sábado, 20 de dezembro de 2008

um fauno

Há um nódulo na quinta-feira. Dizer adeus faz caírem meus cabelos. A verdade é uma lâmpada falha num quarto cheio de moscas e infiltrações de parede, mas a esperança, sobre as águas da febre, tem a pertinácia da cortiça. O tédio é a pior forma de tristeza.
Eis que alguma coisa no sol fratura tudo o que somos aqui em baixo. O dia mija luz sobre as coisas e fere e fede e ilumina um jardim de absurdos: borboletas com caules, gerânios asmáticos, orquídeas menstruadas, margaridas que suam, lírios que sangram, girassóis cujas corolas são ânus. O sol brilha também sob minha pele.
O ronco dos carros é quase uma fuga de bach. Quase beatífico, anuncia a metástase de um silêncio. Quando o pôr-do-sol vazar feito um vagaroso sangramento de nariz, haverá um segundo para nos olharmos, e no aço dos ossos florescerão pátinas e tétano, e na medula correrá a seiva elétrica das plantas que não existem. Com um estetoscópio de marfim, enquanto leio uns aforismos de blake, ausculto a parada cardíaca das pedras. Meço a pressão arterial e a solidão da chuva.
Ao entardecer, deito-me sobre as pastagens tauríferas, verde como o colegial de van gogh. Deixo o vento definir meu nome. Quando levanto, é meio-dia: estou numa praia cheia de ninfas que tatuam o sol na pele, e elas sorriem como o mar, puxando, puxando...
À noite, quando morremos mais de uma vez, a alma (esta ficção) faz guarida como um abajur no escuro. Todas as chaves perderam seus dentes, e não importa. Significar algo é brutal como empalhar uma criança. Estou alegre como quem anda descalço. Estou alegre como quem sobe o telhado. Ouço o sermão das nuvens. Ou me sento à mesa, corto um pedaço do peixe e já não digo nada (a boca cheia de silêncios): quais frutos velhos, as palavras estão abertas sobre a terra. Maré, por exemplo, cognoscível apenas pelo cheiro. Jogo longe minha flauta. As árvores, através dos vôos das aves, conversam entre si na distância imensa. Respirar é minha única religião.

Rodrigo Madeira

5 comentários:

Ivone fs disse...

não vou comentar, pois estou embevecida!

Anônimo disse...

mas o tédio não é triste,
nem alegre

giulianoquase.

Ame disse...

Huahuuu! Sentir a sintaxe(deste texto)é o respirar destas palavras,
elementos que cheiram a musgo, que recobre minhas veias, testificando
que uma única seiva, flui do lençol
subterrâneo da 'nossa' alma.

(lisa köe)

Ah...se vc soubesse, qto pigmento da minha alma, está contido ai."Magnifico"

Ana Sisdelli disse...

Palavras tecidas com um sabor peculiar,metáfors entrelaçadas.
Estupendo.


mas, o tédio é algo que não é alegre nem triste , é algo sem reação, sem graça, o tédio é o avesso do Extase. Eu diria.
besos!

Ana Sisdelli

cañete disse...

Bom, bom, nao conhecia esse.
E novo
beijocas