domingo, 28 de agosto de 2011
sábado, 20 de agosto de 2011
20.08
Fazia muito tempo. Muito tempo eu não desesperava com o silêncio. Com o ranger da sola comida do All Star. Com o telefone mudo e meu sacrifício de levantar da cama e estacar diante da janela. Era inexpressivo o barulho daquele buraco que crescia em mim e eu ainda sentia medo dessas coisas que crescem no meio do deserto. Ainda me preocupava, mesmo que despretensiosamente, se meu gosto te agradaria e fazia muito mais tempo que a insegurança me fazia escolher o casco, as ranhuras, o perigo e quem sabe, o pior de todas as coisas. Agia mesmo assim, com um nó no peito, escorregadia pelas escadas dos butecos, caindo pelas tamancas, de esquina em esquina, ainda criando coragem pra balbuciar a vontade do querer.
Se você me ligasse – pensava – não atenderia. Não queria. Não quero. Planejava fuga observando aqueles telhados em horas de ausência extrema. Porque havia um limite, alguma coisa que era feita de fluxo-refluxo, e nesse ameno amargo alguma coisa ficava do lado de fora, palavras, expressões, interiores, conchas, cobertas, cama, tudo que nunca habitei. Não ligava.
Sorria toda irônica. Vagava pela cidade imunda, feito zumbi. Lembrava da síntese daquelas palavras malditas, do cheiro das tralhas na despedida, e mesa posta, tomava um gole de café. Concluía que toda frivolidade era uma ameaça e desconfiava, fazendo caras e bocas, da sua exclamação. Das tuas exclamações que eu não sabia (mesmo) se pendiam pra moça dali ou pra moça daqui.
Alguma coisa não sabida, doía. Minha vergonha ricocheteava miseravelmente toda vez que voltava pra casa. Percebia que possuía uma grande dificuldade de estabelecer um clima estável entre nós, que não existimos. Nós. E enquanto você expandia, tudo em mim só tinha a covardia de contrair. Corria atrás de uma aspirina e toda vez que voltava: você me seduzia. Caia, sentia preguiça, sentia vontade de exercer minha vontade, me iludia, desistia e gargalhava mesmo rolando barranco abaixo.
Conformada com a ideia de nunca entender, aceitava. Pensava em nunca mais atirar pratos nas paredes ou colocar tudo em pratos limpos. Puro mau gosto. Por puro desgosto eu inventava de racionalizar e racionar minha paixão por simples incapacidade de lidar com. Que não é O Outro.
Juliana Vallim
quarta-feira, 17 de agosto de 2011
Forçando o olhar para encontrar outros símbolos nas letras tortas da folha de sentimentos em branco. A página de papel revela-se espelho do atropelo da alma bêbada que quer cair para ver se ainda é capaz de sentir dor. Quebrou-se e nada sentiu; queimaram-lhe o cabelo e teve que cortá-lo daquele jeito hitlerístico que nada tem de seu. Por isso força os olhos da alma no papel que lhe rejeita.
Procurando ao redor das cadeiras algum papel;
se os restos que encontro é o que procuro,
nos silêncios das folhas rasgadas, documentos
de vozes tortas nas bocas sujas de almas sebosas;leio nos símbolos várias expressões, as quais só explodem
por serem disparadas de vigor envenenadas sem direção ou valor organizadas.
Desatino no desalento crispadas nos olhos espadas rasgam a noite: o bando em loucas risadas chutando o vento ignorando espaço e tempo queimando a consciência.
O princípio da responsabilidade surdo e cego, velho, vaga no lamento;enquanto o prazer reina escondendo no útero acéfalo, o feto do futuro.
A semente utopia agora vazia e oca, plena de eco no pesadelo da agonia.
Amanhã a rebeldia polimorta encontrará revôlta o retorno à razão,à direção e ao sentido;e aí estaremos de fato perdidos.
Wilson Roberto Nogueira
terça-feira, 16 de agosto de 2011
REVELAÇÃO
a natureza ao sol
ou após
a chuva
BRILHA
e o olho
lírico
a fotografa
então
o poeta
começa
na câmara secreta
do alfabeto
o químico
processo
de revelá-la
em verso
algo
que pode
ser breve
ou
ocupá-lo
por décadas
BUSCANDO
a
forma pela qual
a
beleza natural
se faça
clara
também nas palavras
às vezes
consegue
- momento
alegre -
e na celulose
da página
(branca metáfora
da ALMA)
para sempre
a inscreve
ou após
a chuva
BRILHA
e o olho
lírico
a fotografa
então
o poeta
começa
na câmara secreta
do alfabeto
o químico
processo
de revelá-la
em verso
algo
que pode
ser breve
ou
ocupá-lo
por décadas
BUSCANDO
a
forma pela qual
a
beleza natural
se faça
clara
também nas palavras
às vezes
consegue
- momento
alegre -
e na celulose
da página
(branca metáfora
da ALMA)
para sempre
a inscreve
Adriano Winter
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
domingo, 14 de agosto de 2011
Hoje é um bom dia para morrer
Não está calor
e o frio está na dúvida
A chuva transformou-se em garoa
Deixei de aceitar estranhos no facebook.
