quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

domingo, 15 de dezembro de 2013

Ler no braço toda uma história - as placas de gordura, as pelancas, as casquinhas do ressecamento; tudo marcado pelas vírgulas das cicatrizes; cada letra com o devido pingo de sarna. Um pergaminho de deterioração, degeneração a espera do ponto Final.

O olhar perdia-se no opaco enredo de u'a estória de desenganos.

Naquele café esfumaçado bebia a si próprio, a cada gole, enquanto o tempo passava. Impreciso caminhar."Que horas 'serão', será noite ou dia ? Não importava mais, sua juventude se fechara e só restara uma lâmina de luz cortando os pés da porta.

Chegou em sua sórdida morada embora não tenha lembrança de haver caminhado até lá. Pôs-se a descamar-se de suas roupas e a medida que se aliviava delas, não encontrava sinal de si. A sombra que o perseguia, perseguia o sobretudo que ora o cobre de seu derradeiro inverno .

Agora entre o pó e as teias de seu quarto tornara-se o vulto translúcido de seu trincado espelho.


Wilson Roberto Nogueira

domingo, 8 de dezembro de 2013

[Curitiba digere aquele que nela se perde]

Sodoma

Assim explicou-me o anjo sattivo que pousou à cabeça de meu amigo:

"Igual ao petroleiro que preso está, ao cais, pela espia de amarra mas cuja tripulação em delírio esquece de baixar âncora, a partir do momento em que a espécie elegeu o ambiente controlado em oposição ao selvagem, hipervalorizou o simbólico enquanto no Real o Duplo Sapiens sirva, desde então, somente à manutenção inerente ao controle, mesmo que as regras que estabeleçam o controle estejam fundamentadas no simbólico e não no Real. Com isso, quando o poder quer se explicar, usa a lógica do simbólico, que carece de lastro. Quando quer controlar usa a lógica do Real.
Ou seja, fomos organizados para sustentar o surto da espécie, desterrados do Real, iludidos pelo simbólico que varia, conforme a ideologia dominante."


Ricardo Pozzo

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013


Medo do medo

da nuvem escura
do mar revolto
do que fala, do que cala
de ir e do vir
de não saber
de não ser
vento que venta
mente que sabe
morte!

Medo do medo
do tempo que passa
que leva os outros
que esquece
de que forma era
Medo do nada
do chute, do tombo
do espelho, do sonho

Medo do medo
de reconhecê-lo
e na profundidade
arrancá-lo
reconhecendo o tempo perdido.


Deisi Perin

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Praça Eufrásio Côrreia - Curitiba

Estrela da Manhã

Se, segundo Sigmund Freud, foi um golpe de marketing o egípcio Moisés ter se tornado hebreu de nascimento, como não pensar o mesmo da primogenitura entre Caim e Abel? 

Ou seja, Abel é o Neanderthal, Caim é o Duplo Sapiens e não o inverso. Depois de matar, Caim tornou-se temente ao predador e organizou as leis jurídicas.

Diabolos há sido para sempre o ambiente, ao qual por orgulho civilizatório, somos impedidos de aceitar ser impossível domá-lo, sem ferir-nos.

Até que a espécie mature para perceber que É coroado com a coroa, o Cristo, quando de Lúcifer a humildade conquista.


Ricardo Pozzo 

domingo, 24 de novembro de 2013


exercícios banais 2

a mosca pousou sobre o rosto
de um homem já morto. nem o morto
nem a mosca sabem – como nós sabemos,
e como! –  que o homem está morto.
nem o morto nem a mosca sabem
o que é a morte, o que é a vida,
o que é o homem, o que é a mosca.

dormem as moscas? onde dormem e o que sonham?

não é fácil entender uma mosca,
seu motor antiquíssimo, seu terrível
hálito sem cheiro, a febrícula, a alegria maníaca
diante dos restos.

não é fácil entender, enquanto se vela,
a mosca que voa
do rosto baldio, a mesma que pousa
em cima deste canapé.


Rodrigo Madeira, do livro O Latim das Moscas, ainda inédito

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Notas para um Tractatus Lógico -Teológicus em construção:

1. o Real é o Todo que existe.

2. múltiplas são as Verdades, mas cada Verdade para ser, tem como ponto de origem o único Real.

3. igual ao Universo, o Real é Finito, mas Ilimitado.

4.a Realidade não é uma construção individual.


Ricardo Pozzo

segunda-feira, 4 de novembro de 2013


O sofrimento, a sombra escura e inquilina do inconsciente tem medo da luz do consciente. Teme ser descoberto. Sobrevive do medo de descortiná-lo dentro de nós mesmos. E enquanto não conhecermos nossa essência vamos acumulando, alimentando e mantendo energias negativas dentro e em torno de nós.
Sentimentos de infelicidade, irritação, impaciência, desejo de ferir-se ou aos outros, raiva, ira, depressão, até mesmo a necessidade de causar problemas e, também o poético e chique ar sorumbático e sombrio dos excêntricos são sofrimentos que ocupam a mente e o corpo causando doenças.
Sofrimento se alimenta de sofrimento e nos domina a ponto de desejá-lo cada vez mais e espalhá-lo.
A consciência deseja ser feliz, mas essa energia negativa insiste em manter a insanidade do sofrimento.
É uma ilusão e não há como lutar. E nem precisamos.
Olhar para si, enxergar-se é acender a luz e iluminar a energia vital dando-lhe outro padrão.
A consciência de reconhecer-se, abrindo os olhos e a mente destrói a infelicidade e o sofrimento.


Deisi Perin

quinta-feira, 31 de outubro de 2013


Sherdi

A maneira que aprendi
a comer cana no Sanosra:
Uso os meus dentes
Para rasgar o duro chaal exterior
então, arranco tiras
do fibroso coração branco
chupo forte com meus dentes, pressiono
e o caldo derrama.

Manhãs de janeiro
o agricultor corta a tenra cana verde
e traz à nossa porta.
À tarde, quando os anciãos estão dormindo
nos esgueiramos  levando os lisos caules longos.
O sol nos aquece, os cachorros bocejam,
nossos dentes crescem fortes
nossos queixos estão dormentes,
das horas que chupamos o russ, o caldo
grudento sobre toda nossa mão.

