quinta-feira, 24 de julho de 2014


Criança

Criança dos ancestrais,
Deusa, deuses,
reis e rainhas,

criança onírica,
mito & sabedoria,
pirâmides, pedra por
pedra,
criança de visionários
reis poetas,
Sor Juana,

criança de contadores de estórias
e cantores, Octavio
Paz, Rosario Castellanos,
criança de perfeita
beleza, Frida Kahlo,
Diego Rivera, na
cédula de 500 pesos,

criança de Quetzalcoatl
e Xochiquetzal, la
madre Coatlique,
grande Ixchel,

criança do Sol e
da Lua, cada estrela,
nascida da Terra/Céu,

criança em farrapos de roupas
desgastadas, com sujos sapatos,
e dedos expostos, tentando
vender um inútil
bilhete,
o brilhante,
supermercado abundante, a
loira balança
cabeça com ojeriza,
você implora, olhos
em súplica,

desejando, conforto, banho,
roupas limpas, alguma
segurança, amor até,
o adolescente com olhos de falcão
observa o
com escárnio

mas ele continua
suplicando, implorando,
com seu inútil
bilhete,
sua parda
mão imunda

criança dos ancestrais​​
gostaria que o grande poeta
rei, Nezahualcoyotl,
cantasse um poema para

você, filho do
desespero e
da fome, do lixo,
seus olhos ainda
sombreados pela

inocência.


Alma Luz Villanueva/ tradução Ricardo Pozzo


Child

Child of the ancestors,
Goddess, Gods,
queens and kings,

child of dreaming,
myth, wisdom,
pyramids, stone by
stone,
child of visionary
poet kings,
Sor Juana,

child of storytellers
and singers, Octavio
Paz, Rosario Castellanos,
child of perfect
beauty, Frida Kahlo, 
Diego Rivera, on the
500 peso bill,

child of Quetzalcoatl
and Xochiquetzal, la
madre Coatlique, 
great IxChel,

child of Sun and
Moon, every Star,
born to Earth/Sky,

child in tattered clothing,
worn, dirty shoes,
toes exposed, trying to
sell a useless
coupon,
the shiny, abundant
super market, the
blonde woman shakes
her head in disgust,
you beg, eyes
pleading,

hunger, comfort, bath,
clean clothes, some
safety, even love, a
hawk-eyed teen
watches you,
bullies you,

not to stop
begging, pleading,
your useless
coupon,
your brown
dirty hand, 

child of the ancestors, 
would the great poet
king, Nezahualcoyotl,
sing a poem to

you, child of 
despair and
hunger, filth,
your eyes still
shadowed with 

innocence.


Alma Luz Villanueva


http://www.almaluzvillanueva.blogspot.co.uk/

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Sangue de Bruxa

poder do meu sangue, seu segredo
envolto em línguas antigas
faladas por homens que se proclamavam
deuses e sacerdotes e oráculos - fizeram
rituais elaborados
cânticos secretos e ciclos exaltaram,
chamando as mulheres de impuras.
os homens mataram
fizeram a guerra
para fluir o sangue, de modo tão natural
qual mulher
uma vez por mês
homens vagaram pela terra para encontrar
a paciência da gravidez
a alegria do nascimento-
a renovação do sangue.
(o terrível e sangrento segredo: Ó mulher
ouse nascer
de si mesma)
me chamem bruxa
me chamem harpia
me chamem feiticeira
me chamem louca
me chamem mulher. Não
me chamem deusa.
não quero essa posição.

Eu prefiro olhar maravilhada, uma vez por
mês meu
sangue de bruxa.

Alma Luz Villanueva/ tradução Ricardo Pozzo

Witches' Blood

power of my blood, your secret 
wrapped in ancient tongues
spoken by men who claimed themselves
gods and priests and oracles – they 
made elaborate rituals
secret chants and extolled the cycles,
calling women unclean.
men have killed
made war
for blood to flow, as naturally
as a woman’s
once a month– 
men have roamed the earth to find
the patience of pregnancy
the joy of birth–
the renewal of blood.
(the awful, bloody secret: O woman
you dare birth
yourself)
call me witch
call me hag
call me sorceress
call me mad
call me woman. Do not
call me goddess.
I do not want that position.

I prefer to gaze in wonder, once
a month at my
witches’ blood.

Alma Luz Villanueva
As casas flamejam porque partiremos
para não voltar jamais.
Guillaume Apollinaire


Surgem a cada noite
uniformizados de musgo
desde a terra parturiente
Olham as luzes do cais
e ainda sonham
em regressar algum dia
Cheirar de novo o bairro
e correr até a porta
da casa mais triste
e entrar como entram
os raios solares
pela janela
na qual ninguém mais
se detém a olhar
onde já ninguém
espera a alegria.


Gustavo Caso Rosendi/ tradução Ricardo Pozzo


Las casas flamean porque partiremos
para no volver jamás.
Guillaume Apollinaire


Se asoman cada noche
uniformados de musgo
desde la tierra parturienta
Miran las luces del muelle
y todavía sueñan
con regresar algún día
Oler de nuevo el barrio
y correr hacia la puerta
de la casa más triste
y entrar como entran
los rayos del sol
por la ventana
en la que ya nadie
se detiene a mirar
donde ya nadie
espera la alegría


Gustavo Caso Rosendi

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Conselho

E se cada gota de sangue
derramada
pelos fuzis e metralhadoras
automáticas
mísseis de longa distância
veículos e aeronaves
tripulados remotamente
espirrasse
na face
de quem aperta o botão?

E se os espasmos de convulsão
das crianças feridas
pelas balas perdidas
fossem reproduzidos
nos tapetes das salas
de visitas
dos senhores da guerra?

E se a terra que cobre
as valas coletivas
dos cadáveres denominados
de efeitos colaterais
fosse depositada
nos fundos dos quintais
dos que financiam
com impostos e apoio
político-midiático
este circo
de infinitos horrores?

E se todos os esqueletos
das tantas guerras injustas
e justas
ficassem expostos
permanentemente
em Versalhes
Westminster
na Praça Vermelha
da Paz Celestial
ou no salão oval
da Casa Branca?

E se os lamentos das mães
que perderam seus filhos
nos genocídios
fossem o despertador
diário
dos líderes sentados
irresponsavelmente
nos assentos confortáveis
e permanentes
do Conselho de Segurança?


Thomaz Ramalho (Buenos Aires, março/2014)

sexta-feira, 4 de julho de 2014

desiderium

como quem vê no céu

que estrelas faltam

achar em cada falta

                        o seu desejo

& assim deliberadamente

                                          desastrá-lo


Guilherme Gontijo Flores

terça-feira, 1 de julho de 2014


News that stay news

Há 12.700 milhões
de anos uma estrela explodiu
numa autoaniquilação translucinada
partida em dois rastros
que então correram
quase na velocidade da luz
no seu fim brilhou tanto
que ofuscou toda uma galáxia
mas acabou por ilustrá-la
tanto que hoje astrônomos
munidos dos telescópios
mais inutilmente poderosos
estudam nessa luz arcaica
a por assim dizer
infância do universo
segundo especialistas
enquanto eu poderia
neste instante e noutra distância
arriscar-me ínfimo
tentar tocar a tua mão
ou roubar qualquer sorriso
fundando e fundindo-me no sol


Guilherme Gontijo Flores