quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Quero amor, quero sexo, então, fico quieto!


Vou pegar a segunda via de uma conta. Nem importa a conta, detalhe que de nada serve nessa tentativa aqui de escrita. Vejo, ao lado, um funcionário meio calvo atender uma mulher com evidente queda de cabelo. Observo a exigência pesada de chapinha, a raiz agonizante tentando falar por olhos faiscantes, de tão nervosos. Não sei por que acho isso curioso. Invento de observar cada coisa. Talvez porque muitas mulheres têm queda de cabelo. Ou porque, na vida atual, há uma maior incidência de mulheres com queda de cabelo.

Elas ficam atônitas. Procuram médicos, horrorosos, então se desesperam mais, e aí ficam com mais queda de cabelo. Mas elas ainda estão no lucro em comparação com a porcentagem masculina com tendência à calvície. Porque a mulher tende a gastar menos. Mas talvez, também, a sua missão seja pior, quer dizer, dificílima: vencer as causas da sua nervosa queda de cabelo. Porque o corpo vai indo, indo, e não aguenta essas mulheres, deve ser isso. Nem o corpo aguenta uma mulher. De onde veio essa? De onde fui tirar esse anátema da literatura? Vou deixá-lo só pela dúvida se isso é muito ruim ou se trata de um achado antropológico.

Aliás, minha atendente ficou felicíssima com a minha opção pelo botão excelente ao avaliar seu atendimento. Sorriu. Sorri. Tão bom sorrir. Tão bom procurar o sorriso e encontrá-lo. Inclusive, nem sei por que sorri. Sorry. Sorri sem motivo e achei tão sincero, tão lá de dentro, só não sei bem de onde, e aí veio uma vontade de rir meio gargalhada, sabe? Aí deu mais ataque de riso ainda, porque não há motivo. Acho que é Luiz Tatit, numa letra brilhante, que elucida exatamente isso que estou sentindo, com toda a veracidade que aqui relato.

Acho que comer pipoca doce, também, dá uma alegria que, tão estranha, chego a suspeitar que eu esteja atingindo a iluminação tibetana. Será efeito dos protestos que tomaram o Brasil nos últimos meses e me deixaram desse jeito? Vai ver a política entrou na minha veia de tal forma e me deixou assim, numa nova versão, e eu ainda não tinha percebido. Será que tenho bipolaridade e ela está em oscilação, e agora está me levando para cima? Estou me estranhando. Será que alguém sorrir sem motivo é sinal de ser bipolar?

O engraçado, aqui em Curitiba, é sorrir no meio da rua. As pessoas te olham desconfiadas. A cara de espanto delas diz algo tipo, “o que ele tem para estar sorrindo assim?”, “será um surto psicótico?” Outras, mais sensíveis, olham como quem diz, “que é que foi, vai encarar, é?” Outras ainda, grunhem, sério, seus olhos grunhem, como latidos. Bravas mesmo. Uma desconfiança indisfarçada é preponderante. Algumas se indignam e a expressão não consegue calar o quanto eu soo intrigante.

E então eu sorri, sorri pelas ruas, sorri lambendo as gotas de chuva amáveis de tão permissivas, porque são poucas e me permitem caminhar sem o broxante guarda-chuva que impede meu trabalho de escriba. Pingos generosos, esparsos, preguiçosos de se despejar na montanha que eles mais adoram se descarregar, Curitiba, porque num outro dia não teria essa mesma sorte, nem essa alegria, nem esse sorriso.

Fazendo uma análise que adoraria ser profunda, é preciso rever essa fama de o curitibano ser um povo mal-humorado. Discordo. Estou vivendo isso na pele. O povo curitibano é o mais bem humorado deste nosso país tropical. Só ele, com a sua vontade de viver, com sua determinação em acordar com um frio desagradável que oscila entre 10 graus para menos às 6h da matina, sem calefação, só ele para olhar o céu cinza em degrades e encara o seu dia. Poxa, o curitibano merece um prêmio por ser um bravo brasileiro.

Está bem, pegando a carona na nova escriba que resolveu falar em mim, vou dizer, sem pensar, um, dois, vai lá, porque isso pode ofender o meu querido povo curitibano. Fico pensando como eles transam. Pouco se vê de olhares lascivos. Hoje, até pensei, num ímpeto imediatista, em escrever naquele fatídico quadrinho do Facebook. Ah, aquilo é uma verdadeira armadilha para os impulsivos, ou para aqueles que estão segurando algum grande sentimento. Quase aquele pequeno retângulo me incitou a propor uma conferência virtual local, ao afirmar – ali, no quadrinho – “estou pensando em fazer sexo”.

O que será que diria o curitibano? O que sua mente processaria? Também está aí outra coisa que não entendo. Com esse frio, tão convidativo a esses prazeres, destino perfeito para momentos íntimos, por que o curitibano se comporta dessa maneira como se fosse tirado de uma creche depois de chorar durante horas pela falta da mamãe? Onde estão seus hormônios que não criam comportamentos involuntários que lembrem as ideias criativas de Nelson Rodrigues? Ou para ser mais local, que lembrem as histórias proibidas para menores do brilhante Dalton, que faz ziguezague anônimo pelas nossas esquinas?

