta é anêmica,
meu edema é moral,
meu canto é nauseabundo,
por que uma criança morre de fome
a cada cinco segundos.


mastigamos todos esta derrota coletiva,
a derrota das mães que,
se deus permite,
se fazem em postas na salmora das lágrimas
e saciam seus filhos
com seus corpos imundos,
porque a fome mata uma criança
a cada cinco segundos.

senhoras e senhores, há restos
mal-palitados de carne humana
entre nossos dentes,
os dentes do mundo,
porque uma criança morre de fome
a cada cinco segundos.

mas a fome não mastiga,
não perde tempo...

servida na baixela da política,
da guerra, do desastre, do descaso,
a cada cinco segundos,
a fome engole inteiras
nossas crianças mal-amadas.

posso conciliar meu sono?
posso dormir 6,10, 8 horas
e acordar humano, com fome
e comer um pão inteiro?
posso escrever um poema ruim
cheio de plágios e vergonhas
sobre a quintessencial ruindade
do homem
num intervalo de vinte minutos
em que 240 crianças morreram
de fome?

não, a fome é ínvia,
e a poesia
é um saco de ajuda humanitária
sem nada dentro.
nenhuma criança poderá se fartar
nessas palavras sem proteínas,
feitas de ossos e vegetais podres,
nem terá minha culpa a desculpa
de um poema péssimo
ou deixará de percorrer o arco
do silêncio ao silêncio,
da desinformação ao esquecimento.

o relatório da FAO será arquivado
nos computadores da ONU
e a nota do jornal que absorve o mijo
de nossos cães
ou dobra-se sobre o peixe
das celebrações,
a nota de papel que se fez grito
e carne
será dependurada num gancho
(não exposta como quase sugiro,
e sim escondida, de nós mesmos),
no frigorífico
de nossa indignação,

porque tendemos a saber por apenas
cinco segundos
que uma criança morre de fome
a cada cinco segundos.

não, a poesia não serve!
(essa merda de poema
vale menos que minhas fezes)
a poesia está terminantemente
quebrada,


porque no mundo todo
a fome mata uma criança
a cada cinco segundos
a fome mata uma criança
a cada cinco segundos

Rodrigo Madeira