Portanto, esta noite
quando você me diz para usar meus dentes
para sugar mais forte, mais forte
então, sinto cheiro de cana-de-açúcar
em seu cabelo
e imagino que você gostaria de ser
sherdi sherdi nos campos
os talos balançam
abrindo um caminho diante de nós.


Sujata Bhatt/ tradução de Luzia Biermann Silveira


Sherdi


The way I learned
to eat sugarcane in Sanosra:
I use my teeth
to tear the outer hard chaal
then, bite off strips
of the white fibrous heart
suck hard with my teeth, press down
and the juice spills out.

January mornings
the farmer cuts tender green sugar-cane
and brings it to our door.
Afternoons, when the elders are asleep
we sneak outside carrying the long smooth stalks.
The sun warms us, the dogs yawn,
our teeth grow strong
our jaws are numb,
for hours we suck out the russ, the juice
sticky all over our hand.

So tonight
when you tell me to use my teeth
to suck harder,harder
then, i smell sugar cane grass
in your hair
and imagine you’d like to be
sherdi sherdi out in the fields
the stalks sway

opening a path before us.


Sujata Bhatt

terça-feira, 29 de outubro de 2013

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Electra no Caminho de Azaléias

O dia em que você morreu adentrei a terra
Ao hibernáculo mal iluminado
Onde abelhas, listradas em preto e dourado, dormem na nevasca
Como pedras hieráticas, e o chão é duro.
Foi bom por 20 anos, que invernada -
Como se você nunca tivesse existido, como se eu fosse
Gerada por Deus ao mundo desde a barriga de minha mãe:
Seu amplo ventre vestiu a marca de divindade.
Eu não tinha nada a fazer com culpa ou qualquer coisa
Quando rastejando retornei ao coração da minha mãe.

Pequena como uma boneca no meu vestido de inocência
Eu sonhei com sua épica jornada, imagem por imagem.
Ninguém morreu ou murchou no palco.
Tudo aconteceu em uma iluminação durável.
O dia em que despertei, eu acordei em Churchyard Hill.
Encontrei seu nome, seus ossos e tudo
Inscritos em uma pedra e apertados por uma cerca de ferro torta.

Nesta caridosa enfermaria, este albergue, onde a morte
Ronda pé por pé, cabeça por cabeça, nenhuma flor
Rompe o solo. Este é o caminho de Azaleias.
Um campo de bardana abre para o sul.
Seis pés de cascalho amarelo lhe cobrem.
A sálvia artificial vermelha não se mexe
Na cesta de sempre-vivas de plástico que colocam
Na lápide ao lado da sua, nenhuma apodrece,
Embora as chuvas dissolvam uma tintura sangrenta:
As falsas pétalas gotejam, escorre vermelho.

Outro tipo de vermelho me incomoda:
O dia em que sua vela folgada tomou a respiração da minha irmã
O tranquilo púrpuro marítimo igual pano maligno
Que desenrolou minha mãe na sua derradeira volta ao lar.
Eu emprestei os sedimentos de uma tragédia antiga.
A verdade é que, final de outubro, no nascimento do meu pranto
Um escorpião o envenenou a cabeça, e o amaldiçoou;
Minha mãe sonhou com sua face sob mar.

Os atores petrificados posam e pausam para respirar.
Eu trouxe o meu amor ao nascer, e então você morreu.
Foi a gangrena que te comeu até o osso
Minha mãe disse; você morreu como qualquer homem.
Como deveria eu crescer naquele estado de espírito?
Eu sou o fantasma de um suicídio infame,
Minha própria navalha azul enferrujando em minha garganta.
Oh perdoe aquele que pede por perdão em
Seu portão, pai - sua cadela, filha, amiga.

Foi o meu amor que nos fez morrer.


Sylvia Plath/ tradução Luzia Biermann Silveira



Electra on Azalea Path

The day you died I went into the dirt,
Into the lightless hibernaculum
Where bees, striped black and gold, sleep out the blizzard
Like hieratic stones, and the ground is hard.
It was good for twenty years, that wintering—
As if you had never existed, as if I came
God-fathered into the world from my mother's belly:
Her wide bed wore the stain of divinity.
I had nothing to do with guilt or anything
When I wormed back under my mother's heart.

Small as a doll in my dress of innocence
I lay dreaming your epic, image by image.
Nobody died or withered on that stage.
Everything took place in a durable whiteness.
The day I woke, I woke on Churchyard Hill.
I found your name, I found your bones and all
Enlisted in a cramped necropolis,
Your speckled stone askew by an iron fence.

In this charity ward, this poorhouse, where the dead
Crowd foot to foot, head to head, no flower
Breaks the soil. This is Azalea Path.
A field of burdock opens to the south.
Six feet of yellow gravel cover you.
The artificial red sage does not stir
In the basket of plastic evergreens they put
At the headstone next to yours, nor does it rot,
Although the rains dissolve a bloody dye:
The ersatz petals drip, and they drip red.

Another kind of redness bothers me:
The day your slack sail drank my sister's breath
The flat sea purpled like that evil cloth
My mother unrolled at your last homecoming.
I borrow the stilts of an old tragedy.
The truth is, one late October, at my birth-cry
A scorpion stung its head, and ill-starred thing;
My mother dreamed you face down in the sea.

The stony actors poise and pause for breath.
I brought my love to bear, and then you died.
It was the gangrene ate you to the bone
My mother said; you died like any man.
How shall I age into that state of mind?
I am the ghost of an infamous suicide,
My own blue razor rusting in my throat.
O pardon the one who knocks for pardon at
Your gate, father—your hound-bitch, daughter, friend.

It was my love that did us both to death.


Sylvia Plath 

A observação dos pássaros


quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Frágil considerariamos a quem, em um mundo de crocodilagem, detivesse sua única arma na retidão da palavra?

Se o Demo rema o redemoinho, Àquele que está sentado á direita do Espírito Santo e à esquerda do Filho, de tudo está à espreita.

Homero, Virgílio, Dante são para quem tem garantido teto e comida no mês. Cultura pra mim é você dividir um dos dois pães que comprou com as míseras moedas do bolso. Arte é ver o sorriso nos olhos do menino.

Neste sertão cujo chão é petit pavê, nestas veredas madrugueiras, forte é o homem que tem na retidão da palavra sua única arma. Um lobo a menos para devorar a cria mas, que ao invés, age para o bem da matilha.


