Sabará - Curitiba
segunda-feira, 29 de abril de 2013
Não ao cabelo quieto
comportado e com horário.
Antes o branco mal pintado
balançando ao vento
umedecendo ao sereno
na relva.
Suavemente penteado
por olhos macios
e dedos coloridos.
Não à pele plastificada estéril
monocromática
sem mancha.
Antes as pintas
e cicatrizes de vida.
Não à face
sufocada em tintas
e endurecida de vaidade.
Antes os sulcos que
respiram livres
sem o olhar opaco
das ilusões.
Esses que não perdem
a noção do tempo,
pois não tem noção alguma.
Deisi Perin
quinta-feira, 25 de abril de 2013
poema-resposta (ou: inspeção da carcaça de um anjo por um destacamento de moscas sequiosas)
não, astolfo,
eu não diria "um pássaro de pano",
eu não diria isso. eu diria:
uma mosca.
uma mosca é mais terrível
que um botão de flor, que a campainha;
uma mosca (e outra mosca e outra ainda)
que pousasse, terrível
nos terríveis,
nos botões e nos gatilhos
em washington, cartago e hiroshima,
em troia e bagdá, em katyn
ou treblinka.
moscas dos verões berlinenses, entre
61 e 89,
passeavam – e livremente –
dos lixões ocidentais, onde
um braço decepado apodrecia,
às fezes semilíquidas
de burocratas do partido.
mosquinhas delicadas, idem:
roçaram os arames, os alarmes e vigias
e punham ovos
nos pomares de potsdam,
na árvore sem lembranças
em que enforcaram também suas crianças
os últimos nazistas.
mesmo ao lancetado cristo, quando
debandaram os apóstolos, é bem possível
que uma ou duas moscas
lhe fizessem companhia.
moscas mesmo sobre os corpos
de heitor e lincoln, menelau ou bonaparte,
aquiles, lênin, nixon.
e se ora elas põem ovos
no laquê de merkel, na lapela
dos financistas, nos bigodes
de todos os políticos,
na aposentadoria
de bush pai & filho & cia
– como antes
nas florestas da bolívia
pisaram sem coturnos
o rosto mais fashion
do socialismo –,
entortam, isso é certo, também a pose
de carla bruni (enésima-neta
de cesare, felipe – o belo)
supirando, ciciando uns versos
de emily dickinson.
e embora eu ame maiakóvski – o maior
poeta entre os políticos –
e me toquem mais que o claro enigma
as cartas de drummond a stalingrado,
nada impede que seja um pássaro
de pano imagem bem ridícula.
nada disso impede, astolfo,
que uma mosca seja a lira, dos homeros
a concisa, cantando aos mortos num campo de batalha;
nada impede
que uma mosca seja tanto
ou mais poética
que um avião de guerra, um helicóptero
sobre as torres de petróleo líbio:
pois se a mosca pousa e alça voo, astolfo,
acredita!,
também levanta os pós e as areias,
também encrespa as águas e cabelos,
espalha as páginas avulsas
dessa tua ilíada.
Rodrigo Madeira
segunda-feira, 22 de abril de 2013
a sua pele branca de algodão, 1
não fujo de uma rosa dolorida
nem quero a solidão tumultuada.
para morrer eu só carrego a vida."
romério
rômulo
terça-feira, 16 de abril de 2013
Sobre esquecer as chaves em casa
Salvador Dalí cruzando a Visconde com a Vinte e Quatro de Maio trajado de cão andaluz vê um monte de estudantes do Bom Jesus fardados e enfadados fumando um maço de cigarros mentolados deitados na praça Rui Barbosa e encosta num canto sem sombra um tanto assustado ao perceber que as rosas de
plástico que brotam do asfalto exalam o mesmo aroma artificial de tabaco que se encontra no pulmão do cidadão sentado no banco e nos dentes amarelados dos alunos do ensino médio e diante do tédio da quinta-feira ele ainda ébrio segue em direção ao telefone público da esquina e disca 3022-2324 e pede o combo mais barato do Vininha pra comer sozinho no caminho enquanto dá um rolê pela Linha Turismo e impressionado com o realismo dos mendigos esfomeados em contraste com a riqueza da cidade ele sente saudades de casa e caça nos bolsos da calça uma chave de ouro ou um relógio de bolso derretido que o leve de volta para o plano onírico situado entre A Girafa em Chamas e O Grande Masturbador tomando ciência da inexistência de tal souvenir Salvador começou a vagar à procura de alguma nuvem em forma de porta já que coincidentemente naquela hora o último biarticulado havia passado em frente ao passeio público e não havia outro modo seguro de ir embora foi quando Dalí percebeu que a partir dali assim como os relógios pendurados no muro em A Persistência da Memória ele estava trancado no próprio futuro pelo lado de fora.
Camillo José
Amálgama
A vida me persegue com seus timbres
Roucas vozes do acontecimento;
Nada me amedronta mais
Que a face intacta das coisas.
Tomo de açoite o banquete das rosas
Oásis de brancura estendem-se
Em escarlates ensandecidos
De-lírios à veia acesa.
Restam desertos
Que o sol, tresloucado
Chama de poemas.
A areia arranha o silêncio do pêlo e sua
Mistura de sal no sentido da pele
Perduram águas.
À sina de mim
Amálgamas vertem suas misturas
Que a pureza dos olhos
Chama pássaros
Circundam o mel do corpo
Venta, na eriçada
Flor do ventre.
Roberta Tostes Daniel
quarta-feira, 10 de abril de 2013
terça-feira, 9 de abril de 2013
O carrinheiro carrega o fardo de seus sonhos desfeitos
feitos de papelão que queimam no dia a dia a ilusão
vivem pra ontem à correr pro hoje
a passos mortos no agora da ágora.
O carrinheiro com que ganha alimenta de sal a esperança
nas vísceras o sabor do café fraco e frio pro filho sua
herança
nos seios secos de leite ainda verte da dor o amor
pedra que rasga o coração no arame do choro faminto da
criança.
O carrinheiro com o vento leva as cicatrizes de suas pegadas
o sangue seco na secura de seus olhos fantasmas
só ilumina a luz de sua sombra companheira
do fiel cão que dá a vida sem exigir o seco pão
corpo de Cristo na fé que transcende a razão
cão que come a carne que resta quando encontra
lhe basta a carne do vento na sombra do carrinheiro.
O carrinheiro carrega sua sombra fantasma na sombra da selva
da cidade parte pedaços parte em pó nas partes da cidade
paisagem qual pedra um Pedro ou Zé nas sombras
Ao dia que se amontoa e soterra a noite que ilumina na
escuridão
as trevas nada a gota humana carregando a si e o que de si
resta
è o que presta presto cavalo homem da urbe trituradora
vapor trabalho desconstruindo na força motriz a mercadoria
Segue animal alienado lutando por sua humanidade diante do
aço e do vidro.
È só o pó que resta da mercadoria a força de trabalho de
valor tão escasso
tão sem cifrões e zeros só o valor reciclável de uma vida
Segue a poesia nas pegadas do cão ao caminhar
Parte da paisagem sombra sangue que escorre das cicatrizes
da cidade
Tiro de verdade na ilusão
soco no estomago da Feliz Cidade.
Wilson Roberto Nogueira
sábado, 6 de abril de 2013
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