Abel, Adão, Jair e o Zé almoçavam juntos, há anos, no restaurante de dona Tereza. Pequeno, agradável, sem fila e comida caseira. Apenas Abel e Jair trabalhavam na mesma empresa, e conheceram os outros dois ali mesmo, almoçando. Ou à noitinha, quando se reuniam para comer uma porção de lambari, ou para conversar. Falar mal de patrão, de funcionário, governo, televisão, e para beber.
Abel gostava de ir lá, principalmente pelo ambiente. No fim da tarde, quando quase sempre só ele e os amigos, mais dois ou três desconhecidos, e dona Tereza. Conhecida entre os clientes por sua discrição, tanto quanto ao que ouvia, quanto aos excessos cometidos por eles quando embriagados. Isto era importante para Abel, visto que ocupava um cargo de chefia na empresa. Não queria que sua imagem, de engenheiro responsável pela qualidade, de camisa aberta até o umbigo, e com a gravata amarrada na cabeça, chegasse aos olhos dos subordinados. Nem que se formasse na cabeça destes através do ouvido, pela boca de algum fofoqueiro.
Entre os subordinados estava Jair, mas com este, Abel não se preocupava, pois era seu amigo.
Era 12:30 quando Abel entrou no restaurante, quinze minutos depois do habitual. Chegou sozinho, pois Jair ficara terminando de vistoriar um pedido que já estava atrasado. Sentou-se na mesa de sempre, onde já estavam Adão e José:
-Bom dia! - disse, enquanto os amigos almoçavam.
-Boa tarde. -responderam.
-Ainda não almocei. Para mim, ainda é “bom dia”.
Os dois se olharam sem entender, e continuaram a conversar. Dona Tereza chegou:
-O que vai querer?
-O de sempre, bife à parmegiana.
-Bom, bom. Você vai gostar.
Dona Tereza virou-se, e saiu, Abel não entendeu. Sempre comia bife à parmegiana. A velha devia estar ficando caduca. Concentrou-se na conversa animada dos amigos.
-Segundo a tradição cristã, a queda de Lúcifer, precedeu a criação do mundo. Já segundo
oprofeta Isaías, essa queda ocorrerá no futuro. Essa contradição muito embaraça os teólogos.
-Não acredito que a descoberta de petróleo pré-sal nos tire da condição de reféns de petróleo da Bolívia.
-Isso não tem nada a ver com o presidente, ele não pode apoiar um candidato que disputa com um outro candidato de sua bancada no congresso.
-Então você acha que a imprensa é imparcial?
-Quem falou a verdade, a tradição ortodoxa ou o não menos ortodoxo Isaías?
-Você já fumou um para saber?
-Não mude de assunto!
Abel não compreendia a conversa, não fazia sentido. Sentia um leve entorpecimento na cabeça, como se tivesse bebido um pouco. Mas não tinha. Estranho, mas tudo bem. Chegava dona Tereza com seu prato:
-Peito de frango grelhado? Eu não pedi isso, eu pedi bife à parmegiana!
-Pois não – foi até o balcão, e voltou com um vidro de pimenta, que pôs na mesa.
-Obrigado – respondeu-lhe Abel, pensando que, realmente, a velha ficara maluca.
Comeu pensando, “por que Jair ta demorando, será que teve algum problema?”. Esperava que não, pois tratava-se de um dos maiores clientes. Até que o frango não estava ruim.
Almoçou quieto, ouvindo a conversa de seus amigos, que, para ele, não fazia o menor sentido. Quando foi pagar a conta, não entendia dona Tereza, que não falava coisa com coisa. Acabou deixando o troco e levando um rolmops num saquinho, coisa que não queria. Tanto na saída do restaurante quanto na empresa, percebeu que todos o olhavam com curiosidade e pena.
Fazia seu trabalho, quando chegou a ambulância do seu plano de saúde.
Camisa de força, remédio e terapia, morreu trinta anos depois, no hospício, com a certeza de que o resto da humanidade havia enlouquecido.
Abel gostava de ir lá, principalmente pelo ambiente. No fim da tarde, quando quase sempre só ele e os amigos, mais dois ou três desconhecidos, e dona Tereza. Conhecida entre os clientes por sua discrição, tanto quanto ao que ouvia, quanto aos excessos cometidos por eles quando embriagados. Isto era importante para Abel, visto que ocupava um cargo de chefia na empresa. Não queria que sua imagem, de engenheiro responsável pela qualidade, de camisa aberta até o umbigo, e com a gravata amarrada na cabeça, chegasse aos olhos dos subordinados. Nem que se formasse na cabeça destes através do ouvido, pela boca de algum fofoqueiro.
Entre os subordinados estava Jair, mas com este, Abel não se preocupava, pois era seu amigo.
Era 12:30 quando Abel entrou no restaurante, quinze minutos depois do habitual. Chegou sozinho, pois Jair ficara terminando de vistoriar um pedido que já estava atrasado. Sentou-se na mesa de sempre, onde já estavam Adão e José:
-Bom dia! - disse, enquanto os amigos almoçavam.
-Boa tarde. -responderam.
-Ainda não almocei. Para mim, ainda é “bom dia”.
Os dois se olharam sem entender, e continuaram a conversar. Dona Tereza chegou:
-O que vai querer?
-O de sempre, bife à parmegiana.
-Bom, bom. Você vai gostar.
Dona Tereza virou-se, e saiu, Abel não entendeu. Sempre comia bife à parmegiana. A velha devia estar ficando caduca. Concentrou-se na conversa animada dos amigos.
-Segundo a tradição cristã, a queda de Lúcifer, precedeu a criação do mundo. Já segundo
oprofeta Isaías, essa queda ocorrerá no futuro. Essa contradição muito embaraça os teólogos.
-Não acredito que a descoberta de petróleo pré-sal nos tire da condição de reféns de petróleo da Bolívia.
-Isso não tem nada a ver com o presidente, ele não pode apoiar um candidato que disputa com um outro candidato de sua bancada no congresso.
-Então você acha que a imprensa é imparcial?
-Quem falou a verdade, a tradição ortodoxa ou o não menos ortodoxo Isaías?
-Você já fumou um para saber?
-Não mude de assunto!
Abel não compreendia a conversa, não fazia sentido. Sentia um leve entorpecimento na cabeça, como se tivesse bebido um pouco. Mas não tinha. Estranho, mas tudo bem. Chegava dona Tereza com seu prato:
-Peito de frango grelhado? Eu não pedi isso, eu pedi bife à parmegiana!
-Pois não – foi até o balcão, e voltou com um vidro de pimenta, que pôs na mesa.
-Obrigado – respondeu-lhe Abel, pensando que, realmente, a velha ficara maluca.
Comeu pensando, “por que Jair ta demorando, será que teve algum problema?”. Esperava que não, pois tratava-se de um dos maiores clientes. Até que o frango não estava ruim.
Almoçou quieto, ouvindo a conversa de seus amigos, que, para ele, não fazia o menor sentido. Quando foi pagar a conta, não entendia dona Tereza, que não falava coisa com coisa. Acabou deixando o troco e levando um rolmops num saquinho, coisa que não queria. Tanto na saída do restaurante quanto na empresa, percebeu que todos o olhavam com curiosidade e pena.
Fazia seu trabalho, quando chegou a ambulância do seu plano de saúde.
Camisa de força, remédio e terapia, morreu trinta anos depois, no hospício, com a certeza de que o resto da humanidade havia enlouquecido.
Luis André Martins
2 comentários:
pô! muito bom!
muito bom!!!
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