Ricardo Pozzo

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Quem é esse mano que usa roupas tão largas
Com a pele parda
e o sorriso amarelo?

Cara estranho
com o cabelo trançado
deve ser mais um nóia
mais um viciado

Mais quem o conhece
sabe quem ele é
é um cara firmeza
que tem filho e mulher

Faz corre de a pé
pra não gastar o VT
Domingão pega o filho
e sai pra dar um rolê

Não assiste Tv
prefere ler o jornal
acredita no RAP
não na Glock ou na FAL
 
Pra policia ele é
suspeito de tudo
só não sabem os canas
que esse preto tem estudo

Esclarece seu povo
E fala a real
Por isso corre perigo
já decretou o seu final

Foi depois das 10 horas
Que chegaram os carros
Dentro dele estavam
O sargento e três soldados

Esse cara é um problema,
conhece os seus direitos
Disse isso o sargento
antes de acertar
um tiro em seu peito

No outro dia o noticiário,
O acusarão trafico
de ser um salafrário

A verdade mesmo
Nunca foi divulgada
Esse homem morreu
por amor a sua quebrada.


Matheus Dumsch Dutra

domingo, 29 de setembro de 2013

7 de Setembro


Dejaflux

Sete décadas após, - percorro as
mesmas terras de meus antepassados.

Este mesmo povo envelhecido
setenta anos, tem o mesmo
rosto, atualizado, de meus avós.

O mesmo dia a dia, modernizado,
de nossos ascendentes.

Em minhas veias, cartografia
líquida de uma raça mezclada,
feita de ápice & declínio,

estórias (e histórias) reverberam
no eterno cíclico.

Res caldo de memórias
humanas

que por eras erram no quase círculo
vicioso ao redor do Sol[o]


Ricardo Pozzo

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

the multitudinous seas incarnadine

cruzemos os braços
assim cruzando a rua
o teu no meu
como um cordão
que pisoteie as avenidas
até migalhas
qual é o teu partido
alguém pergunta
eles não sabem nada
enquanto toma parte
da situação
quantos são os teus nomes

ou são sorrisos
um olho arde
a noite explode na cidade
ao fim dos rasgos
teu olho arde
é verde ou preto
contra um céu cinzento
e sem catástrofes
meu olho arde
contra o teu
o olho arde
é um cordão

eles só sabem medo
quantos centavos são
eles
e quem são eles
ou quantos somos
eles só sabem medo
porque não cuidamos
não cuidamos de saber
hoje eu te beijaria
você tem nomes
alguém pergunta
a noite explode nas cidades
causando um pânico incendiário
dos telejornais

os braços dados
não será televisionada
os braços dados
quem vai prender
as nossas gargalhadas
os braços
quem contaria as balas de borracha
quem vai prender as nossas gargalhadas
os braços dados
as nossas gargalhadas
por entre evolações
de gás lacrimogêneo


Guilherme Gontijo Flores

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Aracnídea


[o zen noção questiona se/ por quê não, poemas explicar?]


Photo by Antoine D´Agata

Subcutânea
aranha
ferina

introduz,
em veia
bailarina,

poção

contra -
indicada
à cicatrizes

& queimaduras,

e
teu rosto
resplandece
feito Luas,

anti-
eclipse,
razão
erradicada.


Ricardo Pozzo/  poema no RádioKaos da e - paraná

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Alta Cultura

Poeira de estrelas

De entidades simples,
tornamo-nos complexos DNA.
Sem acasos

somos um presente eterno
manifestando percepções
pré-programadas

Unidades carbônicas se formam
e se desfazem
compondo o novo
que decorre do velho.

Livre de interpretações inúteis
a natureza se reproduz e se adapta
porém, apenas humanos sentem culpa.

Sem perder a identidade
trocamos material genético
e a ancestralidade corre
pelas veias
mantendo a energia vital.

E nós, poeira de estrelas
brilhamos feito purpurinas.


Deisi Perin

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Foz do Iguaçu/ Paraná
odisseus vinte anos envelhecido em auto exílio antes que um leviatã furioso decretasse condenação á grave heresia da evasão fiscal purgando banzo de consanguíneos euros enterrados em local desconhecido por necessitar atravessar óticos nervos dos eletrônicos polifemos de aduana - depois de tornar se o maior distribuidor de heroína para comedores de ópio na côte d´azur e conseguir adesão à gangue de circe - depois de surubas homéricas com sereias ninfas & mocréias e outra fuga extraordinária à um cerco da interpol a bordo de um iate phantom 300 codinome calypso - depois de seus sócios terem sido ou presos ou mortos lê no correio de notícias de lisboa ao sol de uma tarde outonal: penélope converteu se acionista majoritária da boate tróia´s em ítaca na qual a maior atração era o show da drag telêmaco amante de eumeu cafetão.


Ricardo Pozzo

sexta-feira, 30 de agosto de 2013



Promessa

“Pássaros voam/pássaros tombados”; Raul Macedo

Todo irrevogável instante.
Mas nada está perdido
desde que tudo se perde
adiante, flui

como pássaro,
revérbero do ar - flauta,
transversa o tempo.
Presente, pressinto.

Sob os braços do vento.


Roberta Tostes Daniel (2012)

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Quero amor, quero sexo, então, fico quieto!


Vou pegar a segunda via de uma conta. Nem importa a conta, detalhe que de nada serve nessa tentativa aqui de escrita. Vejo, ao lado, um funcionário meio calvo atender uma mulher com evidente queda de cabelo. Observo a exigência pesada de chapinha, a raiz agonizante tentando falar por olhos faiscantes, de tão nervosos. Não sei por que acho isso curioso. Invento de observar cada coisa. Talvez porque muitas mulheres têm queda de cabelo. Ou porque, na vida atual, há uma maior incidência de mulheres com queda de cabelo.

Elas ficam atônitas. Procuram médicos, horrorosos, então se desesperam mais, e aí ficam com mais queda de cabelo. Mas elas ainda estão no lucro em comparação com a porcentagem masculina com tendência à calvície. Porque a mulher tende a gastar menos. Mas talvez, também, a sua missão seja pior, quer dizer, dificílima: vencer as causas da sua nervosa queda de cabelo. Porque o corpo vai indo, indo, e não aguenta essas mulheres, deve ser isso. Nem o corpo aguenta uma mulher. De onde veio essa? De onde fui tirar esse anátema da literatura? Vou deixá-lo só pela dúvida se isso é muito ruim ou se trata de um achado antropológico.

