domingo, 22 de abril de 2007

(Espaço tempo dos pulmões que se respiram)


Chamava-se um, logo após, dois e depois enumerou, com exatidão e totalidade, zero. Esta história poderia muito bem começar descrevendo o aspecto físico de uma menina cuja verdade fora roubada. Mas não. Não vou explicar as incertezas do que enxerga-se sem perceber ser mentira.
Então começo categoricamente com o meu zero já habituado. Zero porque dois corpos já se anularam e se tornaram um. Perdendo a materialidade, perdendo os genes, veias, ossos; perdendo tudo. Chegando ao marco zero de todo o espanto de vida vivida. Esta é uma história verdadeira. Sim, completamente verdadeira esta que tento escrever agora. Deixo bem claro que ela faz parte do meu diário pessoal, que este texto está situado nas minhas páginas descoladas e que em alguns minutos a tinta falha. Espera e expansão.

Tudo começou errado, como era pra ser errado, desde que o rumo desregulado começou a criar fatos. Era pra ser, era pra desaparecer no meio dos outros. Mas uma menina entrou no meio dos fios, dos teares e dos completos emaranhados. Extenso - tenho certeza que isso será doloroso - no quintal das almas, no topo dos arranha-céus; uma rede e a ponte bamba. O que me toma é a certeza de que há na vida coisas inexplicáveis. Fatores de importância dois*, passando para o um* e tornando, sem perceber, zero*. Raros chegaram - como eu - no marco zero de todas as sensações. Chegarão no novo princípio retilíneo da perfeição semiprimitiva?
Os outros nunca entenderão. Nunca chegarão no espaço-tempo que anula os corpos, memórias e conceitos. Não sei se serão de fato, mutilados pela diferença, se perceberão que a exatidão lhes falta, assim como a perfeição. Serão sim, esmagados pela gargalhada das quatro paredes à vertigem de uma transição que não se vê. E no entanto, existe ainda a quinta proporção. Quinta relação entre seres. Essa ainda é capaz de anular o zero*. Só que aí nada mais tem volta. É de uma sensibilidade terrível chegar na quinta capacidade de usufruir entonações da alma. A história que eu ia descrever já se perdeu da realidade e escapou da minha memória. Vejo as imagens turvas e já não posso descrever fato por fato; instante por instante que se mata, que se perde. E a degola na síntese dos mistérios que existem entre tudo o que circula. Entre tudo o que direciona e dobra para a direita.

Não saber e não saber que não se sabe. Saber e saber que se sabe. Para mim, essa é a diferença nada sutil entre os seres. Digo que as demonstrações humanas que geram algo "sentido", meramente sentido, são um simples engano. É um simples motivo para que a sua internação seja providenciada o mais rápido possível. A internação do seu corpo e o embalsamento de sua mente. As outras percepções, que vagam pelos sentidos, são as que realmente existem. O que não é eterno; o que é puramente liberto. O ato verdadeiro não é baixo como suas atitudes, nem sincero como as suas mentiras. O ato de poder desenhar-se entre páginas de papel de arroz e pássaros intactos é equivalente ao marco zero*: marca-se. Saber os fios que são seus, as cores que pertencem ao seu corpo, a categoria das explicações, o valor das palavras, saber que tudo isso é inexistente. Mas vamos ao fundo de toda essa loucura limítrofe, olhares que se escapam, fumaças que dançam, pessoas que se perdem, passos que retroagem. Andando nessa direção pontilhada da imensidão de duas mentes no marco zero*, digo com clareza o que penso: tomaria de você as fitas que saem do estômago, engoliria o teu mundo só pra que ele não te fizesse sofrer. Mostraria minhas realidades, suas mentiras que não são mentiras, mostrar-lhe-ia tudo sobre todo mundo e sobre tudo no mundo.

Um poste. Uma cadeira. Nossas línguas esquisitas. Nossas bocas saindo palavras, nossa linguagem inventada e uma verdade. A verdade é que a história da menina se perdeu e essas outras linhas se encontram nas páginas brancas escritas com tinta invisível. Acordes de música, partituras soltas e o que não se sabe. Eu não quero mais explicar para a outra lá, que se perdeu achando que a vida é eterna. Desejo-te. Destruo. Invento-te os mundos. As roupas se rasgam, os outros partem, porém as ligações frágeis de uma linha, de um tempo, de um interstício - ah Deus, devo dizer isso?
- essas ficam...

Mme. Valentina

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