sábado, 23 de julho de 2011

Cemitério Aéreo

O olho que escorreu da minha testa
(é favor escandir o hiato: o – olho)
com gesto de quem morre e não protesta
sim sim este olho que desfez-se em molho
foi o rio rubro mais feliz de mim,
melhor que sensação de não-mereço,
maior que a rima alargada no fim,
mais sim que frase de amor no começo.

Foi com tal olho que perdi o contato
duma verdade a qual não foi tão tarde:
aquela mais-verdade do retrato
do artista quando jovem cão covarde
que não viaja numa noite fria
depois do cerco de quarenta invernos,
mas que requenta sim a poesia
e sim repete-a aos quintos dos infernos.

Naquela não-pupila eu fui desejo
de amordaçar a primeira pessoa
e fundir tudo em tudo – ser que almejo
quando o gongo do último assalto soa
por fora da ilusão do tempo-espaço
e o mundo bolha explode sem registro
sem som sem tom sem cor sem descompasso
num assombroso silêncio sinistro.

Junto com o olho foi qualquer suspeita
de que eu cifrasse em versos simples isto
numa levada em que tudo se ajeita
e não sobra a má impressão que despisto.

Assim, exausto de usar tantos ques
os quais nem deixam um quê de mistério,
desovo outro corpo morto a vocês,
meus caros hóspedes dum cemitério aéreo.



Ivan Justen Santana

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