sexta-feira, 30 de agosto de 2013
Promessa
“Pássaros voam/pássaros tombados”; Raul Macedo
Todo irrevogável instante.
Mas nada está perdido
desde que tudo se perde
adiante, flui
como pássaro,
revérbero do ar - flauta,
transversa o tempo.
Presente, pressinto.
Sob os braços do vento.
Roberta Tostes Daniel (2012)
quinta-feira, 29 de agosto de 2013
quarta-feira, 28 de agosto de 2013
Quero amor, quero sexo, então, fico quieto!
Vou pegar a segunda via de uma conta. Nem importa a conta, detalhe que de nada serve nessa tentativa aqui de escrita. Vejo, ao lado, um funcionário meio calvo atender uma mulher com evidente queda de cabelo. Observo a exigência pesada de chapinha, a raiz agonizante tentando falar por olhos faiscantes, de tão nervosos. Não sei por que acho isso curioso. Invento de observar cada coisa. Talvez porque muitas mulheres têm queda de cabelo. Ou porque, na vida atual, há uma maior incidência de mulheres com queda de cabelo.
Elas ficam atônitas. Procuram médicos, horrorosos, então se desesperam mais, e aí ficam com mais queda de cabelo. Mas elas ainda estão no lucro em comparação com a porcentagem masculina com tendência à calvície. Porque a mulher tende a gastar menos. Mas talvez, também, a sua missão seja pior, quer dizer, dificílima: vencer as causas da sua nervosa queda de cabelo. Porque o corpo vai indo, indo, e não aguenta essas mulheres, deve ser isso. Nem o corpo aguenta uma mulher. De onde veio essa? De onde fui tirar esse anátema da literatura? Vou deixá-lo só pela dúvida se isso é muito ruim ou se trata de um achado antropológico.
Aliás, minha atendente ficou felicíssima com a minha opção pelo botão excelente ao avaliar seu atendimento. Sorriu. Sorri. Tão bom sorrir. Tão bom procurar o sorriso e encontrá-lo. Inclusive, nem sei por que sorri. Sorry. Sorri sem motivo e achei tão sincero, tão lá de dentro, só não sei bem de onde, e aí veio uma vontade de rir meio gargalhada, sabe? Aí deu mais ataque de riso ainda, porque não há motivo. Acho que é Luiz Tatit, numa letra brilhante, que elucida exatamente isso que estou sentindo, com toda a veracidade que aqui relato.
Acho que comer pipoca doce, também, dá uma alegria que, tão estranha, chego a suspeitar que eu esteja atingindo a iluminação tibetana. Será efeito dos protestos que tomaram o Brasil nos últimos meses e me deixaram desse jeito? Vai ver a política entrou na minha veia de tal forma e me deixou assim, numa nova versão, e eu ainda não tinha percebido. Será que tenho bipolaridade e ela está em oscilação, e agora está me levando para cima? Estou me estranhando. Será que alguém sorrir sem motivo é sinal de ser bipolar?
O engraçado, aqui em Curitiba, é sorrir no meio da rua. As pessoas te olham desconfiadas. A cara de espanto delas diz algo tipo, “o que ele tem para estar sorrindo assim?”, “será um surto psicótico?” Outras, mais sensíveis, olham como quem diz, “que é que foi, vai encarar, é?” Outras ainda, grunhem, sério, seus olhos grunhem, como latidos. Bravas mesmo. Uma desconfiança indisfarçada é preponderante. Algumas se indignam e a expressão não consegue calar o quanto eu soo intrigante.
E então eu sorri, sorri pelas ruas, sorri lambendo as gotas de chuva amáveis de tão permissivas, porque são poucas e me permitem caminhar sem o broxante guarda-chuva que impede meu trabalho de escriba. Pingos generosos, esparsos, preguiçosos de se despejar na montanha que eles mais adoram se descarregar, Curitiba, porque num outro dia não teria essa mesma sorte, nem essa alegria, nem esse sorriso.
Fazendo uma análise que adoraria ser profunda, é preciso rever essa fama de o curitibano ser um povo mal-humorado. Discordo. Estou vivendo isso na pele. O povo curitibano é o mais bem humorado deste nosso país tropical. Só ele, com a sua vontade de viver, com sua determinação em acordar com um frio desagradável que oscila entre 10 graus para menos às 6h da matina, sem calefação, só ele para olhar o céu cinza em degrades e encara o seu dia. Poxa, o curitibano merece um prêmio por ser um bravo brasileiro.
