sábado, 16 de junho de 2007

só por hoje
para narcóticos anônimos

Deus, conceda-me serenidade para aceitar
as coisas que eu não posso modificar,
coragem para modificar aquelas que
eu posso e sabedoria
para reconhecer a
diferença.
só por hoje, funciona.

1
e uma árvore
cresce
em minha carne.

há tantos
ventres cheios
como forem
os frutos não-pensados.
meu nome, eu o ouço
sempre
pela primeira vez.
meu apelido
é "silêncio".

2
(...) juro que pude
ouvir a respiração
das baratas,
nos dias longos
como a semana,
o dialeto do lodo
pela língua pensa
das derrotas.
orgulhoso e absurdo,
garimpei, garimpei,
roubei, menti e menti.
tresnoitei como
um bicho caçado
sob a desaprovação
dos pássaros matutinos.
quantos suicídios
em banheiros públicos vazios!..
"medocaram, medocaram
assim!...", sussurrava,
reduzido às minhas
roupas de piá.

a realidade se tornara
um detalhe ingrato
e a vida, mera subtração
entre mim
e todas as coisas.
mandei ferrolhar
meus ouvidos,
armei o cão de minha
laringe
e apertei o gatilho
vezes incalculáveis...
minha casa era
uma ampulheta.
mas não parei...
eu ainda tinha tempo,
eu ainda tinha medo,
eu ainda tinha corda,
eu ainda tinha vendas!

em algumas tardes,
joguei paciência
na antecâmara da morte
como quem apenas
esperasse
o fim de um dia triste.
a certeza
folhada à dúvida
foi meu melhor adereço.
escrevi uma elegia
na palma aberta
da alegria
e cavalguei meu grito
e caminhei meu
cortejo fúnebre
e cavei minha sepultura
até minhas unhas
se encherem de pólvora.

cheguei por fim
à última cava
do isolamento humano,
meu desendereço:
solidão sem mim,
como
a casca vazia
de uma cigarra.

3
ainda ressinto
o antigo gosto
de esgoto
no café da manhã
(mas algo me alista à luta),

ainda sonho
parir meus pais
(mas meu peito
é o parapeito
do irmão)

e a vida ainda
nos acontece
à queima-roupa
(mas há uma fundição
em nossas almas).

escrevo agora
de uma das sacadas
do amanhecer:
as vísceras da aurora
são anônimas.
a noite
já não precisa mentir.
e uma árvore
cresce
em minha carne,
rente às vértebras,
arrevesada, as raízes
no espaço...
dessangrando o céu
no fio
de nossos sorrisos,
refazendo as mãos
na forja
do cumprimento,
forja
de outras mãos,

doravante, companheiros,
nasceremos
como o sol,
a cada dia,
um dia de cada vez

Rodrigo Madeira

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns, Madeira!!!
Além de ser um belo poema, é um ato de coragem falar de si assim, com essa desinibição. Aliás, outro que vem fazendo isto neste blog é o sr. Wilson!!!
Mas dizem as boas línguas que o Poeta é, como o Ladrão de Fogo, aquele que se revela!
Aquele que empreende a jornada em busca de si!!!