terça-feira, 24 de julho de 2007

o morto

meu tio
que ontem mesmo
perguntou as horas
já não está

em lugar algum

já não está
onde seu corpo está

seu corpo está
ali, falido

meu tio
deitou-se sobre si

melhor, deitaram meu tio
os pés juntos, sem

a memória do tato
o sabor do amoníaco

letes nas veias

como um quarto
sem mobília e gente
sobre o terreno cediço

uma nudez
como escurecer

desmorona uma maçã
e acende a luz
na pele
de um cavalo

o escuro escureceu

a morte agora
é sua casa, a roupa do corpo
o oxigênio

a carta de câmbio
o preço do frete

a dentadura, o aquário
o berço, a biblioteca
a gaveta
de gravatas
o comprovante
de renda

o revólver
a certidão
de nascimento

morrer é para sempre

meu tio foi enterrado
com um relógio

no pulso

Rodrigo Madeira

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