terça-feira, 31 de março de 2009
Mal Entendido
Abel, Adão, Jair e o Zé almoçavam juntos, há anos, no restaurante de dona Tereza. Pequeno, agradável, sem fila e comida caseira. Apenas Abel e Jair trabalhavam na mesma empresa, e conheceram os outros dois ali mesmo, almoçando. Ou à noitinha, quando se reuniam para comer uma porção de lambari, ou para conversar. Falar mal de patrão, de funcionário, governo, televisão, e para beber.
Abel gostava de ir lá, principalmente pelo ambiente. No fim da tarde, quando quase sempre só ele e os amigos, mais dois ou três desconhecidos, e dona Tereza. Conhecida entre os clientes por sua discrição, tanto quanto ao que ouvia, quanto aos excessos cometidos por eles quando embriagados. Isto era importante para Abel, visto que ocupava um cargo de chefia na empresa. Não queria que sua imagem, de engenheiro responsável pela qualidade, de camisa aberta até o umbigo, e com a gravata amarrada na cabeça, chegasse aos olhos dos subordinados. Nem que se formasse na cabeça destes através do ouvido, pela boca de algum fofoqueiro.
Entre os subordinados estava Jair, mas com este, Abel não se preocupava, pois era seu amigo.
Era 12:30 quando Abel entrou no restaurante, quinze minutos depois do habitual. Chegou sozinho, pois Jair ficara terminando de vistoriar um pedido que já estava atrasado. Sentou-se na mesa de sempre, onde já estavam Adão e José:
-Bom dia! - disse, enquanto os amigos almoçavam.
-Boa tarde. -responderam.
-Ainda não almocei. Para mim, ainda é “bom dia”.
Os dois se olharam sem entender, e continuaram a conversar. Dona Tereza chegou:
-O que vai querer?
-O de sempre, bife à parmegiana.
-Bom, bom. Você vai gostar.
Dona Tereza virou-se, e saiu, Abel não entendeu. Sempre comia bife à parmegiana. A velha devia estar ficando caduca. Concentrou-se na conversa animada dos amigos.
-Segundo a tradição cristã, a queda de Lúcifer, precedeu a criação do mundo. Já segundo
oprofeta Isaías, essa queda ocorrerá no futuro. Essa contradição muito embaraça os teólogos.
-Não acredito que a descoberta de petróleo pré-sal nos tire da condição de reféns de petróleo da Bolívia.
-Isso não tem nada a ver com o presidente, ele não pode apoiar um candidato que disputa com um outro candidato de sua bancada no congresso.
-Então você acha que a imprensa é imparcial?
-Quem falou a verdade, a tradição ortodoxa ou o não menos ortodoxo Isaías?
-Você já fumou um para saber?
-Não mude de assunto!
Abel não compreendia a conversa, não fazia sentido. Sentia um leve entorpecimento na cabeça, como se tivesse bebido um pouco. Mas não tinha. Estranho, mas tudo bem. Chegava dona Tereza com seu prato:
-Peito de frango grelhado? Eu não pedi isso, eu pedi bife à parmegiana!
-Pois não – foi até o balcão, e voltou com um vidro de pimenta, que pôs na mesa.
-Obrigado – respondeu-lhe Abel, pensando que, realmente, a velha ficara maluca.
Comeu pensando, “por que Jair ta demorando, será que teve algum problema?”. Esperava que não, pois tratava-se de um dos maiores clientes. Até que o frango não estava ruim.
Almoçou quieto, ouvindo a conversa de seus amigos, que, para ele, não fazia o menor sentido. Quando foi pagar a conta, não entendia dona Tereza, que não falava coisa com coisa. Acabou deixando o troco e levando um rolmops num saquinho, coisa que não queria. Tanto na saída do restaurante quanto na empresa, percebeu que todos o olhavam com curiosidade e pena.
Fazia seu trabalho, quando chegou a ambulância do seu plano de saúde.
Camisa de força, remédio e terapia, morreu trinta anos depois, no hospício, com a certeza de que o resto da humanidade havia enlouquecido.