Aliás, minha atendente ficou felicíssima com a minha opção pelo botão excelente ao avaliar seu atendimento. Sorriu. Sorri. Tão bom sorrir. Tão bom procurar o sorriso e encontrá-lo. Inclusive, nem sei por que sorri. Sorry. Sorri sem motivo e achei tão sincero, tão lá de dentro, só não sei bem de onde, e aí veio uma vontade de rir meio gargalhada, sabe? Aí deu mais ataque de riso ainda, porque não há motivo. Acho que é Luiz Tatit, numa letra brilhante, que elucida exatamente isso que estou sentindo, com toda a veracidade que aqui relato.

Acho que comer pipoca doce, também, dá uma alegria que, tão estranha, chego a suspeitar que eu esteja atingindo a iluminação tibetana. Será efeito dos protestos que tomaram o Brasil nos últimos meses e me deixaram desse jeito? Vai ver a política entrou na minha veia de tal forma e me deixou assim, numa nova versão, e eu ainda não tinha percebido. Será que tenho bipolaridade e ela está em oscilação, e agora está me levando para cima? Estou me estranhando. Será que alguém sorrir sem motivo é sinal de ser bipolar?

O engraçado, aqui em Curitiba, é sorrir no meio da rua. As pessoas te olham desconfiadas. A cara de espanto delas diz algo tipo, “o que ele tem para estar sorrindo assim?”, “será um surto psicótico?” Outras, mais sensíveis, olham como quem diz, “que é que foi, vai encarar, é?” Outras ainda, grunhem, sério, seus olhos grunhem, como latidos. Bravas mesmo. Uma desconfiança indisfarçada é preponderante. Algumas se indignam e a expressão não consegue calar o quanto eu soo intrigante.

E então eu sorri, sorri pelas ruas, sorri lambendo as gotas de chuva amáveis de tão permissivas, porque são poucas e me permitem caminhar sem o broxante guarda-chuva que impede meu trabalho de escriba. Pingos generosos, esparsos, preguiçosos de se despejar na montanha que eles mais adoram se descarregar, Curitiba, porque num outro dia não teria essa mesma sorte, nem essa alegria, nem esse sorriso.

Fazendo uma análise que adoraria ser profunda, é preciso rever essa fama de o curitibano ser um povo mal-humorado. Discordo. Estou vivendo isso na pele. O povo curitibano é o mais bem humorado deste nosso país tropical. Só ele, com a sua vontade de viver, com sua determinação em acordar com um frio desagradável que oscila entre 10 graus para menos às 6h da matina, sem calefação, só ele para olhar o céu cinza em degrades e encara o seu dia. Poxa, o curitibano merece um prêmio por ser um bravo brasileiro.

Está bem, pegando a carona na nova escriba que resolveu falar em mim, vou dizer, sem pensar, um, dois, vai lá, porque isso pode ofender o meu querido povo curitibano. Fico pensando como eles transam. Pouco se vê de olhares lascivos. Hoje, até pensei, num ímpeto imediatista, em escrever naquele fatídico quadrinho do Facebook. Ah, aquilo é uma verdadeira armadilha para os impulsivos, ou para aqueles que estão segurando algum grande sentimento. Quase aquele pequeno retângulo me incitou a propor uma conferência virtual local, ao afirmar – ali, no quadrinho – “estou pensando em fazer sexo”.

O que será que diria o curitibano? O que sua mente processaria? Também está aí outra coisa que não entendo. Com esse frio, tão convidativo a esses prazeres, destino perfeito para momentos íntimos, por que o curitibano se comporta dessa maneira como se fosse tirado de uma creche depois de chorar durante horas pela falta da mamãe? Onde estão seus hormônios que não criam comportamentos involuntários que lembrem as ideias criativas de Nelson Rodrigues? Ou para ser mais local, que lembrem as histórias proibidas para menores do brilhante Dalton, que faz ziguezague anônimo pelas nossas esquinas?

Já sei! É justamente por isso. Porque o curitibano tem que acordar cedo, é um povo trabalhador para caramba, dá um duro danado, e isso em plena cidade propícia aos volteios do amor, onde ele não pode dar vazão a pensamentos lascivos. Analistas de plantão, me ajudem a elucidar a questão!

Também é curioso. Justamente hoje, quando menos posso escrever a mão – sim, esse texto que você está vendo foi tele-transportado via digitação, mas foi feito a mão mesmo. Pois então, às vezes ser escritor é muito injusto. A gente escreve, escreve, e aí, quando não se pode escrever, aí é quando se escreve, entende? Vou explicar. Acontece que quase decepei o meu dedinho. Ah, estou meio Marilyn, acho que o anti-efeito do estilo curitibano. Não é o dedinho, cara mia, é meu polegar esquerdo, que é a minha mão direita, dá para entender, né?

Então, agora, que tenho que dividir minha disciplina diária entre leitura, escrita, piano, ministrar aulas de voz – o texto resolve ficar horas comigo. O texto, meu texto!, me dou conta, tem um lado sacana. Logo, aviso aos amigos: cuidado com seus membros! Sim. Falo por mim. Me cito como exemplo. Me excito, cito, excito, cito, isso dá para aproveitar, ah, dá para parar? O que está acontecendo comigo? O dedinho, melhor, o polegar, ai, dói, mas tem que ir mais um pouco em frente. Digo, a questão é psicanalítica, entende?

Aviso que meu dedo está doendo em todas as fases dessa redação e edição. Está bem. Vou tentar ser objetiva. Inconscientemente, meu corpo avisou que era para eu diminuir o ritmo. Estava acelerada demais, por isso quase esmaguei meu dedo na porta do carro, no último sábado. Por outro lado, sendo o polegar – um certeiro delírio lacaniano aqui infere – e ainda atravessa as fronteiras do privado e invadindo soberanamente o coletivo – seguindo rumo à análise histórica do meu dedo machucado, ou seja, a pergunta que se faz é “o que meu dedo fala?” Ele fala que não é bem assim. Ou seja, meu dedo não pode acenar que está tudo ok, com aquele polegar de esquerda caprichado, entende?

