sábado, 28 de janeiro de 2012
chuva de verão. o domingo não tem margens. e olha eu aqui ensaiando uma orquestra de beijos, pedindo para dormir na parte de trás de seus joelhos. meu cérebro é um fosso, no fundo dele reside um bando de crocodilos vorazes sem cérebro. fazer o que se tenho a saudade frágil? isso vem da época em que eu tinha miragens nos olhos em vez de pupilas e retinas. chuva. e esse domingo é um péssimo dia para eu estar assim tão católico. francamente... faz muito tempo que não entendo absolutamente nada de nada, e não sei o que é a poesia. só sou um piá de bosta romanticão, meio punk rock meio vanerão, que a todo momento precisa justificar ao seu melhor amigo: ela só pode ser mutante, cada vez que a gente se encontra está mais bonita. devo falar isso fazendo a cara mais estúpida da terra, com a língua de fora e os olhos um pouco vesgos. malditos superpoderes (os que ela tem). tá bom, mais detalhes: ela tem a voz um pouco rouca, não bebe, não fuma (cigarro nem maconha). ela nada três vezes na semana (essa parte talvez seja mentira). ela só lê alta literatura, mas muito lentamente (vai que a cama de uma mulher solteira é a dor dessa mulher solteira). é inteligente e não é pedante. ela não tem um pai (nem irmão) filho da puta (isso ajuda). gosto do seu cheiro e de sua educação desajeitada. talvez ela seja mais doce do que precisaria. ela lembra muito a Penélope Cruz (isso talvez não bata bem). ela não é evangélica, nem santinha. ela é mais assim: seio bonzinho, seio malvado. e fica mais frágil em dias de chuva. bem, não sei mais o que dizer, às vezes acho que ela me ama menos do que ama o seu guarda-chuva (cito). ah, eu não devia escrever essas coisas e correr riscos (minha mão é o meu coração). mas domingo é um dia oco (Clarice, também tenho direito). sei lá, talvez eu seja um merda. talvez eu não seja o seu fodedor. sabe, o que a gente não consegue ser é também muito o que a gente é. talvez eu não passe de um seu cãozinho, seu rex. mas pelo menos hoje meu nome seja relax.
Luiz Felipe Leprevost
sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
O Bico do Cisne
Ela queria achar sua tesourinha dourada de ponta de bico de cisne, mas somente achou chaves, umas chavinhas graciosas em um maço de três, dentro de um saco com velhos vidros e jarros, que foram todos para o lixo, e um cadeado vermelho, também com chave e um bichinho de pelúcia que ela mesma fizera, com um olho maior do que o outro. Ela pensou que talvez sua mãe tivesse um jeito mais doce e funcionário público de ser segura do que seu pai liberal e comunista angustiado, que diferença fazia isso agora ao defrontar os fracassos da vida, mais um será possível, mas o fato é que o suco de mirtilos lhe parecia insuportavelmente artificial. Tudo lhe parecia artificial. Um suco colorido, continha anidrido sulfuroso, como ele dissera assim na lata. Será que isso era uma tinta, uma cor, um gosto, um cheiro, um nada. Unhas passando pelo vidro. O saco de velhos artesanatos continha vidros de amostras da Deirolle, Paris. Que coisa mais poeirenta e insuportavelmente poética, ela sabia que nunca, jamais poderia se desfazer dos frascos da Deirolle, sob pena de ser amaldiçoada para sempre até cair de vestido dentro de um córrego e morrer afogada com todos os cabelos flutuando ao seu redor. O vestido era verde. O seu cachorro estava ficando cego mas mesmo assim os vaga-lumes brilhavam no jardim e tentavam entrar pela janela para morrer aos poucos apaixonados pelas lâmpadas elétricas. Eles tinham o corpo comprido com duas listinhas como tantas sementes de girassol ; todavia, apesar de serem apaixonados pela luz, não brotavam quando plantados, apenas se deixavam ficar em passiva nitidez na estante branca quando ela os achava de manhã, pegava-os na mão e os colocava para fora, agarrados a uma folha da palmeirinha anã. Resignada com a cegueira remelenta, sem muito o que fazer, ela catou os Deirolle de volta da lata de lixo onde jaziam em meio a cascas de abacaxi. Rezando para o que o sol não os esturricasse, mas agora era noite, ora essa que brilhassem. Os vaga-lumes, não os frascos. Por que será que tudo isso era tão difícil as lágrimas iam escorrendo bobamente pelo travesseiro e ela via que as nuvens passavam, passavam na verdade muito rápido e havia as luzes de um avião entre elas, que passavam também, na direção oposta até que o quarto parecia estar voando. O cachorro cego talvez ainda fosse possível salvar, uma impossível dívida na veterinária que lhe dava chocolate na boca, mas os monstros de feltro velhos agora jaziam semi-mortos cheios de traças e nem mesmo a tesoura de ponta de grou ou de qualquer pássaro do bico pontudo ela não conseguira mais achar, para retirar uma etiqueta áspera que lhe agredia a nuca como um beijo de barba crescida. Quem dera. Uma simples amizade perdida. Qualquer lojinha barata de armarinhos resolvia isso em menos de cinco minutos. Era ela que o deixava tonto, ele dissera. A etiqueta raspava e ela jogou a blusa na cesta de roupa para lavar. Pronto.