Já sei! É justamente por isso. Porque o curitibano tem que acordar cedo, é um povo trabalhador para caramba, dá um duro danado, e isso em plena cidade propícia aos volteios do amor, onde ele não pode dar vazão a pensamentos lascivos. Analistas de plantão, me ajudem a elucidar a questão!

Também é curioso. Justamente hoje, quando menos posso escrever a mão – sim, esse texto que você está vendo foi tele-transportado via digitação, mas foi feito a mão mesmo. Pois então, às vezes ser escritor é muito injusto. A gente escreve, escreve, e aí, quando não se pode escrever, aí é quando se escreve, entende? Vou explicar. Acontece que quase decepei o meu dedinho. Ah, estou meio Marilyn, acho que o anti-efeito do estilo curitibano. Não é o dedinho, cara mia, é meu polegar esquerdo, que é a minha mão direita, dá para entender, né?

Então, agora, que tenho que dividir minha disciplina diária entre leitura, escrita, piano, ministrar aulas de voz – o texto resolve ficar horas comigo. O texto, meu texto!, me dou conta, tem um lado sacana. Logo, aviso aos amigos: cuidado com seus membros! Sim. Falo por mim. Me cito como exemplo. Me excito, cito, excito, cito, isso dá para aproveitar, ah, dá para parar? O que está acontecendo comigo? O dedinho, melhor, o polegar, ai, dói, mas tem que ir mais um pouco em frente. Digo, a questão é psicanalítica, entende?

Aviso que meu dedo está doendo em todas as fases dessa redação e edição. Está bem. Vou tentar ser objetiva. Inconscientemente, meu corpo avisou que era para eu diminuir o ritmo. Estava acelerada demais, por isso quase esmaguei meu dedo na porta do carro, no último sábado. Por outro lado, sendo o polegar – um certeiro delírio lacaniano aqui infere – e ainda atravessa as fronteiras do privado e invadindo soberanamente o coletivo – seguindo rumo à análise histórica do meu dedo machucado, ou seja, a pergunta que se faz é “o que meu dedo fala?” Ele fala que não é bem assim. Ou seja, meu dedo não pode acenar que está tudo ok, com aquele polegar de esquerda caprichado, entende?

Sorte que ninguém me lê. Sorte. Sorte que não dou ibope. Ah, aproveito para dizer outra coisa. Agora sei o motivo deste texto eclodir aqui. Ontem terminei a noite com D. Quixote e comecei a manhã de trabalho com ele. Retomei a leitura que andava largada nos últimos dias. E aí, a influência do cavaleiro da triste figura resultou nesse texto estranho, que me atravessa os dedos e se compõe aqui, na minha frente.

Esses dias, observando um evento cultural, o pessoal daqui tentava descrever como é o curitibano. Coisa esquisita. Ninguém falava palavra nenhuma. Estranho. Ficou na pontinha da língua e quase falei. O curitibano é quieto, não fala com desconhecidos. Às vezes, talvez por razões internas – não cumprimenta na rua os conhecidos, e, às vezes, tem repentes de urbanidade surpreendentes com turistas e gente de fora, o que encanta até eles próprios. O curitibano é uma graça. Está vindo uma geração após outra, ou seja, um povo misturado. Ideias novas estão se miscigenando às antigas. E meu dedo está doendo.

O curitibano é ainda um último romântico. Uma pesquisa, não lembro exatamente a fonte, mas ouvi esses dias na BandNews, falava que o curitibano é, dentre todas as capitais, o que menos se interessa por sexo. Entre as razões, pelo seu perfil conservador, ele é o que menos transa sem envolvimento. Agora ponho um dedo aqui nessa análise. O curitibano é assim fechado porque ele é justamente o contrário disso. Ele quer amor, quer ser aceito, tem dificuldades para ser amado, e ainda não percebeu isso!

É como se o seu comportamento contido dissesse “quero amor, quero sexo, então, fico quieto”. Uma atitude, em boa parcela ainda, extremamente feminina. Então, parece que elucidei a questão ou enlouqueci. Quem vai a Curitiba, não põe crase, mas ainda assim, Curitiba é absolutamente feminina, ou seja, há uma crase enrustida.

Só sei que quero ver o que vai dar. Quero ver esse povo focado, trabalhador, novo, vindo, vindo, quero ver de camarote esse povo curitibano se descobrindo. E como a instância espiritual e a literária, neste ponto, até comungam, ou seja, as grandes ideias estão na rua, hoje ouvi, de raspão, na entrada de um shopping, um rapaz dizer ao outro. “Pô, a Saiane é muito gostosa”. O outro concordava, “é, ela é gostosa mesmo, sabia que ela trabalhou em Salvador?” O que me mais me intrigou nessa mensagem do poderoso acaso foi que o radical do nome, Sai-ane.


Darlene Dallarmi

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