Abel gostava de ir lá, principalmente pelo ambiente. No fim da tarde, quando quase sempre só ele e os amigos, mais dois ou três desconhecidos, e dona Tereza. Conhecida entre os clientes por sua discrição, tanto quanto ao que ouvia, quanto aos excessos cometidos por eles quando embriagados. Isto era importante para Abel, visto que ocupava um cargo de chefia na empresa. Não queria que sua imagem, de engenheiro responsável pela qualidade, de camisa aberta até o umbigo, e com a gravata amarrada na cabeça, chegasse aos olhos dos subordinados. Nem que se formasse na cabeça destes através do ouvido, pela boca de algum fofoqueiro.
Entre os subordinados estava Jair, mas com este, Abel não se preocupava, pois era seu amigo.
Era 12:30 quando Abel entrou no restaurante, quinze minutos depois do habitual. Chegou sozinho, pois Jair ficara terminando de vistoriar um pedido que já estava atrasado. Sentou-se na mesa de sempre, onde já estavam Adão e José:
-Bom dia! - disse, enquanto os amigos almoçavam.
-Boa tarde. -responderam.
-Ainda não almocei. Para mim, ainda é “bom dia”.
Os dois se olharam sem entender, e continuaram a conversar. Dona Tereza chegou:
-O que vai querer?
-O de sempre, bife à parmegiana.
-Bom, bom. Você vai gostar.
Dona Tereza virou-se, e saiu, Abel não entendeu. Sempre comia bife à parmegiana. A velha devia estar ficando caduca. Concentrou-se na conversa animada dos amigos.
-Segundo a tradição cristã, a queda de Lúcifer, precedeu a criação do mundo. Já segundo
oprofeta Isaías, essa queda ocorrerá no futuro. Essa contradição muito embaraça os teólogos.
-Não acredito que a descoberta de petróleo pré-sal nos tire da condição de reféns de petróleo da Bolívia.
-Isso não tem nada a ver com o presidente, ele não pode apoiar um candidato que disputa com um outro candidato de sua bancada no congresso.
-Então você acha que a imprensa é imparcial?
-Quem falou a verdade, a tradição ortodoxa ou o não menos ortodoxo Isaías?
-Você já fumou um para saber?
-Não mude de assunto!
Abel não compreendia a conversa, não fazia sentido. Sentia um leve entorpecimento na cabeça, como se tivesse bebido um pouco. Mas não tinha. Estranho, mas tudo bem. Chegava dona Tereza com seu prato:
-Peito de frango grelhado? Eu não pedi isso, eu pedi bife à parmegiana!
-Pois não – foi até o balcão, e voltou com um vidro de pimenta, que pôs na mesa.
-Obrigado – respondeu-lhe Abel, pensando que, realmente, a velha ficara maluca.
Comeu pensando, “por que Jair ta demorando, será que teve algum problema?”. Esperava que não, pois tratava-se de um dos maiores clientes. Até que o frango não estava ruim.
Almoçou quieto, ouvindo a conversa de seus amigos, que, para ele, não fazia o menor sentido. Quando foi pagar a conta, não entendia dona Tereza, que não falava coisa com coisa. Acabou deixando o troco e levando um rolmops num saquinho, coisa que não queria. Tanto na saída do restaurante quanto na empresa, percebeu que todos o olhavam com curiosidade e pena.
Fazia seu trabalho, quando chegou a ambulância do seu plano de saúde.
Camisa de força, remédio e terapia, morreu trinta anos depois, no hospício, com a certeza de que o resto da humanidade havia enlouquecido.
Luis André Martins
sexta-feira, 27 de março de 2009
De pilequinho; afundada em fotografias, músicas e nesse amor visceral. Correndo parada porque o bliss vem vindo, me engolindo, e eu, tibetana, desabotôo botão por botão e ainda bebo de canudinho.