Cláudia Lopes Bório
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
Fizeste bem em sair, Arthur Rimbaud!
Fizeste bem em sair, Arthur Rimbaud! Teus dezoito anos refratários à amizade, à malevolência, à estupidez dos poetas de Paris, assim como o ronronar de abelha estéril de tua família ardenense um pouco louca. Fizeste bem em lançá-los para longe, colocá-los sob a lâmina de tua guilhotina precoce. Tiveste razão para mudar o boulevard dos preguiçosos, as tabernas dos mijadores lírios, o inferno das bestas, o comércio dos astutos e o bom-dia dos simples.
Este impulso absurdo de corpo e alma, esta bala de canhão que atinge seu alvo fazendo-o explodir. Sim, a vida de um homem está bem no além! Não se pode, ao deixar a infância, estrangular indefinidamente o próximo. Se os vulcões pouco mudam de lugar, sua lava atravessa o grande vazio do mundo e lhe outorga as virtudes que cantam em suas feridas.
Fizeste bem em sair, Arthur Rimbaud! Nós somos daqueles que acreditam, sem provas, que a felicidade é possível com você.
René Char/ tradução do francês de Mario Bojórquez/ tradução do espanhol Ricardo Pozzo
segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
FICÇÃO - ananse (textos e imagens)
laguinhos brincam de balanço
no crochê de fio de prata
lendo as estórias de Ananse
Texto e foto: Susan Blum de Moura
domingo, 8 de janeiro de 2012
sábado, 7 de janeiro de 2012
o silêncio vai raspando a pele até cortar a veia do sentimento
o sangue verte irrigando o sofrimento
que germina novas luas
de plácidos rostos em lagoas puras.
Jogo o anzol e só espero o prateado brotar peixe
faminto não sinto dores nem o clamor da fome
não vejo a lua me olhando triste no fundo do lago
só o peixe essa moeda da minha angústia.
palavras são foices ou seda, lã ou adaga
em mim elas saem como desespero de peixes
numa lagoa a secar no olhar de prata da lua
O sorriso plácido do silêncio é uma adaga
um sorriso que corta sem saber
corta o ar da gota prateada que se fez peixe
e não sabe por que seu mundo está a secar.
talvez ele já não saiba mais amar.
Wilson Roberto Nogueira
sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
Dicas para se visitar lugares sem fazer uso de papel moeda ou cartão de crédito
1. Relativizar a distância proposta e escolher entre pegar carona ou o atrevimento de ir caminhando.
2. Vigiar a noite.
3. Repousar de dia.
4. Cuidar para que não roubem seus calçados.
5. Frequentar os melhores restaurantes pela porta dos fundos, de preferência após as 14 horas, para almoçar sobras.
6. Improvisar talheres.
7. Perceber que o que é pouco pode tornar-se suficiente pois até a sobra pode faltar.
8. Usufruir o vento no rosto.
9. Discernir que a sobrevivência é feroz apesar de consistir naquilo que é simples.
10. Abdicar do rigor da higiene.
11. Consequentemente, abdicar do flerte.
12. Não frequentar estabelecimentos comerciais pela porta da frente, a não ser que esteja necessitando de adrenalina, porém aguente consequências.
13. Aguentar consequências.
14. Usar do filtro lúdico ao perceber olhares de estranhamento, pois eles diminuirão na medida em que você se tornará invisível.
15. Contemplar estrelas.
16. Ao mesmo tempo, aguçar os sentidos frente aos perigos, ou seja, revitalizar o selvagem.
17. Escolher o coletor; abdicar do caçador.
18. Compreender a diferença entre o desprezo, o menosprezo e a compaixão*
19. Destilar as horas, sabendo que só há o hoje, cingido entre duas refeições [se houver sorte] e um lugar seguro para repousar.
Ricardo Pozzo
2. Vigiar a noite.
3. Repousar de dia.
4. Cuidar para que não roubem seus calçados.
5. Frequentar os melhores restaurantes pela porta dos fundos, de preferência após as 14 horas, para almoçar sobras.
6. Improvisar talheres.
7. Perceber que o que é pouco pode tornar-se suficiente pois até a sobra pode faltar.
8. Usufruir o vento no rosto.
9. Discernir que a sobrevivência é feroz apesar de consistir naquilo que é simples.
10. Abdicar do rigor da higiene.
11. Consequentemente, abdicar do flerte.
12. Não frequentar estabelecimentos comerciais pela porta da frente, a não ser que esteja necessitando de adrenalina, porém aguente consequências.
13. Aguentar consequências.
14. Usar do filtro lúdico ao perceber olhares de estranhamento, pois eles diminuirão na medida em que você se tornará invisível.
15. Contemplar estrelas.
16. Ao mesmo tempo, aguçar os sentidos frente aos perigos, ou seja, revitalizar o selvagem.
17. Escolher o coletor; abdicar do caçador.
18. Compreender a diferença entre o desprezo, o menosprezo e a compaixão*
19. Destilar as horas, sabendo que só há o hoje, cingido entre duas refeições [se houver sorte] e um lugar seguro para repousar.
Ricardo Pozzo
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