É meu marido que paga ...
Quando eu era professor de matemática financeira, para facilitar o entendimento da matéria, eu utilizava como exemplos práticos, coisas do dia a dia das pessoas, tipo, uma venda a prazo em três pagamentos sem entrada, o cartão de crédito, a compra de combustível com cheque pré-datado, o penhor de jóias da Caixa, etc.
Meus cursos eram para profissionais da área financeira, ou seja, funcionários e gerentes de bancos, funcionários de financeiras ou departamentos de crédito, estudantes de economia ou administração, e afins.
Eventualmente, aparecia um médico, um dentista, um advogado, um dono de farmácia, que, talvez cansados de serem ludibriados financeiramente, decidiam aprender um pouco da tal matemática financeira.
Como em qualquer profissão ou atividade, com o tempo, o profissional passa a ter o chamado “olho clínico”. Isto é, aquela sensibilidade para “adivinhação”.
Para os professores, esse “olho clínico” possibilita saber de antemão, quais dos alunos entenderão mais facilmente a matéria, e, qual ou quais, entrarão e sairão do mesmo tamanho, isto é, sem entender bulhufas .
Pois bem, estava eu a explicar que, notadamente com inflação alta, quanto mais se postergar um pagamento, em não havendo juros de mora, tanto melhor para o devedor. E vice-versa.
Isto não é mistério, pois, sabe-se que em economias inflacionárias (e nisto nós brasileiros somos doutores), se não aplicado o dinheiro, quanto mais tempo passa, mais a inflação o corrói. Em outras palavras, a inflação é contra o credor, e portanto a favor do devedor.
Para facilitar o entendimento e possibilitar uma metodologia de cálculo, tomei como exemplo, o cartão de crédito.
Dizia eu:
Imagine que você vai fazer uma compra numa loja. Imagine que o preço, para pagamento em dinheiro (à vista) seja igual ao valor para pagamento com cartão de crédito. Imagine que você dispõe do dinheiro no bolso, caso fosse pagar em dinheiro (à vista).
Imagine também, que a data ideal para compra com seu cartão de crédito seja hoje.
Isto é, comprando hoje com o cartão, você só quitará a fatura daqui a trinta dias, pelo mesmo valor que pagaria à vista.
Ora, argumentava eu, financeiramente, na situação imaginada, opta-se pela compra com o cartão. De fato, pois o dinheiro da compra à vista, é aplicado, renderá juros por 30 dias, produzindo consequentemente ao final dos 30 dias, um montante maior que o valor da fatura do cartão de crédito.
A diferença entre, o montante da aplicação do dinheiro, e o valor da fatura do cartão de crédito, ou seja, os juros auferidos, representa a vantagem financeira que o devedor obtém, ao optar pela compra à prazo (no cartão).
Não creio que o prezado leitor, tenha tido alguma dificuldade para entender esta sistemática. Pode que não se tenha habilidade em fazer os cálculos, mas a idéia, acredito que esteja clara.
E o “olho clínico” ??? Perguntariam vocês. O que tem o ver o tal “olho clínico” com a inflação ou com o cartão de crédito ???
Eu explico.
dos alunos, era uma senhora, que não apresentava absolutamente o biótipo de um profissional da área financeira, tampouco aparentava ser uma estudante de economia ou administração.
Eu percebia que ela não estava entendendo “niente”. Eu até apostaria que ela não sabia, sequer, o que era inflação ...
Mas, como professor, e pelo dever do ofício, teria eu que dar-lhe uma chance para que ela esclarecesse suas dúvidas. Poderia ela estar sentido-se deslocada, pois o restante do grupo, eram todos profissionais da área financeira, e assim estaria ela retraída para perguntar, aquilo que não estivesse compreendendo.
Dirigindo-me a ela, dei-lhe então a oportunidade:
— E a senhora, qual seria sua opção nesta hipótese da compra com o cartão de crédito versus compra à vista ???
Ela respondeu-me.
— Este negócio daí, quem tem que entender é o meu marido, pois é ele quem paga a fatura do meu cartão de crédito ...
Osiris Duarte de Curityba
Publicado no Recanto das Letras em 05/10/2008Código do texto: T1212756