Parece que ando tossindo pra expurgar e nesse meio tempo, o mundo me dá um abraço de urso... numa dessas, olhando de longe a fotografia percebi um sinalzinho que não me agrada muito: e agora essa, a perfeição acaba num segundo! – pensei. Olhei e respirei fundo; uma sujeirinha no papel ainda acaba comigo.
j. miïav
quinta-feira, 26 de março de 2009
terça-feira, 24 de março de 2009
uma estátua
così totalmente
disanimata
ungaretti
teus cabelos de pedra
tua roupa de pedra
tua pele de pedra
teus ossos de pedra
tua carne de pedra
teu sangue de pedra
teus seios de pedra
teu amor de pedra
teu deus de pedra
(de pedra
teus pulmões
que respiram)
2
invento as linhas
de teu semblante,
anja irrepleta,
escamas de pétalas,
com o que tenho
de pedra
em meus rins e
nos olhos.
excogito a gramática
de teu sexo
e a geometria
de teu sono
com o que tenho
de pedra
em meus dentes
e ombros.
esculturo a tensão
granítica
de teus braços,
que diriam o movimento
na imobilidade
do mármore,
com o que tenho
de pedra
em meus calcanhares.
3
a vida
(sem sentido?)
que se sente.
tua pele
faz torneios
de intestinos.
tu te urinas, anja,
e te afogas em rios
de um segundo.
filha maciça
da mão e do chão
(não a desmemória
de beatriz),
da gravidade,
da incoerência,
aprendendo o que é
a morte.
aprendendo, enfim,
na carne irritada
a álgebra do efêmero,
que nenhum anjo
há de viver mais
do que a borboleta.
Rodrigo Madeira
disanimata
ungaretti
teus cabelos de pedra
tua roupa de pedra
tua pele de pedra
teus ossos de pedra
tua carne de pedra
teu sangue de pedra
teus seios de pedra
teu amor de pedra
teu deus de pedra
(de pedra
teus pulmões
que respiram)
2
invento as linhas
de teu semblante,
anja irrepleta,
escamas de pétalas,
com o que tenho
de pedra
em meus rins e
nos olhos.
excogito a gramática
de teu sexo
e a geometria
de teu sono
com o que tenho
de pedra
em meus dentes
e ombros.
esculturo a tensão
granítica
de teus braços,
que diriam o movimento
na imobilidade
do mármore,
com o que tenho
de pedra
em meus calcanhares.
3
a vida
(sem sentido?)
que se sente.
tua pele
faz torneios
de intestinos.
tu te urinas, anja,
e te afogas em rios
de um segundo.
filha maciça
da mão e do chão
(não a desmemória
de beatriz),
da gravidade,
da incoerência,
aprendendo o que é
a morte.
aprendendo, enfim,
na carne irritada
a álgebra do efêmero,
que nenhum anjo
há de viver mais
do que a borboleta.
Rodrigo Madeira
sábado, 21 de março de 2009
Os Farsantes Bóiam em Latrinas de Águas Turvas
Ontem, enquanto degustava morangos silvestres eu pensava em minha vida e naquilo que se transformou ao redor dela. Pensava na transitoriedade e em todos os seres vivos que de alguma forma fazem ou fizeram parte da minha caminhada. Concluí que eles e eu somos tão mutáveis quanto ao sol que queima lá fora, para depois, mal humorado feito criança birrenta desabar sobre nossos pobres e ineficientes guarda-chuvas. E isso inevitavelmente me remeteu às mulheres que freqüentaram a minha cama. Muitas das vezes tive a mais absoluta das certezas que aquela viera pra ficar. Pois é, ela não veio, as outras não vieram, e eu me pego aqui, mastigando meus morangos silvestres. Como a lembrança por vezes tem o poder de registro de uma câmera digital, relembro cada sorriso dos seus rostos, as curvas dos seus corpos e as frases soltas e apaixonadas que faziam-me supor que ali se encontrava a minha cara-metade. E quando achamos tê-la alcançado imaginamo-nos perfeitos e até surreais, como se pudéssemos vislumbrar o majestoso arco-íris despontando soberano sobre a densa neblina das manhas de setembro.
E o que falar dos meus amigos? Por alguns teria colocado a cabeça a prêmio. Porém, hoje, nem sei onde andam, se estão vivos, se tiveram filhos pediatras, ou mesmo, abusando da mutabilidade mudaram suas opções sexuais. E quanto aos empregos que nunca sorriram pra mim? Ah, os meus empregos! Esses sim, em quantidade despropositada e tão variados que se transformaram no maior índice de transitoriedade nessa minha louca e cigana vida. .
