por que é o mesmo o pudor de escrever e defecar?
(joão cabral de melo neto)
quem gosta de poesia “visceral”,
ou seja, porca, preguiçosa, lerda,
que vá ao fundo e seja literal,
pedindo ao poeta, em vez de poemas, merda.
(antonio cicero)
o ânus é sempre o terror e eu não aceito que alguém perca um pedaço de excremento sem dilacerar-se por estar perdendo também a alma.
(antonin artaud)
para glauco mattoso.
Quero escrever
um poema
a partir da incontinência
de escrever
o poema
(triunfante
como uma cagada),
da imundície
de escrever
o poema.
mais que ruim,
poema fétido:
minha camisa aberta,
a peixaria das axilas,
a alegria gratuita
e irresponsável
de escrever
meu nome
nas coisas,
inda que sujando,
com uma fuzilaria
de engulhos.
que, se jogado fora,
não faça falta no
curso geral do dia
nem, de desimportante,
pese em algum
sistema de erros.
mas sobrevenha
num esquema de porcarias,
misturado a meu mijo
e meus pentelhos.
que feda,
que some aos meus
olhos de esgoto
e flua,
mais que um tietê de bolso,
fluente como diarreia.
(o idioma
da merda, seu fedor,
é direto como um murro,
mais sincero e universal
que o olor das flores.)
que este poema
não aperte os olhos
de um míope,
ou levante os óculos
na testa do comentarista.
que, a contrapelo,
lhes entorte a pose,
a um só tempo
com náuseas
e dores de barriga.
que não seja uma canção,
de tão irregular,
nem, de tão pastoso,
geométrico.
sórdido, cínico, laxativo,
mas infinitamente sincero,
que seja
pegajoso como esterco novo,
sob o assédio do sol
e dos vermes.
quero escrever
um poema
a partir da necessidade
fisiológica
de escrever
o poema.
ele será péssimo, mas
terá serventia,
mesmo infensa:
poema pelo prazer
de jogá-lo fora
(e emporcalhar a cidade)
em limpa consciência.
ou a poesia que há
em não dar descarga,
em não lavar as mãos,
digno do imundo
banheiro público.
poema infecto,
câncer de língua,
lixo literário,
febre do amoníaco,
vala aberta na página,
que vou querer
(menos que não quero) suprimir
do livro,
da memória,
da história
de meu corpo.
mas que, antes,
será motivo de vanglória,
quando o mostrar
ao amigo
como quem exibe no vaso
o design inusitado
da própria bosta.
(quem lhe negará ser
húmus possível
da boa poesia,
perfumosa como o milho?
a stink of beauty
is a joy forever.)
poema abjeto,
que cause urticária
nos querubins,
ânsias de vômito
nas musas,
inesquecível de ruim,
pior
que um gole
de água sanitária.
o menos que se diga,
em flatos barulhentos
(como quem afina
um trompete),
é que é ruim, ruim
de dar nojo, de dar gosto,
entre babas de diarremia,
à liquidez da anemia,
escrito na língua
da impureza,
pra que ninguém
o entenda
senão como um nauseante
e pedestre
acerto.
ou vaso a céu aberto,
coprolatria,
muito além de poema:
a latrina feita templo,
guirlandada com
papel higiênico,
sob anjos feios como urubus.
deus (como todo deus, de dentro)
será um fedor insistente,
será filho de meu cu.
e quando eu excretar
esta obra-crime
(agora mesmo),
aureolado de moscas,
me vaie como quem
me eleva,
que eu sairei andando
com a naturalidade
de quem caga e anda,
de quem assina com a tinta
de sua própria merda.
Rodrigo Madeira
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
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10 comentários:
Incrivelmente fabuloso,como o porque cagamos.
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Tullio Stefano
rsrsrsrsrsrsrsrsrssrs
esse é pra fechar o ano com chave de ouro, ou melhor, com chave de merda
vale lembrar aqui leminski:
Merda é veneno.
No entanto, não há nada
que seja mais bonito
que uma bela cagada.
Cagam ricos, cagam pobres,
cagam reis e cagam fadas.
Não há merda que se compare
à bosta da pessoa amada.
(Merda e ouro)
acho q este está em distraídos venceremos
não vou dizer q gostei do tema, pois uma das minhas neuroses obsessivas é mania de limpeza (creio q fui reprimido na fase anal, nada q alguns anos de psicanálise não resolvam), mas q está bem escrito não há como contestar. pelo visto, o pássaro ruim promete.
Poema extraído do livro "pássaro ruim", recentemente editado pela Medusa
quebosta!!!
vc pode assistir á récita deste poema e mais dois, do livro "pássaro ruim", pelo próprio autor aqui:
(copie e cole)
http://www.youtube.com/watch?v=JAdR5rwiiJU
Ou então copie e limpe
ahahahahahahah
Rodrigo, vc é bom!
meu amigo querido,até falando em merda você é genial!!!
pessoal, a quem interessar:
botei quatro cópias do "pássaro ruim" à venda em duas livrarias de ctba: no chaim e na arte e letra (do lucca café). amanhã levarei mais 1 ou 2 cópias na curitiba da XV.
quem quiser pegar o pássaro ruim na mão, já é possível. recomendo-o, por ocasião do natal, como presente de grego a seu mais dileto inimigo.
valeu, gente! obrigado pela força. e até qualquer dessas esquinas de curitiba.
rodrigo madeira.
prefiro esperar o lançamento!!!
E que seja no ventilador!!!
Avise.
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