Sorte que ninguém me lê. Sorte. Sorte que não dou ibope. Ah, aproveito para dizer outra coisa. Agora sei o motivo deste texto eclodir aqui. Ontem terminei a noite com D. Quixote e comecei a manhã de trabalho com ele. Retomei a leitura que andava largada nos últimos dias. E aí, a influência do cavaleiro da triste figura resultou nesse texto estranho, que me atravessa os dedos e se compõe aqui, na minha frente.

Esses dias, observando um evento cultural, o pessoal daqui tentava descrever como é o curitibano. Coisa esquisita. Ninguém falava palavra nenhuma. Estranho. Ficou na pontinha da língua e quase falei. O curitibano é quieto, não fala com desconhecidos. Às vezes, talvez por razões internas – não cumprimenta na rua os conhecidos, e, às vezes, tem repentes de urbanidade surpreendentes com turistas e gente de fora, o que encanta até eles próprios. O curitibano é uma graça. Está vindo uma geração após outra, ou seja, um povo misturado. Ideias novas estão se miscigenando às antigas. E meu dedo está doendo.

O curitibano é ainda um último romântico. Uma pesquisa, não lembro exatamente a fonte, mas ouvi esses dias na BandNews, falava que o curitibano é, dentre todas as capitais, o que menos se interessa por sexo. Entre as razões, pelo seu perfil conservador, ele é o que menos transa sem envolvimento. Agora ponho um dedo aqui nessa análise. O curitibano é assim fechado porque ele é justamente o contrário disso. Ele quer amor, quer ser aceito, tem dificuldades para ser amado, e ainda não percebeu isso!

É como se o seu comportamento contido dissesse “quero amor, quero sexo, então, fico quieto”. Uma atitude, em boa parcela ainda, extremamente feminina. Então, parece que elucidei a questão ou enlouqueci. Quem vai a Curitiba, não põe crase, mas ainda assim, Curitiba é absolutamente feminina, ou seja, há uma crase enrustida.

Só sei que quero ver o que vai dar. Quero ver esse povo focado, trabalhador, novo, vindo, vindo, quero ver de camarote esse povo curitibano se descobrindo. E como a instância espiritual e a literária, neste ponto, até comungam, ou seja, as grandes ideias estão na rua, hoje ouvi, de raspão, na entrada de um shopping, um rapaz dizer ao outro. “Pô, a Saiane é muito gostosa”. O outro concordava, “é, ela é gostosa mesmo, sabia que ela trabalhou em Salvador?” O que me mais me intrigou nessa mensagem do poderoso acaso foi que o radical do nome, Sai-ane.


Darlene Dallarmi

sábado, 17 de agosto de 2013

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Ela, que contraiu matrimônio com Tânatos, e nos deixou cedo demais

Oisive jeunesse
À tout asservie;
Par délicatesse
J' ai perdu ma vie.

Arthur Rimbaud; Chanson de la Plus Haute Tour

atino em eufórica
sensação de escombro:
mais importante que ser feliz
é estar vivo!

Rodrigo Madeira; lanterneiro


para i. v.


Réplica de Walter
Benjamin,
sem poder cruzar
fronteiriças regiões
psíquicas,
em ágil e instantâneo
movimento,
você deslocou a
vida para fora de si.

Restou o nó na garganta,
os pés no vazio,
desfraldado pavilhão
do desperdício.

Retorna o sol manso,
de inverno,
aquecendo outra
manhã de segunda

(só você não viu?)

das rotinas sonâmbulas,
do mesmerismo coletivo
vendido por oneroso
suor à indústria
da mídia.

E suas carnes não mais ninho
de ávidos amantes,
nem seus ouvidos para 
only rock and roll
but we like it,
nem seu paladar
a saborear colheres
de chocolate com amêndoa,
ou lúpulo fermentado.

Nem o colo
inestimável,
imprescindível
para suas meninas

(suas meninas, meu derradeiro
argumento)

Só o monstro do Real
agora lhe devora.

Restei, com essa cara
de panaca
que me olha do
lado do mundo de Alice
e um ar tão denso
quanto um derramamento
de óleo.

Não bebi do mesmo
copo para medir
as perspectivas da escolha
porém, você também
não bebeu dos que,
no dia seguinte,
foram convertidos a
meras estátuas de sal,
sem filha,
sem mãe,
sem irmã,

nem igual.

Se, símile ao torna-lar e
ambidestro na Arte,
próximo à rocha
onde os rios ecoam,
consagradas oferendas
ao cavado fosso,
invocada licença
aos guardiões do Érebo,
pudesse ver sua ânima,
estaria você mais sábia?

E, estando mais sábia,
desvelado Tânatos e seu
enfadonho mistério,
rogaria à Perséfone ou
à qualquer Orishá balê,
que voltasse à matéria
por apenas uma noite,
no verão,
para, com suas filhas,
poder simplesmente
admirar sóis longínquos
e com elas rir,
sem nenhum motivo.


Ricardo Pozzo



terça-feira, 6 de agosto de 2013

SUBSISTERS [barbara] 2 VO

bárbara de novo na área, colgada, capturada e cocinada. não podia falar mais rápido, correr mais longe, não o suficiente. eu ajudo-a desfazer a mala. arrepios quando o camisón de seda desliza através dos dedos. e o brilho que as lantejoulas no vestido de noite...podem ter. bárbara atrevia, em cada canto da sala queria porque queria acender um novo cigarro. frente à branda janela o crepúsculo da cidade pequena, o pequeno mar instável, em noite de pouco peixe.


Uljana Wolf/ tradução Ricardo Pozzo



barbara ist zurück. hooked, caught and cooked. keine konnte schneller sprechen, weiter laufen, nicht weit genug. ich helfe ihr, den koffer auszupacken. gänsehaut, wenn mir die slipdress seide durch die finger rinnt, und auf dem abendkleid das glänzen der pailletten... kannste haben. barbara keckert. in jeder zimmerecke steckt sie eine neue zigarette an. vorm fenster fad die dämmerung der kleinen stadt, das kleine klatschende meer, nacht der kleinen fische.



Uljana Wolf

somos o que nos consome?


Odis Seus?