E isso sem pormenorizar todas as minhas incertas certezas: o verde de hoje poderá assemelhar-se ao vermelho de amanhã. Talvez, a única convicção que me restou seja eu mesmo. E é essa certeza que me faz pressentir quando acerto, erro, ou me abstenho. E é por ela que sei quando sou verdadeiro, falso, ou se prejudico ou beneficio alguém. Mas, muitas vezes posso ser tão perverso que faço de tudo para que não remexam minhas entranhas e não descubram o meu outro desprezível “Eu”.
Véio China
(postado originariamente no Bar do Escritor)
Moebius
(Dedicado a André Ribas)
Volto tarde pra casa.
Nos ombros, o fardo de mais um dia derrotado.
O semblante caído.
As horas inchadas de coisa nenhuma.
Caminho rumo ao terminal,
Prometendo a mim mesmo,
Nunca mais usar meias encardidas para trabalhar.
Elas formam uma crosta horrível de sujeira nos pés.
Vindo em minha direção, um mendigo.
A tez morena, os olhos vazios de tudo.
A barba grossa a cobrir-lhe o rosto.
Postava-se tal qual um faquir, zeloso de suas fraquezas.
“Senhor, chamo-me Arzach.
(Os lábios flácidos, amarelados e ríspidos).
Venho de um mundo diluído em guache e cores rubras.
(O olhar retraído, atento em meus gestos).
De um sol de carbono e fibras vegetais.
(Sua voz era forte, escarnecida de pústulas e entojo).
Atravessei secreções de enxofre. Os vales verdes de Verlousins.
(As mãos inchadas de mel e alcatrão).
Sacrifiquei exércitos, entalhei palavras de afeto ambíguo em corações mornos.”
(Inibia o fel em sua saliva, como o pranto em sua sombra mortal).
“Rogo humildemente vossa atenção.
Meu mundo encontra-se doente, ressequido.
Nossa memória, diluída num veludo de estrelas anil-fossilizadas.
Éramos uma colônia de Taenias Solium Imaginautas,
Hospedávamos o intestino singular de todo tecido vertebrado.”
“Desditoso, agora venho a ti,
Colhido em vergonha,
Pedir para que devore meu povo.”
Sem delongas,
O estranho homem revira seu casaco
Cioso de seus segredos.
E um aljôfar larval aparece em suas mãos.
“Engula”, ele diz.
“Almejo apenas um fim inflado de emoções,
Carregado de vida, mácula e insensatez.
Um lamento altivo, pleno de coragem e dor,
Que afague a solidão do Mouro, enamorado em algarismos teológicos.”
Sem hesitar, atendo seu pedido.
No instante em que sorvo a ilustre esfera,
Uma luz intensa reluz de meu ventre.
Combinações aleatórias de cores surgem em imagens convexas.
Um brilho imundo decompõe a retina.
Fluidifica o corpo.
Contrações elétricas saturam o ar com cristais de gelo e ozônio.
Sinto a diminuta orbe dilatar,
Consumindo toda carne,
Jeans e excremento que era.
E então...
Nada.
Estou parado rente a uma esquina.
Os olhos bêbados de luminosidade.
Na pastelaria ao lado,
Um velho sábio chinês tenta ensinar física molecular
Ao gato que urina em sua mesa.
Nada era perversamente igual ao que sempre fora.
Uma garoa fina cobre meu rosto.
Sinto a garganta embargar, acho que estou febril.
Meus pés doem,
Odeio essas malditas meias sujas.
Athos Achy Maia
Volto tarde pra casa.
Nos ombros, o fardo de mais um dia derrotado.
O semblante caído.
As horas inchadas de coisa nenhuma.
Caminho rumo ao terminal,
Prometendo a mim mesmo,
Nunca mais usar meias encardidas para trabalhar.
Elas formam uma crosta horrível de sujeira nos pés.
Vindo em minha direção, um mendigo.
A tez morena, os olhos vazios de tudo.
A barba grossa a cobrir-lhe o rosto.
Postava-se tal qual um faquir, zeloso de suas fraquezas.
“Senhor, chamo-me Arzach.
(Os lábios flácidos, amarelados e ríspidos).
Venho de um mundo diluído em guache e cores rubras.
(O olhar retraído, atento em meus gestos).
De um sol de carbono e fibras vegetais.
(Sua voz era forte, escarnecida de pústulas e entojo).