Está bem, pegando a carona na nova escriba que resolveu falar em mim, vou dizer, sem pensar, um, dois, vai lá, porque isso pode ofender o meu querido povo curitibano. Fico pensando como eles transam. Pouco se vê de olhares lascivos. Hoje, até pensei, num ímpeto imediatista, em escrever naquele fatídico quadrinho do Facebook. Ah, aquilo é uma verdadeira armadilha para os impulsivos, ou para aqueles que estão segurando algum grande sentimento. Quase aquele pequeno retângulo me incitou a propor uma conferência virtual local, ao afirmar – ali, no quadrinho – “estou pensando em fazer sexo”.
O que será que diria o curitibano? O que sua mente processaria? Também está aí outra coisa que não entendo. Com esse frio, tão convidativo a esses prazeres, destino perfeito para momentos íntimos, por que o curitibano se comporta dessa maneira como se fosse tirado de uma creche depois de chorar durante horas pela falta da mamãe? Onde estão seus hormônios que não criam comportamentos involuntários que lembrem as ideias criativas de Nelson Rodrigues? Ou para ser mais local, que lembrem as histórias proibidas para menores do brilhante Dalton, que faz ziguezague anônimo pelas nossas esquinas?
Já sei! É justamente por isso. Porque o curitibano tem que acordar cedo, é um povo trabalhador para caramba, dá um duro danado, e isso em plena cidade propícia aos volteios do amor, onde ele não pode dar vazão a pensamentos lascivos. Analistas de plantão, me ajudem a elucidar a questão!
Também é curioso. Justamente hoje, quando menos posso escrever a mão – sim, esse texto que você está vendo foi tele-transportado via digitação, mas foi feito a mão mesmo. Pois então, às vezes ser escritor é muito injusto. A gente escreve, escreve, e aí, quando não se pode escrever, aí é quando se escreve, entende? Vou explicar. Acontece que quase decepei o meu dedinho. Ah, estou meio Marilyn, acho que o anti-efeito do estilo curitibano. Não é o dedinho, cara mia, é meu polegar esquerdo, que é a minha mão direita, dá para entender, né?
Então, agora, que tenho que dividir minha disciplina diária entre leitura, escrita, piano, ministrar aulas de voz – o texto resolve ficar horas comigo. O texto, meu texto!, me dou conta, tem um lado sacana. Logo, aviso aos amigos: cuidado com seus membros! Sim. Falo por mim. Me cito como exemplo. Me excito, cito, excito, cito, isso dá para aproveitar, ah, dá para parar? O que está acontecendo comigo? O dedinho, melhor, o polegar, ai, dói, mas tem que ir mais um pouco em frente. Digo, a questão é psicanalítica, entende?
Aviso que meu dedo está doendo em todas as fases dessa redação e edição. Está bem. Vou tentar ser objetiva. Inconscientemente, meu corpo avisou que era para eu diminuir o ritmo. Estava acelerada demais, por isso quase esmaguei meu dedo na porta do carro, no último sábado. Por outro lado, sendo o polegar – um certeiro delírio lacaniano aqui infere – e ainda atravessa as fronteiras do privado e invadindo soberanamente o coletivo – seguindo rumo à análise histórica do meu dedo machucado, ou seja, a pergunta que se faz é “o que meu dedo fala?” Ele fala que não é bem assim. Ou seja, meu dedo não pode acenar que está tudo ok, com aquele polegar de esquerda caprichado, entende?
Sorte que ninguém me lê. Sorte. Sorte que não dou ibope. Ah, aproveito para dizer outra coisa. Agora sei o motivo deste texto eclodir aqui. Ontem terminei a noite com D. Quixote e comecei a manhã de trabalho com ele. Retomei a leitura que andava largada nos últimos dias. E aí, a influência do cavaleiro da triste figura resultou nesse texto estranho, que me atravessa os dedos e se compõe aqui, na minha frente.
Esses dias, observando um evento cultural, o pessoal daqui tentava descrever como é o curitibano. Coisa esquisita. Ninguém falava palavra nenhuma. Estranho. Ficou na pontinha da língua e quase falei. O curitibano é quieto, não fala com desconhecidos. Às vezes, talvez por razões internas – não cumprimenta na rua os conhecidos, e, às vezes, tem repentes de urbanidade surpreendentes com turistas e gente de fora, o que encanta até eles próprios. O curitibano é uma graça. Está vindo uma geração após outra, ou seja, um povo misturado. Ideias novas estão se miscigenando às antigas. E meu dedo está doendo.
O curitibano é ainda um último romântico. Uma pesquisa, não lembro exatamente a fonte, mas ouvi esses dias na BandNews, falava que o curitibano é, dentre todas as capitais, o que menos se interessa por sexo. Entre as razões, pelo seu perfil conservador, ele é o que menos transa sem envolvimento. Agora ponho um dedo aqui nessa análise. O curitibano é assim fechado porque ele é justamente o contrário disso. Ele quer amor, quer ser aceito, tem dificuldades para ser amado, e ainda não percebeu isso!
