quarta-feira, 9 de setembro de 2009

de colunas quebradas e galinhas mortas

Detrás do poliedro dos seus espelhos, ela possui
fortalezas, truques, rios com répteis, rampas
e inefáveis labirintos nunca vistos por quem só lê.
Cronwell Jara Jiménez

palavras em marcha
pelos pastos do papel
trotando tristes trotando
em rebanhos de versos
tão divertidos
como a gramática das vacas
balançando suas pesadas tetas sem nata
e vísceras sem
ponta nem pata
: palavrastrastes
parindo
no escuro claro
partindo-se
em moléculas de cloro
no cerúleo amaro promontório azul
: nas costas da palavra
estão as costas da verdade
ilógica, ilícita
paralítica,
[ estridentemedula ]
ela é a pedra oculta
que transforma crânios
em conchas de sangue e
vértebras em arrebol
[ que até o sol para ela se aleija
em quentes quebradas nervuras
em cruz
colinas
colunas
rodando cadeiras-de-roda
rodando
os eternos espasmos da palavra carne
[ muda
como a nossa mão
[ incomunicável
como a nossa mãe
em silêncio porque naufraga
em palavras de mãe
em silêncio porque nada
em palavras
demais
enquanto tece os no-
velos da pele do próprio filho
nas letras que desfia :
t e t r a p l e g i a o que seria?
senha-medo-sanha-medo-sonha
ria
se houvesse cama
se houvesse como
acabar com o silêncio
ou regenerá-lo na quinta cervical
ou degenerá-lo na morfina
e escalar a boca
como quem cala uma montanha,
às vezes vale mais a pena
não ter pena
ou depenar a dor
para depois devorá-la à cabidela
como um saturno de Goya,
um pequi de Goyaz,
uma pequena de paquete num puteiro de Ponta Grossa
[ ou uma galinha choca
espancada chutada prensada no arame
até a morte farpada por um infante imberbe
que não entende de galinhas
que não entende de sintaxes, concordâncias, morte
[ mas que sabe ler a sorte
pelos pêlos das mãos
entre coxas, peitos, asas, comê-las
no óleo quente com alho,
pintinho emplumado
nos braços quentes da família,
esse familiar bulício da bóia posta à mesa
sem luto, sem deus nem enigmas,
sem falar do falo
do galo
que se esfola
entre um e outro milho
como a gente esfolava
esmerilhando reverenciando gozando
priapismos da matéria,
a vida em seus contorcionismos é palavra
a fome em sua catequese acéfala é palavra
o sexo em seus rituais ascéticos é
a mais sublime entre as mais triviais manias humanas
quando de novo se abate sobre o ovo
aquela velha paralisia do espírito
e o sol reflete-se apenas
em distantes solipsismos
já sem mergulhos profundos
já sem crianças nem galinhas
já sem famílias, falácias de falos, calos na mão ou línguas em riste,
só um silêncio murcho que incide
no vazio que vaza
por todos os poros
da palavra.

Marcelo Reis de Mello

http://cozinhapoesia.blogspot.com/

Um comentário:

Anderson Carlos Maciel disse...

Canto do nascimento.

http://www.youtube.com/watch?v=NHVVshYfDow


Continua enigma.