Atravessei secreções de enxofre. Os vales verdes de Verlousins.
(As mãos inchadas de mel e alcatrão).
Sacrifiquei exércitos, entalhei palavras de afeto ambíguo em corações mornos.”
(Inibia o fel em sua saliva, como o pranto em sua sombra mortal).
“Rogo humildemente vossa atenção.
Meu mundo encontra-se doente, ressequido.
Nossa memória, diluída num veludo de estrelas anil-fossilizadas.
Éramos uma colônia de Taenias Solium Imaginautas,
Hospedávamos o intestino singular de todo tecido vertebrado.”
“Desditoso, agora venho a ti,
Colhido em vergonha,
Pedir para que devore meu povo.”
Sem delongas,
O estranho homem revira seu casaco
Cioso de seus segredos.
E um aljôfar larval aparece em suas mãos.
“Engula”, ele diz.
“Almejo apenas um fim inflado de emoções,
Carregado de vida, mácula e insensatez.
Um lamento altivo, pleno de coragem e dor,
Que afague a solidão do Mouro, enamorado em algarismos teológicos.”
Sem hesitar, atendo seu pedido.
No instante em que sorvo a ilustre esfera,
Uma luz intensa reluz de meu ventre.
Combinações aleatórias de cores surgem em imagens convexas.
Um brilho imundo decompõe a retina.
Fluidifica o corpo.
Contrações elétricas saturam o ar com cristais de gelo e ozônio.
Sinto a diminuta orbe dilatar,
Consumindo toda carne,
Jeans e excremento que era.
E então...
Nada.
Estou parado rente a uma esquina.
Os olhos bêbados de luminosidade.
Na pastelaria ao lado,
Um velho sábio chinês tenta ensinar física molecular
Ao gato que urina em sua mesa.
Nada era perversamente igual ao que sempre fora.
Uma garoa fina cobre meu rosto.
Sinto a garganta embargar, acho que estou febril.
Meus pés doem,
Odeio essas malditas meias sujas.
Athos Achy Maia
quarta-feira, 18 de março de 2009
Quando teu Ginsberg de bolso
pulou do oitavo andar
para ensinar-te as lições do desapego
você
por desapego à vida (e não ao livro)
pulou também.
Aberto sobre o teu livro aberto
tipologia sanguínea
escorrendo entre os paralelepípedos
lirismos vermelhos surpreendendo
os rostos dos passantes
que arregalavam os olhos
mas tiravam fotos da tua anatomia sincera
teu corpo mais corpo do que nunca.
Se você pudesse ver de fora
não acreditaria na quantidade de sangue
que te irrigava as idéias
que te alimentava
sorriria levando as mãos à boca
depois aos ouvidos
quando chegasse a ambulância de altíssima sirene.
Camila Vardarac
pulou do oitavo andar
para ensinar-te as lições do desapego
você
por desapego à vida (e não ao livro)
pulou também.
Aberto sobre o teu livro aberto
tipologia sanguínea
escorrendo entre os paralelepípedos
lirismos vermelhos surpreendendo
os rostos dos passantes
que arregalavam os olhos
mas tiravam fotos da tua anatomia sincera
teu corpo mais corpo do que nunca.
Se você pudesse ver de fora
não acreditaria na quantidade de sangue
que te irrigava as idéias
que te alimentava
sorriria levando as mãos à boca
depois aos ouvidos
quando chegasse a ambulância de altíssima sirene.
Camila Vardarac
Palavra à Caminho
Em cada palavra morre a minha parte
de bruços, morre de invasão morre de amores
e a palavra explode em Recife ou Açores
caminha - sim - caminha
palavra quase - minha
Pela rua de Açores abre sésamos
abre avulsos, colhe com mão de tambores
o vinho e o nó no colo de Dolores
a palavra aconchega qual casa de farinha
a Dolores quase - minha
Em casa a palavra escolhe
a saudade, toma a medida de seus tambores
no Recife da cachaça - e das cores
do carnaval - a aspirina desce e adivinha
a dor é quase - minha
Samir Benjamin
de bruços, morre de invasão morre de amores
e a palavra explode em Recife ou Açores
caminha - sim - caminha
palavra quase - minha
Pela rua de Açores abre sésamos
abre avulsos, colhe com mão de tambores
o vinho e o nó no colo de Dolores
a palavra aconchega qual casa de farinha
a Dolores quase - minha
Em casa a palavra escolhe
a saudade, toma a medida de seus tambores
no Recife da cachaça - e das cores
do carnaval - a aspirina desce e adivinha
a dor é quase - minha
Samir Benjamin
terça-feira, 17 de março de 2009
segunda-feira, 16 de março de 2009
Asas dos Sonhos
Se eu fosse um artista
Queria tingir muitos vôos...