É como se o seu comportamento contido dissesse “quero amor, quero sexo, então, fico quieto”. Uma atitude, em boa parcela ainda, extremamente feminina. Então, parece que elucidei a questão ou enlouqueci. Quem vai a Curitiba, não põe crase, mas ainda assim, Curitiba é absolutamente feminina, ou seja, há uma crase enrustida.
Só sei que quero ver o que vai dar. Quero ver esse povo focado, trabalhador, novo, vindo, vindo, quero ver de camarote esse povo curitibano se descobrindo. E como a instância espiritual e a literária, neste ponto, até comungam, ou seja, as grandes ideias estão na rua, hoje ouvi, de raspão, na entrada de um shopping, um rapaz dizer ao outro. “Pô, a Saiane é muito gostosa”. O outro concordava, “é, ela é gostosa mesmo, sabia que ela trabalhou em Salvador?” O que me mais me intrigou nessa mensagem do poderoso acaso foi que o radical do nome, Sai-ane.
Darlene Dallarmi
sábado, 17 de agosto de 2013
sexta-feira, 16 de agosto de 2013
Ela, que contraiu matrimônio com Tânatos, e nos deixou cedo demais
Oisive jeunesse
À tout asservie;
Par délicatesse
J' ai perdu ma vie.
Arthur Rimbaud; Chanson de la Plus Haute Tour
atino em eufórica
sensação de escombro:
mais importante que ser feliz
é estar vivo!
Rodrigo Madeira; lanterneiro
para i. v.
Réplica de Walter
Benjamin,
sem poder cruzar
fronteiriças regiões
psíquicas,
em ágil e instantâneo
movimento,
você deslocou a
vida para fora de si.
Restou o nó na garganta,
os pés no vazio,
desfraldado pavilhão
do desperdício.
Retorna o sol manso,
de inverno,
aquecendo outra
manhã de segunda
(só você não viu?)
das rotinas sonâmbulas,
do mesmerismo coletivo
vendido por oneroso
suor à indústria
da mídia.
E suas carnes não mais ninho
de ávidos amantes,
nem seus ouvidos para
only rock and roll
but we like it,
nem seu paladar
a saborear colheres
de chocolate com amêndoa,
ou lúpulo fermentado.
Nem o colo
inestimável,
imprescindível
para suas meninas
(suas meninas, meu derradeiro
argumento)
Só o monstro do Real
agora lhe devora.
Restei, com essa cara
de panaca
que me olha do
lado do mundo de Alice
e um ar tão denso
quanto um derramamento
de óleo.
Não bebi do mesmo
copo para medir
as perspectivas da escolha
porém, você também
não bebeu dos que,
no dia seguinte,
foram convertidos a
meras estátuas de sal,
sem filha,
sem mãe,
sem irmã,
nem igual.
Se, símile ao torna-lar e
ambidestro na Arte,
próximo à rocha
onde os rios ecoam,
consagradas oferendas
ao cavado fosso,
invocada licença
aos guardiões do Érebo,
pudesse ver sua ânima,
estaria você mais sábia?
E, estando mais sábia,
desvelado Tânatos e seu
enfadonho mistério,
rogaria à Perséfone ou
à qualquer Orishá balê,
que voltasse à matéria
por apenas uma noite,
no verão,
para, com suas filhas,
poder simplesmente
admirar sóis longínquos
e com elas rir,
sem nenhum motivo.
Ricardo Pozzo
À tout asservie;
Par délicatesse
J' ai perdu ma vie.
Arthur Rimbaud; Chanson de la Plus Haute Tour
atino em eufórica
sensação de escombro:
mais importante que ser feliz
é estar vivo!
Rodrigo Madeira; lanterneiro
para i. v.
Réplica de Walter
Benjamin,
sem poder cruzar
fronteiriças regiões
psíquicas,
em ágil e instantâneo
movimento,
você deslocou a
vida para fora de si.
Restou o nó na garganta,
os pés no vazio,
desfraldado pavilhão
do desperdício.
Retorna o sol manso,
de inverno,
aquecendo outra
manhã de segunda
(só você não viu?)
das rotinas sonâmbulas,
do mesmerismo coletivo
vendido por oneroso
suor à indústria
da mídia.
E suas carnes não mais ninho
de ávidos amantes,
nem seus ouvidos para
only rock and roll
but we like it,
nem seu paladar
a saborear colheres
de chocolate com amêndoa,
ou lúpulo fermentado.
Nem o colo
inestimável,
imprescindível
para suas meninas
(suas meninas, meu derradeiro
argumento)
Só o monstro do Real
agora lhe devora.
