E, pensei, se têm razão
tanto Heráclito e Parmênides
e lado a lado existam dois mundos,
um tranquilo, outro louco, uma flecha
zune sem reflexão e outra a observa
tolerante: a mesma onda flui e não flui,
os animais nascem e morrem ao mesmo tempo
folhas de bétulas brincam com o vento e, por sua vez,
fenecem na chama ferruginosa e cruel.
A lava mata e perpetua, o coração golpeia
e é golpeado, houve guerra, não houve guerra,
judeus morreram, judeus vivem, cidades arderam,
cidades estão de pé, o amor empalidece o beijo eterno
marrons hão de ser as duas asas do falcão,
você segue comigo, embora já não estejamos,
os navios naufragam, areias cantam e nuvens
vagabundeiam como pedaços de véus nupciais.
Tudo está perdido. Tanta alucinação. As colinas
cautelosamente carregam longas bandeiras do bosque
o bolor sobe a torre de pedra da igreja
e elogia, com seus lábios timidos, o norte.
Ao crepúsculo, jasmins como lâmpadas ferozes
brilham atordoados com seu próprio resplendor.
No museu estreitam-se ante a lona escura
pupilas felinas de alguém. Está consumado.
Cavaleiros galopam seus negros corcéis, o tirano escreve
uma sentença de morte repleta de erros.
A juventude torna-se nada no transcorrer
de um só dia, o rosto das moças torna-se
medalhões, desespero torna-se encanto
os frutos das estrelas crescem no céu
como uvas, a beleza dura, trêmula e impassível,
Deus está e morre, a noite regressa ao nosso lado
a cada entardecer, e é, o arrebol, madreperolado pelo orvalho.
Adam Zagajewski/traduzido da versão em espanhol de Elzbieta Bortkiewic por Ricardo Pozzo
segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014
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2 comentários:
pô, um baita poema, pozzo!
lembra no tema (não na forma, é claro) certos poemas do borges...
Why does this blog bring more color to my life? :)
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