E cada desenho
Um vôo diferente...
Ah! Voar entre as nuvens
Sobre as montanhas na Primavera
Voar sobre as marés na aurora
Sobre as margaridas e azaléias
Voar até você
E te mostrar que a vida é bela
Que dos sonhos levantamos vôos
E da fé, tingimos de realidade
Nossa própria tela.
Sirlei L. Passolongo
Queria tingir muitos vôos...
E cada desenho
Um vôo diferente...
Ah! Voar entre as nuvens
Sobre as montanhas na Primavera
Voar sobre as marés na aurora
Sobre as margaridas e azaléias
Voar até você
E te mostrar que a vida é bela
Que dos sonhos levantamos vôos
E da fé, tingimos de realidade
Nossa própria tela.
Sirlei L. Passolongo
sábado, 14 de março de 2009
FLICTSando*
Acordei com o barulho da academia.
Enquanto dormia,
Silenciava-me o trânsito e a fila
Do pão e leite da padaria.
E de tantas que seguirão
Até que eu finde, e não o dia.
Enquanto eu dormia,
Silenciava-me o custa da vida,
Meus encargos para o Estado.
Não importava se havia saldo,
Se estava livre ou não do assalto,
Do crediário, do bandido, do estelionatário.
Se paguei o dízimo,
Ou dei o conto do vigário.
Não importava ter picado em tiras
O jornal do emprego, para ter sossego,
Por ter gasto a vida
E todo o tempo
Saboreando o vento do pastel,
Aprendendo o que não serve
Para a tributação fiscal,
O departamento pessoal,
A gestão empresarial,
O call center,
O malabarismo de sinal.
Não importava o poema desenhado.
E, se o sonho mastigado ficou indigesto.
Se o mundo acabaria
Num colapso de ganância caos concreto.
Se ainda me restaria energia.
Não importava,
Papelão colchão, tecido puído, amálgama gelada.
E se o riso era cortante frio na alma.
Angela Gomes
Enquanto dormia,
Silenciava-me o trânsito e a fila
Do pão e leite da padaria.
E de tantas que seguirão
Até que eu finde, e não o dia.
Enquanto eu dormia,
Silenciava-me o custa da vida,
Meus encargos para o Estado.
Não importava se havia saldo,
Se estava livre ou não do assalto,
Do crediário, do bandido, do estelionatário.
Se paguei o dízimo,
Ou dei o conto do vigário.
Não importava ter picado em tiras
O jornal do emprego, para ter sossego,
Por ter gasto a vida
E todo o tempo
Saboreando o vento do pastel,
Aprendendo o que não serve
Para a tributação fiscal,
O departamento pessoal,
A gestão empresarial,
O call center,
O malabarismo de sinal.
Não importava o poema desenhado.
E, se o sonho mastigado ficou indigesto.
Se o mundo acabaria
Num colapso de ganância caos concreto.
Se ainda me restaria energia.
Não importava,
Papelão colchão, tecido puído, amálgama gelada.
E se o riso era cortante frio na alma.
Angela Gomes
quarta-feira, 11 de março de 2009
terça-feira, 10 de março de 2009
Resolução
Da minha janela pode-se ver o movimento onírico que me apetece. Desejos se misturam aos fantasmas libertos pelo esfregar de mãos em garrafas geladas. Não quero mais olhar para o céu, já perdi a conta das estrelas, já perdi a conta do teu colar no meu. Não renuncio às febres que ainda terei, não abdico da violência pura e imediata dessa liberdade inexperiente que me pertence.
Negada a entrega, foi me imposto muro. Ainda revirarei páginas, secarei canetas, queimarei tabacos e gastarei amores.
