a civilização é a barbárie iluminada à gás.
charles baudelaire
no mundo todo
a fome mata uma criança
a cada cinco segundos
a fome mata uma criança
a cada cinco segundos
a fome mata uma criança
a cada cinco segundos
pronto!
uma criança acaba de morrer
longe – e não obstante perto –
de nossos olhos acostumados à tv
e à tarde,
de nossa pose de homens retos, reservistas,
em dia
com a justiça eleitoral e divina.
porque uma criança morre de fome
a cada cinco segundos
(e o soube numa nota do jornal de ontem
onde meus cães urinaram),
alguma coisa dentro de mim
se despede para sempre.
que grande fraude somos nós,
porque hoje é sábado
e vivemos num mundo onde,
a cada cinco segundos,
uma criança morre de fome.
estamos todos – o olhar entojado
fugindo aos olhares, a tv que não te vê
(a civilização é a barbárie à luz da tv) –
sob este tétrico relógio de parede
cujos ponteiros são ceifadeiras,
são nossos braços,
são braços de crianças
que morrem de fome o dia inteiro.
porque uma criança morre de fome
a cada cinco segundos,
absurdado, mal respiro sob minhas ruínas,
mastigo a vergonha sem poder engoli-la.
minha alma é raquítica,
minha revolta é anêmica,
meu edema é moral,
meu canto é nauseabundo,
por que uma criança morre de fome
a cada cinco segundos.
mastigamos todos esta derrota coletiva,
a derrota das mães que,
se deus permite,
se fazem em postas na salmora das lágrimas
e saciam seus filhos
com seus corpos imundos,
porque a fome mata uma criança
a cada cinco segundos.
senhoras e senhores, há restos
mal-palitados de carne humana
entre nossos dentes,
os dentes do mundo,
porque uma criança morre de fome
a cada cinco segundos.
mas a fome não mastiga,
não perde tempo...
servida na baixela da política,
da guerra, do desastre, do descaso,
a cada cinco segundos,
a fome engole inteiras
nossas crianças mal-amadas.
posso conciliar meu sono?
posso dormir 6,10, 8 horas
e acordar humano, com fome
e comer um pão inteiro?
posso escrever um poema ruim
cheio de plágios e vergonhas
sobre a quintessencial ruindade
do homem
num intervalo de vinte minutos
em que 240 crianças morreram
de fome?
não, a fome é ínvia,
e a poesia
é um saco de ajuda humanitária
sem nada dentro.
nenhuma criança poderá se fartar
nessas palavras sem proteínas,
feitas de ossos e vegetais podres,
nem terá minha culpa a desculpa
de um poema péssimo
ou deixará de percorrer o arco
do silêncio ao silêncio,
da desinformação ao esquecimento.
o relatório da FAO será arquivado
nos computadores da ONU
e a nota do jornal que absorve o mijo
de nossos cães
ou dobra-se sobre o peixe
das celebrações,
a nota de papel que se fez grito
e carne
será dependurada num gancho
(não exposta como quase sugiro,
e sim escondida, de nós mesmos),
no frigorífico
de nossa indignação,
porque tendemos a saber por apenas
cinco segundos
que uma criança morre de fome
a cada cinco segundos.
não, a poesia não serve!
(essa merda de poema
vale menos que minhas fezes)
a poesia está terminantemente
quebrada,
porque no mundo todo
a fome mata uma criança
a cada cinco segundos
a fome mata uma criança
a cada cinco segundos
Rodrigo Madeira
domingo, 8 de julho de 2007
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7 comentários:
Adorei. Posso colocar seu poema em meu Blog?
meu email
vilma.b.p@onda.com.br
esse poema meu amigo, é aquele "soco no estomago", que nenhum "afago nos cabelos" consegue aliviar a dor... Bj
Muito, muito bom, Rodrigo.
Sou melindrosa para gostar de poemas com críticas sociais-políticas, mas esse está ótimo!
Nossa. Fantástico.
Muito bom este poema. Obrigado pelo tapa na cara.
No mundo, a cada 5 segundos. No Brasil, a cada 5 minutos. Fique frio! Estamos indo bem!
Explêndido!
Wilson
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