Ciclo
Pe
nélo
Pe

Ricardo Pozzo

domingo, 4 de agosto de 2013

Subsisters [jane] 3 OcT

com jane combinava minha tia, sempre alegres. sua tristeza foi dividida nas cores do berçário e da colméia. jane era meu acordo com o jardim onde acomodávamos o jardineiro, a madeira brilhante do arce e a bengala vermelha. jane era tão valente a ponto de enterrar tudo sozinha. dessa profundidade, ao pôr do sol, elevava o olhar, ou o que restava dele, sob o lenço na cabeça. nas lentes, ganhavam terreno lentamente as ruas com suas casas em miniatura.

mi hermana estaba demasiado vieja para la guardería, pero el
jardinero por otro lado no tiene la edad suficiente

Uljana Wolf/ tradução Ricardo Pozzo



3 OmU

mit jane verbanden meine tanten immer freud. ihr leiden war unterteilt in die farben baumschule und bienenstock. meine vereinbarung mit jane war der garten, darin wir die gardner, das glühende holz des ahorn und den roten gehstock unterbrachten: jane war so mutig, alles allein zu vergraben. aus dieser tiefe hebt sie, mit der untergehenden sonne, den blick, oder was davon blieb, unterm kopftuch. in den gläsern arbeitet sich die straße langsam vor in ihre miniaturhäuser.

my sister was too old for the nursery but the
gardner on the other hand wasn’t old enough


Uljana Wolf

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

Piraquara - Região Metropolitana de Curitiba

Subsisters [jane] 3 VO

com jane, que poderia ser minha tia, alegrias e tristezas compartilhadas no clube. digo berçário, jane colméia. fora isso, poucas concordâncias. mas o jardim, o jardineiro, o vermelho incandescente do arce e do roseiral da casa: encorajo jane a tudo. basicamente, ela é, frente ao sol poente, sempre atraente. seu lenço na cabeça trabalha por ela e no óculos de sol, ao despedir-se, voam as casas na rua de volta para suas cores miniaturizadas.

Uljana Wolf/ tradução Ricardo Pozzo


3 OV


mit jane, die fast meine tante sein könnte, freud und leid im club geteilt. ich sage baumschule, jane beehive. sonst kaum übereinstimmungen. aber der garten, der gärtner, das glühende rot des ahorn und der rosenstock am haus: ich ermutige jane zu allem. im grunde ist sie, gegen die untergehende sonne, noch immer ein hingucker. ihr kopftuch arbeitet für sie, und in der sonnenbrille, beim abschied, fließen die häuser der straße zurück in ihre miniaturfarben. 


Uljana Wolf

segunda-feira, 29 de julho de 2013

No décimo primeiro andar da UFPR - Reitoria

Guerra

No momento o conhecimento envileceu a cimentar
searas de ossos quebradiços ao som de sereias
que sopram tempestades nas ventas invernais.
Sobre as rubras lágrimas na seara de Marte
quando mais sobram foices caminham crianças
de pés descalços e olhos de abismo
no sonho seco de vinho avinagrado
cegos sóis  nascem frios e a dor não acalenta
de vida os corpos desertores

de vida os corpos ausentes na lida.


Wilson Roberto Nogueira

domingo, 28 de julho de 2013

A vida não é filme nem



O que sente a nuvem quando se torna lágrima no olho da noite?

Enquanto eu, que não conheço seu secreto nome, peço ao vento, deus da solidão, que lhe faça um carinho, porque você havia me olhado com tanta verdade, que então até a verdade me olhou e imediatamente fixou minha imagem nas páginas do tempo. 

Ricardo Pozzo

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Sujeitos Leitores


carta aberta

farei minha casa de árvore
no bonsai.

janeleira como olhos,
buliçosa,
a araucária cujos galhos
serão verdes cobras...

mas o veneno será todo meu.

vou contente,
saio sem nove horas.
vou lavar minhas únicas roupas
nos arroios da saliva,
quará-las à luz da lua.

farei minha casa de árvore
no bonsai.

amarelecida de fruta-cor e mijo,
a página,
a língua que lhe falta,
indaga-se:
– onde estás? onde estás,
tu que sangravas tanto?

escreva-me de mim o que
quiseres, página,
não me ouço mais!
assino-te em branco,
fundo tuas margens
num fio de catástrofe.
as palavras já são calhaus.

longe, fui colher insetos
                    através da noite

e afio minha faca no orvalho.


Rodrigo Madeira

terça-feira, 23 de julho de 2013

Em nome da razão



Canção

Três mocinhas me namoram
em Jaén:
Aisha e Fátima e Marién.

Três mocinhas tão garridas
azeitonas iam colher
encontravam-nas colhidas
em Jaén:
Aisha e Fátima e Marién.

Encontravam-nas colhidas
então desmaiavam
com cores perdidas
em Jaén:
Aisha e Fátima e Marién.

Três mouriscas terçãs
iam colher maçãs
e colhidas encontravam-nas
em Jaén:
Aisha e Fátima e Marién.

Anônimo/ Espanha, século XV/ tradução Ricardo Pozzo

Cancion

Tres morillas me enamoram
en Jaén:
Axa y Fátima y Marién.

Tres morillas tan garridas
iban a coger olivas
y hallábanlas cogidas
en Jaén:
Axa y Fátima y Marién.

Y hallábanlas cogidas
Y tornaban desmaidas
y las colores perdidas
en Jaén:
Axa y Fátima y Marién.

Tres moriscas tan lonzanas
iban coger manzanas
y cogidas las hallaban
en Jaén:

Axa y Fátima y Marién.

Anônimo/ España, século XV

terça-feira, 16 de julho de 2013

O Espantalho

arte de Augusto Meneghin, inspirado no poema homônimo de Rodrigo Madeira.
[aquarela e colagem]

quinta-feira, 11 de julho de 2013

o silêncio vai raspando a pele
até cortar a veia do sentimento
o sangue verte irrigando o sofrimento
que germina novas luas
de plácidos rostos em lagoas puras.
Jogo o anzol e só espero o prateado brotar peixe
faminto não sinto dores nem o clamor da fome
não vejo a lua me olhando triste no fundo do lago
só o peixe essa moeda da minha angústia.
palavras são foices ou seda, lã ou adaga
em mim elas saem como desespero de peixes
numa lagoa a secar no olhar de prata da lua
O sorriso plácido do silêncio é uma adaga
um sorriso que corta sem saber
corta o ar da gota prateada que se fez peixe
e não sabe por que seu mundo está a secar.
talvez ele já não saiba mais amar.