Mas para você ou para o céu eu não olho mais.
Samantha Abreu
Negada a entrega, foi me imposto muro. Ainda revirarei páginas, secarei canetas, queimarei tabacos e gastarei amores.
Mas para você ou para o céu eu não olho mais.
Samantha Abreu
sábado, 7 de março de 2009
Farpa Lançada com Violência
Mais uma vez; as luzes: todas Luas surradas. No caminho, os olhos acetinados; vermiculados enquanto a pista toda é um grande mata-borrão febril.
Vermelho-musgo. Sugado. E não respiro mais. Grudo em mim mesma: faísco ao fuzilante pulsar, e, – grito – desabrocho um coração.
Dôo-me inteiriça e emaranho: embrenho-me sem estar. Engolindo sofreguidões aéreas, extorquindo além do borro de ontem: mais feliz.
Trago-o: tempo. Um instante antes de ser tempo.
E que, ainda, no ápice dissolvido se auto-tecia: enquanto Tudo era só abstinência.
j. miïav
Ameaça
Te espero lá fora
com gosto de gás
fósforo e desforra
te espero lá fora
- a qualquer hora -
elucubrando ais
com gosto de gás
fósforo e desforra
Lanóia
com gosto de gás
fósforo e desforra
te espero lá fora
- a qualquer hora -
elucubrando ais
com gosto de gás
fósforo e desforra
Lanóia
sexta-feira, 6 de março de 2009
Muito abismo pra pouca asa: e agora Hegel?
I
não sei (mais) o que é melhor
quanto mais envelheço,
tudo mais relativo fica...
II
já abri mão
de uma morte morna
daquelas feitas pra durar
uma vida inteira
III
e já senti
o abraço arrebatador
de mortes que me valeram
a vida eterna
IV
e la nave va...
sem tese
perdi a (antí)tese
no escuro da noite
sem dia(lética)
sobrou-me uma síntese sintética
na fórmula de um lexotan
V
morte da vida eterna,
reapareça!
traga uma garrafa de vinho:
balaco(baco) amalfitano
(e) ne me quitte pas!
(pelo menos por uns tempos)
VI
enquanto isso,
vou namorando a mim mesma...
me absolutizando, me estilhaçando
ANA VALÉRIA SESSA / RAUL POUGH
quinta-feira, 5 de março de 2009
segunda-feira, 2 de março de 2009
Boca-maremoto, mundo destrói. Fala sem vírgulas, tudo sem aspas, dona de todas as sílabas: aspira o asco, por vezes secreto, que, os olhos e o silêncio escarram. Mundo obliquo, corpo absorto e a língua lança palavras torpes que, como num jogo de espelhos, se voltam; contra a boca e a absorta. Espelho contra personagem, espelho contra espelho... esperança.
Há o carrasco de mim. O olhar violento, espiando com olho de repugnância, enquanto, o meu é só perdido no ar, amplo e destemido dele e de mim. Tudo estremece, tudo quer-se separar: grito, sem saber o que falar. Tufão, eu sou; e ele vem amordaçar o animal. Encontrar os olhares, que querem se esganar, gritar as bocas cheias de dentes e gostos disformes...
E já sou sem joelhos, tornozelos e peles. Sem cabelos e sobrancelhas. Ando nua, nua de mim: e continuo sendo eu mesma, arrastando os pés, pela rua. Sou eu mesma a andar, pura e sem disfarces, com a cara a bater no próximo pára-brisa ou a beijar aquela – sabe-se lá qual – garrafa de tequila.
j. miïav
domingo, 1 de março de 2009
Sereia
Atenção!
Este lado para cima!
Perdeste mais
do que a vida!
A ressaca da mentira
é o distanciamento
nos olhos
de quem mente!
Não sentes?
O coração trancafiado
no oceano,
o quão vão
teu plano?
Angústia em tudo que és
Renúncia nos trágicos pés
Ricardo Pozzo
Este lado para cima!
Perdeste mais
do que a vida!
A ressaca da mentira
é o distanciamento
nos olhos
de quem mente!
Não sentes?
O coração trancafiado
no oceano,
o quão vão
teu plano?
Angústia em tudo que és
Renúncia nos trágicos pés
Ricardo Pozzo
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