terça-feira, 16 de abril de 2013

Sobre esquecer as chaves em casa


Salvador Dalí cruzando a Visconde com a Vinte e Quatro de Maio trajado de cão andaluz vê um monte de estudantes do Bom Jesus fardados e enfadados fumando um maço de cigarros mentolados deitados na praça Rui Barbosa e encosta num canto sem sombra um tanto assustado ao perceber que as rosas de
plástico que brotam do asfalto exalam o mesmo aroma artificial de tabaco que se encontra no pulmão do cidadão sentado no banco e nos dentes amarelados dos alunos do ensino médio e diante do tédio da quinta-feira ele ainda ébrio segue em direção ao telefone público da esquina e disca 3022-2324 e pede o combo mais barato do Vininha pra comer sozinho no caminho enquanto dá um rolê pela Linha Turismo e impressionado com o realismo dos mendigos esfomeados em contraste com a riqueza da cidade ele sente saudades de casa e caça nos bolsos da calça uma chave de ouro ou um relógio de bolso derretido que o leve de volta para o plano onírico situado entre A Girafa em Chamas e O Grande Masturbador tomando ciência da inexistência de tal souvenir Salvador começou a vagar à procura de alguma nuvem em forma de porta já que coincidentemente naquela hora o último biarticulado havia passado em frente ao passeio público e não havia outro modo seguro de ir embora foi quando Dalí percebeu que a partir dali assim como os relógios pendurados no muro em A Persistência da Memória ele estava trancado no próprio futuro pelo lado de fora.


Camillo José

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