Wilson Roberto Nogueira

sábado, 6 de julho de 2013

T.U.C.

Galeria Julio Moreira

quinta-feira, 4 de julho de 2013

domingo, 30 de junho de 2013

Financiamos sua conversa politicamente correta


louva - a - deus

derredor
tudo é uma única carne,
massa de sangue e manhãs,
um único crime e milagre;
nas contorções do ar,
a mesma espessura do minério.

piso folhas secas, manchadas
de outono e icterícia.
avanço, anjo carnívoro,
enfiando os dedos azuis nos
bolsos furados do existir, nas
alegrias de alto teor alcoólico, nos
instantes como sais de prata,
frutos, fósforos.
caibo inteiro em minha solidão.

não estou só.
um perfume gordurento do corpo
(nu sob as roupas) rói mucosas e
epidermes e
me impele ao reino onde sou
bicho, outro, construção remedida
pelo arqui-
teto de estrelas. meu fedor
é uma chama! me depõe nova-
mente sobre as árvores.

eis que vejo: o louva-a-deus.
olha-me como
              se eu fora de fora,
alienígena, um cão sobre a jangada.
olhamo-nos
              circunspectos.

será que pensa, será que sofre
quando curva a cabeça, beato e fera?
remexe o espéculo de antenas
(não dirá palavra),
experimenta as asas,
mantídeo de entre folhagens.

penetro hipoteticamente
sua armadura
em verde-escarro,
ou por baixo
             seu espigão fracionado
e ausculto
a víscera espumando morte
e espanto.

existe nele um rancor que é meu,
uma alegria radiante.
louvamos ambos,

de espinhos armados,
o sol que brilha indiferente
sobre deus e o mundo.


Rodrigo Madeira/ extraído de seu blog às moscas http://rodrigo-madeira.blogspot.com.br/

quinta-feira, 27 de junho de 2013


Do progresso nas profissões

Não se vê daqui, mas sei
que a prostituta na rua
tem um olho de vidro.

É mais aparente o gancho
na mão esquerda
ou, mais à luz, sob o poste
a prótese
da perna.

A insaciedade da fome de carne
que tem que se satisfazer
com borracha.

É tempo de fetiches, pessoas
que se fazem fetiches.
Servir-se
da prostituta na rua
não era tanto sexo com gente
quanto era sexo
com coisa
tevê, geladeira,
sonho transerótico do
transumanista.


Adriano Scandolara/ extraído de seu livro de estréia A Lira de Lixo pela Editora Patuá

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Sabará/ Curitiba

domingo, 26 de maio de 2013

O casaco da memória dá abrigo a restos manjares de ratos.
nos bolsos dos sonhos sobrou um níquel, nada além.
A manhã de sol enganador, só a umidade cortante da razão
cravando adagas de cicatrizes, sorrindo soda e ácido.
abre a porta na manhã fria e não existe uma foice sequer.
Resta resgatar dos escombros algum barro novo a espera
de um sol trôpego e desavisado que dê alguma consistência
ao barro que teima ser pedra quando é só pó.

Wilson Roberto Nogueira.

sexta-feira, 10 de maio de 2013


Neonazifascistas israelenses matam os líderes da resistência semita Palestina, e agentes anglicanos monitoram nordestinos africanos islamizados que disputam postos de trabalho garantidos pela Sua Majestade, a Fraude, cujo mais novo dos netos estraçalha crianças e velhos [o custo de cada míssil sustentaria famílias do terceiro mundo por décadas] para viabilizar as reservas energéticas do ocidente no qual mergulham os jatos das companhias que transportam celebridades capazes de fazer girar em torno de trilhões de dólares ao ano para que você possa sedar-se confortavelmente à frente de sua tela lcd depois de oito horas de serviço, quem sabe, numa multinacional com isenção fiscal igual aos paraísos onde convivem o dinheiro das igrejas, dos tiranos de esquerda, de direita e do Estado por dentro do Estado.
Rezam alguns intelectuais que os indígenas possuem inferior capacidade cognitiva haja visto que eles desconhecem a mega valorizada cultura helênica. É difícil perceber, mas minha ascendência traz uma forte influência indígena e, creio eu, talvez seja por isso que sua boca profira juras de amor enquanto seus olhos as neguem com furor.
Como diz um certo Barão de Münchhausen, a primeira vítima da guerra é a verdade.


Ricardo Pozzo

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Ocupação Nova Primavera/ Curitiba. O Contestado é agora!

quinta-feira, 2 de maio de 2013

glut – gift – gift

juklapp, pensei que o amor não era nada más allá juklapp. restrições acontecem em abundância, podría queimar, seguir o caminho que o nó faz, o livro, a imagem quase realmente quente porém fumacenta. então vieram os hectares de oportunidades. o coração y el contracoração têm ladrões. eis que disponíveis, talvez agora, [un y otro] estejamos.

Uljana Wolf/ transcriação Ricardo Pozzo

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Sabará - Curitiba

Não ao cabelo quieto
comportado e com horário.
Antes o branco mal pintado
balançando ao vento
umedecendo ao sereno
na relva.
Suavemente penteado
por olhos macios
e dedos coloridos.

Não à pele plastificada estéril
monocromática
sem mancha.
Antes as pintas
e cicatrizes de vida.

Não à face
sufocada em tintas
e endurecida de vaidade.
Antes os sulcos que
respiram livres
sem o olhar opaco
das ilusões.
Esses que não perdem
a noção do tempo,
pois não tem noção alguma.


