segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Esconderam

esconderam o som
e a árvore atrás de um cartaz esconderam
os corvos de van gogh na morte da arte
esconderam os sacos de pipoca amarelo
e colocaram as pipocas todas
para flutuar em um lago sujo
tão sujo que
seu reflexo morria
antes de atingir o céu
o arco do céu era exatamente como a tampade coca cola
os motores pariam
uma ejaculação como o palanque do presidente
notas de dólares já não valem nada
taparam o sol eterno sol  com suas milhares de explosões
que um dia engolirá o universo com uma foto meio sépia esverdeada
de abraham lincoln
(& eu não sei quem foi abraham lincoln para
estampar uma nota de dinheiro se temos a possibilidade de olhar toda a história da arte do passado & escolher as mais belas figuras)
eu colocaria macunaíma na nota de dez reais
allen ginsberg já colocou alguém no parlamento ou
alguma imagem nas notas de dinheiro
eu quero colocar minha mãe na nota mais valiosa
pelo simples fato dela cultivar tão belamente suas orquídeas
que tenho certeza que nenhum herói ou papagaio
seria capaz de fazer o mesmo
mas isso porque esconderam os animais
e proibiram o circo e as mulheres barbadas
então tudo agora desfila na bela rua da democracia
com gays vegetarianos anarquistas punks & operários
todo mundo fala alguma coisa em direito de falar outra coisa
mas esconderam a voz em algum lugar
esconderam a voz na música de comercial
esconderam a fotografia em que todos pareciam felizes
agora todos parecem vestidos em jeans eróticos
com imensos pênis impossíveis de penetrar um cu
& mulheres com tantos litros de silicone
que fazem inveja aos seios de verdade
esconderam a bunda de verdade
colocaram uma bunda falsa no lugar da bunda de verdade
só existem agora bundas falsas
& investidores da bolsa querendo
mulheres & homens com bundas falsas
agora, para mim,
     O mundo parece uma bunda falsa
caminhando em direção à vitrine de liquidação mundial
esconderam os preços atrás
da casca das frutas
vigiaram o nível de água das correntezas
& prenderam a mulher do índio num
programa de alfabetização do governo federal
esconderam tudo: a aldeia a canoa a mandioca
o descascador de abacates
o pênis do menino indígena
esconderam a montanha na qual sopravam flautas
& vertiam o sangue de um animal
em homenagem às suas vidas
fizeram isso & fizeram uma proganda de cerveja
colocaram mais silicone
até letras tem silicone
escorre silicone pelas letras
porque esconderam o sentido das palavras
e precisaram de borracha pra chamar a atenção
esconderam alguma coisa sobre o que acontecia no universo
os astronautas falam muito pouco
todos sabem que a terra é azul que
ela gira tem tantos tantos e tantos tantos
de coisas assim conhecidas desde a primeira enciclopédia
e a ciência não avançou um terço na explicação do mundo
exceto na fabricação de celulares
e esconderam as cartas longas e longas declarações de amor
por cartas fúnebres de telemensagens
& gente idiota falando de coisa alguma
no fumódromo de alguma boate
esconderam a poesia em algum canto sórdido de disciplina
fizeram bombas mais reais &
esconderam o efeito em algum acordo de bunda de silicone
os jovens desejam ganhar mais dinheiro
querem fama sucesso um carro novo um emprego uma namorada
um casamento com direito à embriaguez pelo menos uma vez na vida
uma apólice de seguro que ateste que ele não morrerá de alguma doença desconhecida
ou despedaçado como um bife na batida de um carro
os jovens querem tudo o que o dinheiro pode esconder
mas esconderam o dinheiro
esconderam tudo
para que alguém encontrasse
e fizesse um poema

Augusto Meneghin

2 comentários:

Tullio disse...

O único poema que li até hoje, que pode se equiparar e dialogar com o Eine Fratze (traduzido como ''Um Esgar'') do meu camarada Georg Heym.
Fantástico vaticínio de um augustissimo poeta!

T.S.

Natália Nunes disse...

nossa, há quanto tempo não passo por aqui!
mas a qualidade do espaço continua a mesma.
gosto muito.