A campainha barulhenta tocou. Odiava quando a campainha barulhenta tocava. Aliás, devia estar velha mesmo: odiava qualquer coisa que não fosse boa música ou bom filme, ultimamente. A campainha barulhenta tocou de novo. Vestiu uma camiseta e foi atender.
– Oi.
– Oi.
– Oi.
– Eu estava com saudades.
– Eu estava dormindo. Entra e fecha e porta.
Beija. Com sono, com pressa, sem vontade. Ele ainda fala:
– Passei pela loja ontem e vi um disco do My Bloody Valentine. Lembrei de você, mas, tava caro. Um dia eu compro pra nós.
– Cadê a merda dos meus cigarros?
– Aqui.
Acende, coloca uma música para tocar.
– Hey, você comprou o disco dos Smiths?
– Comprei. Surtos consumistas. Odeio consumismo.
– Me beija.
– Eu estou fumando agora. Espera.
– Eu não ligo.
– Eu não quero.
Algum tempo e o silêncio. Ele não consegue suportar:
– Terminou o livro?
Cinzeiro em uma mão, começou a arrumar as coisas no lugar.
– Não, dormi. Acho que vou ao médico, semana que vem.
– Está sentindo alguma coisa?
– Sono. Odeio sentir sono.
– Todo mundo sente sono, não precisa ir ao médico. Está sentindo mais alguma coisa?
– Não. Vou ao médico, odeio sentir sono.
– Devem ser esses seus remédios...
– Eu não vivo sem eles. Quero outro para não sentir sono. Tem remédio pra tudo hoje em dia.
– Tem Buscopan.
– Assistiu ao filme ontem?
– Sim.
– Ok. Não conheço mais ninguém que nunca tenha visto Fellini.
– Não exagera.
Colocou vodka pela metade num copo de estrelinhas. Terminou o cigarro.
– Quer?
– Quero. Eu gosto de você.
– Eu sou insuportável.
– É. Mas, eu gosto de você.
Sentou no mesmo sofá que ele estava sentado.
– Eu sou insuportável e tenho sono.
– Cala a boca.
Ele a beijou. Ele sorriu. Ficaram abraçados por alguns instantes. Tonta, levantou para fazer café.
– Quer café?
– Não. Eu queria você.
– Clichês agora?
– Pra te fazer sorrir.
– Odeio clichês.
Ela levantou e foi até a cozinha. Estava incomodada, olhava para a água fervendo no micro-ondas. Café solúvel, leite desnatado, adoçante. Voltam para o mesmo sofá. Ele a beija. Ela o beija. Daqueles beijos devagar, mordendo os lábios, com os olhos abertos para poder olhar. Deitam-se no chão. Ele tenta beijá-la. Ela olha para o teto.
– Não vivo mais sem micro-ondas.
Ele continua beijando.
– Eu tive um sonho engraçado essa noite.
Ele continua beijando.
– Pára.
– Desculpa.
– Eu tive um sonho engraçado essa noite.
– Você não dormiu à noite.
– Modo de falar.
– Você estava com alguém ontem?
– E se estivesse?
Ele sorri:
– Eu não iria embora.
– Eu não faria isso.
Mentira. Tinha problemas com relacionamentos: não conseguia ficar com ninguém porque alguém melhor podia aparecer.
– Com o que você sonhou?
– Coisas estúpidas.
– Não vai contar?
– Não.
– Por que começou então?
– Não comecei. Odeio contar sonhos. Preciso dormir.
– Posso dormir com você?
– Não sei.
Mais tempo e mais silêncio.
– Ok, fica. Mas, eu preciso dormir.
Deitam, ele a abraça. Ela sorri e fala:
– Ok. Eu gosto de você.
Ele sorri.
LETICIA FONTANELLA