o morto
meu tio
que ontem mesmo
perguntou as horas
já não está
em lugar algum
já não está
onde seu corpo está
seu corpo está
ali, falido
meu tio
deitou-se sobre si
melhor, deitaram meu tio
os pés juntos, sem
a memória do tato
o sabor do amoníaco
letes nas veias
como um quarto
sem mobília e gente
sobre o terreno cediço
uma nudez
como escurecer
desmorona uma maçã
e acende a luz
na pele
de um cavalo
o escuro escureceu
a morte agora
é sua casa, a roupa do corpo
o oxigênio
a carta de câmbio
o preço do frete
a dentadura, o aquário
o berço, a biblioteca
a gaveta
de gravatas
o comprovante
de renda
o revólver
a certidão
de nascimento
morrer é para sempre
meu tio foi enterrado
com um relógio
no pulso
Rodrigo Madeira
terça-feira, 24 de julho de 2007
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