Restei, com essa cara
de panaca
que me olha do
lado do mundo de Alice
e um ar tão denso
quanto um derramamento
de óleo.
Não bebi do mesmo
copo para medir
as perspectivas da escolha
porém, você também
não bebeu dos que,
no dia seguinte,
foram convertidos a
meras estátuas de sal,
sem filha,
sem mãe,
sem irmã,
nem igual.
Se, símile ao torna-lar e
ambidestro na Arte,
próximo à rocha
onde os rios ecoam,
consagradas oferendas
ao cavado fosso,
invocada licença
aos guardiões do Érebo,
pudesse ver sua ânima,
estaria você mais sábia?
E, estando mais sábia,
desvelado Tânatos e seu
enfadonho mistério,
rogaria à Perséfone ou
à qualquer Orishá balê,
que voltasse à matéria
por apenas uma noite,
no verão,
para, com suas filhas,
poder simplesmente
admirar sóis longínquos
e com elas rir,
sem nenhum motivo.
Ricardo Pozzo
quarta-feira, 7 de agosto de 2013
terça-feira, 6 de agosto de 2013
SUBSISTERS [barbara] 2 VO
bárbara de novo na área, colgada, capturada e cocinada. não podia falar mais rápido, correr mais longe, não o suficiente. eu ajudo-a desfazer a mala. arrepios quando o camisón de seda desliza através dos dedos. e o brilho que as lantejoulas no vestido de noite...podem ter. bárbara atrevia, em cada canto da sala queria porque queria acender um novo cigarro. frente à branda janela o crepúsculo da cidade pequena, o pequeno mar instável, em noite de pouco peixe.
Uljana Wolf/ tradução Ricardo Pozzo
barbara ist zurück. hooked, caught and cooked. keine konnte schneller sprechen, weiter laufen, nicht weit genug. ich helfe ihr, den koffer auszupacken. gänsehaut, wenn mir die slipdress seide durch die finger rinnt, und auf dem abendkleid das glänzen der pailletten... kannste haben. barbara keckert. in jeder zimmerecke steckt sie eine neue zigarette an. vorm fenster fad die dämmerung der kleinen stadt, das kleine klatschende meer, nacht der kleinen fische.
Uljana Wolf
segunda-feira, 5 de agosto de 2013
domingo, 4 de agosto de 2013
Subsisters [jane] 3 OcT
com jane combinava minha tia, sempre alegres. sua tristeza foi dividida nas cores do berçário e da colméia. jane era meu acordo com o jardim onde acomodávamos o jardineiro, a madeira brilhante do arce e a bengala vermelha. jane era tão valente a ponto de enterrar tudo sozinha. dessa profundidade, ao pôr do sol, elevava o olhar, ou o que restava dele, sob o lenço na cabeça. nas lentes, ganhavam terreno lentamente as ruas com suas casas em miniatura.
mi hermana estaba demasiado vieja para la guardería, pero el
jardinero por otro lado no tiene la edad suficiente
Uljana Wolf/ tradução Ricardo Pozzo
3 OmU
mit jane verbanden meine tanten immer freud. ihr leiden war unterteilt in die farben baumschule und bienenstock. meine vereinbarung mit jane war der garten, darin wir die gardner, das glühende holz des ahorn und den roten gehstock unterbrachten: jane war so mutig, alles allein zu vergraben. aus dieser tiefe hebt sie, mit der untergehenden sonne, den blick, oder was davon blieb, unterm kopftuch. in den gläsern arbeitet sich die straße langsam vor in ihre miniaturhäuser.
my sister was too old for the nursery but the
gardner on the other hand wasn’t old enough
Uljana Wolf
sexta-feira, 2 de agosto de 2013
Subsisters [jane] 3 VO
com jane, que poderia ser minha tia, alegrias e tristezas compartilhadas no clube. digo berçário, jane colméia. fora isso, poucas concordâncias. mas o jardim, o jardineiro, o vermelho incandescente do arce e do roseiral da casa: encorajo jane a tudo. basicamente, ela é, frente ao sol poente, sempre atraente. seu lenço na cabeça trabalha por ela e no óculos de sol, ao despedir-se, voam as casas na rua de volta para suas cores miniaturizadas.
Uljana Wolf/ tradução Ricardo Pozzo
mit jane, die fast meine tante sein könnte, freud und leid im club geteilt. ich sage baumschule, jane beehive. sonst kaum übereinstimmungen. aber der garten, der gärtner, das glühende rot des ahorn und der rosenstock am haus: ich ermutige jane zu allem. im grunde ist sie, gegen die untergehende sonne, noch immer ein hingucker. ihr kopftuch arbeitet für sie, und in der sonnenbrille, beim abschied, fließen die häuser der straße zurück in ihre miniaturfarben.
Uljana Wolf
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