Deisi Perin

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Sabará/ Curitiba

poema-resposta (ou: inspeção da carcaça de um anjo por um destacamento de moscas sequiosas)


não, astolfo,
eu não diria "um pássaro de pano",
eu não diria isso. eu diria:
uma mosca.

uma mosca é mais terrível
que um botão de flor, que a campainha;
uma mosca (e outra mosca e outra ainda)
que pousasse, terrível
nos terríveis,
nos botões e nos gatilhos

em washington, cartago e hiroshima,
em troia e bagdá, em katyn
ou treblinka.

moscas dos verões berlinenses, entre
61 e 89,
passeavam – e livremente –
dos lixões ocidentais, onde
um braço decepado apodrecia,
às fezes semilíquidas
de burocratas do partido.

mosquinhas delicadas, idem:
roçaram os arames, os alarmes e vigias
e punham ovos
nos pomares de potsdam,
na árvore sem lembranças
em que enforcaram também suas crianças
os últimos nazistas.

mesmo ao lancetado cristo, quando
debandaram os apóstolos, é bem possível
que uma ou duas moscas
lhe fizessem companhia.
moscas mesmo sobre os corpos
de heitor e lincoln, menelau ou bonaparte,
aquiles, lênin, nixon.

e se ora elas põem ovos
no laquê de merkel, na lapela
dos financistas, nos bigodes
de todos os políticos,
na aposentadoria
de bush pai & filho & cia

– como antes
nas florestas da bolívia
pisaram sem coturnos
o rosto mais fashion
do socialismo –,

entortam, isso é certo, também a pose
de carla bruni (enésima-neta
de cesare,  felipe – o belo)
supirando, ciciando uns versos
de emily dickinson.

e embora eu ame maiakóvski – o maior
poeta entre os políticos –
e me toquem mais que o claro enigma
as cartas de drummond a stalingrado,
nada impede que seja um pássaro
de pano imagem bem ridícula.

nada disso impede, astolfo,
que uma mosca seja a lira, dos homeros
a concisa, cantando aos mortos num campo de batalha;
nada impede

que uma mosca seja tanto
ou mais poética
que um avião de guerra, um helicóptero
sobre as torres de petróleo líbio:

pois se a mosca pousa e alça voo, astolfo,
acredita!,

também levanta os pós e as areias,
também encrespa as águas e cabelos,
espalha as páginas avulsas
dessa tua ilíada.


Rodrigo Madeira
Ocupação Nova Primavera. O Contestado é agora!

segunda-feira, 22 de abril de 2013

a sua pele branca de algodão, 1


não fujo de uma rosa dolorida
nem quero a solidão tumultuada.

para morrer eu só carrego a vida."

 romério rômulo

terça-feira, 16 de abril de 2013

Rua Trajano [Hell´s] esquina com Paula Gomes - Curitiba

Sobre esquecer as chaves em casa


Salvador Dalí cruzando a Visconde com a Vinte e Quatro de Maio trajado de cão andaluz vê um monte de estudantes do Bom Jesus fardados e enfadados fumando um maço de cigarros mentolados deitados na praça Rui Barbosa e encosta num canto sem sombra um tanto assustado ao perceber que as rosas de
plástico que brotam do asfalto exalam o mesmo aroma artificial de tabaco que se encontra no pulmão do cidadão sentado no banco e nos dentes amarelados dos alunos do ensino médio e diante do tédio da quinta-feira ele ainda ébrio segue em direção ao telefone público da esquina e disca 3022-2324 e pede o combo mais barato do Vininha pra comer sozinho no caminho enquanto dá um rolê pela Linha Turismo e impressionado com o realismo dos mendigos esfomeados em contraste com a riqueza da cidade ele sente saudades de casa e caça nos bolsos da calça uma chave de ouro ou um relógio de bolso derretido que o leve de volta para o plano onírico situado entre A Girafa em Chamas e O Grande Masturbador tomando ciência da inexistência de tal souvenir Salvador começou a vagar à procura de alguma nuvem em forma de porta já que coincidentemente naquela hora o último biarticulado havia passado em frente ao passeio público e não havia outro modo seguro de ir embora foi quando Dalí percebeu que a partir dali assim como os relógios pendurados no muro em A Persistência da Memória ele estava trancado no próprio futuro pelo lado de fora.


Camillo José
Bar OTorto - Arte by Juliano Grus/ Curitiba

Amálgama


A vida me persegue com seus timbres 
Roucas vozes do acontecimento; 
Nada me amedronta mais 
Que a face intacta das coisas. 

Tomo de açoite o banquete das rosas 
Oásis de brancura estendem-se 
Em escarlates ensandecidos 
De-lírios à veia acesa. 

Restam desertos 
Que o sol, tresloucado 
Chama de poemas. 

A areia arranha o silêncio do pêlo e sua 
Mistura de sal no sentido da pele 
Perduram águas. 

À sina de mim 
Amálgamas vertem suas misturas 
Que a pureza dos olhos 
Chama pássaros 

Circundam o mel do corpo 
Venta, na eriçada 
Flor do ventre.


Roberta Tostes Daniel

quarta-feira, 10 de abril de 2013

terça-feira, 9 de abril de 2013


O carrinheiro carrega o fardo de seus sonhos desfeitos
feitos de papelão que queimam no dia a dia a ilusão
vivem pra ontem à correr pro hoje
a passos mortos no agora da ágora.

O carrinheiro com que ganha alimenta de sal a esperança
nas vísceras o sabor do café fraco e frio pro filho sua herança
nos seios secos de leite ainda verte da dor o amor
pedra que rasga o coração no arame do choro faminto da criança.

O carrinheiro com o vento leva as cicatrizes de suas pegadas
o sangue seco na secura de seus olhos fantasmas
só ilumina a luz de sua sombra companheira
do fiel cão que dá a vida sem exigir o seco  pão
corpo de Cristo na fé que transcende a razão
cão que come a carne que resta quando encontra
lhe basta a carne do vento na sombra do carrinheiro.

O carrinheiro carrega sua sombra fantasma na sombra da selva
da cidade parte pedaços parte em pó nas partes da cidade
paisagem qual pedra um Pedro ou Zé nas sombras
Ao dia que se amontoa e soterra a noite que ilumina na escuridão
as trevas nada a gota humana carregando a si e o que de si resta
è o que presta presto cavalo homem da urbe trituradora
vapor trabalho desconstruindo na força motriz a mercadoria
Segue animal alienado lutando por sua humanidade diante do aço e do vidro.

È só o pó que resta da mercadoria a força de trabalho de valor tão escasso
tão sem cifrões e zeros só o valor reciclável de uma vida

Segue a poesia nas pegadas do cão ao caminhar
Parte da paisagem sombra sangue que escorre das cicatrizes da cidade
Tiro de verdade na ilusão
soco no estomago da Feliz Cidade.

Wilson Roberto Nogueira