Limpei e-mails inúteis
desfiz-me do International Herald Tribune
Desisti do maravilhoso texto The Raven de Poe
traduzido para o alemão
para quando eu dominasse a língua.
Textos e livros em português, italiano, espanhol
para um dia talvez.
Esvaziei a sapateira e a mente
Enxerguei com clareza
o conforto do corpo
a solidão da alma.
Sem adereços eu vi
que hoje é um bom dia para partir.
Deisi Perin
e o frio está na dúvida
A chuva transformou-se em garoa
olhei ao redor com cara de
Por quê?Em meio a inúmeros desconhecidos
deletei-me do orkut.Deixei de aceitar estranhos no facebook.
Limpei e-mails inúteis
doei roupas e livros
separei todo lixo.desfiz-me do International Herald Tribune
e revistas em inglês
que provavam meu conhecimento e viagens.Desisti do maravilhoso texto The Raven de Poe
traduzido para o alemão
para quando eu dominasse a língua.
Textos e livros em português, italiano, espanhol
para um dia talvez.
Esvaziei a sapateira e a mente
Enxerguei com clareza
o conforto do corpo
a solidão da alma.
Sem adereços eu vi
que hoje é um bom dia para partir.
Deisi Perin
sábado, 13 de agosto de 2011
Questão de Tempo
I
Mau negócio fizeste, Almagro
Pois a nenhuma pedra
do Atacama poderias pedir pão,
nem ouro a suas areias
E o sol, com seu abridor de latas,
destapou teus soldados
sob a fome
de uma nuvem de abutres
II
Em 1964
onde teus olhos barbudos
só viram frutos dos cactos,
colhem - outros abutres -
bosques tão altos de metal
que cem armadas da Espanha
por carregá-los
teriam naufragado sob o sol.
Antonio Cisneros/ tradução Ricardo Pozzo
quarta-feira, 10 de agosto de 2011
Para escolher garfos
Não escolha os de cabos de madeira
senão virá o bolor o fungo
Escolha os sem ranhuras
senão terá de usar produtos
Escolha os sem cabos de plástico
senão virá o acúmulo nos encaixes
Os sem divisórias
senão terá de deixar de molho
Os sem relevos e desenhos
senão perderá cinco minutos cada
Escolha dentes bem separados
não facilitam a ferrugem
evitam os excessos
a glutonaria
Edson Falcão
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
rolam despejos & derradeiros
desejos
debaixo do pretexto onde
vertem essas densidades
timidas sob a grama
fresquinha
batidas dentro da piscina
em cia. sozinha
quando o corpo mais é
pedra fúria e covardia
ainda trapaceia na
despedida
enquanto zombava daquilo
que queria
encasquetava até a morte
o que não podia
fazia vontades e esquecia
na maior delícia
Juliana Vallim
desejos
debaixo do pretexto onde
vertem essas densidades
timidas sob a grama
fresquinha
batidas dentro da piscina
em cia. sozinha
quando o corpo mais é
pedra fúria e covardia
ainda trapaceia na
despedida
enquanto zombava daquilo
que queria
encasquetava até a morte
o que não podia
fazia vontades e esquecia
na maior delícia
Juliana Vallim
terça-feira, 2 de agosto de 2011
segunda-feira, 1 de agosto de 2011
Faltara o samba flertando dor com esperança
e a lâmina cega do blues cortando a encruzilhada
da alma bêbada de olho no precípicio que brada:
“A morte será sua herança”. Cobiça-te desde criança
Quando descia o morro rindo da bala que traçava o céu
Rasgando a noite calando no peito do dia mais uma colheita de desenganos.
Faltara o samba que bateu em retirada quando a luz que dançava nos olhos teus
Quedaram nos seus passos o silêncio da tua esperança.
Sonha o céu mais estrelas dos anjos nascidos das bastardas balas perdidas.
Enquanto marejada de ácido corre fantasma a alma do blues
Queimando as cordas dos meus nervos que cantam
O silêncio das crianças que clamam por socorro
na encruzilhada dançam o samba com o blues
numa só alma negra e profunda.
Ecoando escravidão, dignidade e luta.
E ainda nas vielas da canção sonhando paz, amor e união.
Wilson Roberto Nogueira
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