quarta-feira, 23 de abril de 2008

Luiz

Quando soube da gravidez da esposa, o humilde homem iniciou os planos para o último dos dez rebentos: "vai sê dotô !". A mãe compartilhava o sonho do marido . Nenhum dos outros filhos põde estudar, herdaram do pai o trabalho na lavoura e como o pai , trabalhavam árdua e esmeradamente. Os outros nove filhos não sentiam inveja dos planos traçados para o caçula, que nem havia chegado ainda, pelo contrário, também queriam que a família tivesse alguém estudado, sentiriam orgulho em dizer: "dotô fulano de tal é meu irmão ! " . A mãe ,dona Candoca , imaginava como seria ter um filho que falava igual ao "dotô devogado " que passava na televisão. Via-se fazendo perguntas ao filho que ainda estava na barriga: "qui qué dizê essa palafra mio fio ?". Os planos foram se solidificando enquanto a barriga crescia. quando a criança nasceu o pai deu o nome de luiz (havia visto na televisão que era nome de alguém importante) .
Luiz cresceu como uma criança normal do interior. os pais não lhe exigiram que trabalhasse desde cedo, como haviam feito com seus irmãos, aliás como era costume naquele tempo na roça. sua única obrigação era o estudo; "já terminô a terefa fio ? " . Perguntava a mãe toda tarde . E também o pai quando chegava da lavoura. Até os irmãos eram cuidadosos com os estudos do mais novo ; "ocê vai sê diferente di nóis tudo, ocê vai sê dotô, intão istuda pra módi num caí nos cabo da inxada".
Quando Luiz terminou as séries fundamentais precisou estudar em uma escola de outra cidade, acordava bem cedo para aproveitar o ônibus que levava os bóias-frias e voltava a pé os sete quilômetros de estrada de chão que o distanciavam de sua casa, sofrimento maior era nos dias de chuva , chegava todo coberto de lama. Mas para alegria da família Luiz não desistiu. Quando entrou na Faculdade de Direito a situação ficou mais difícil ainda, o jovem precisou ir para uma cidade ainda mais distante e só voltava de quinze em quinze dias. A família fazia sacrifícios para manter o universiário estudando longe mais não importava; todos se sentiam felizes e orgulhosos por terem um membro da família estudando "pra sê dotô das lei". A mãe mal podia ver a hora de ouvir o filho falando difícil e todo certinho. Mas passou o primeiro ano e o rapaz continuava falando como antes, como sempre falou.
O curso já estava na metade e nenhuma mudança drástica , se não tivessem inteira confiança no caráter de Luiz, desconfiariam que não estivesse estudando, que estivesse se divertindo à custa do sofrimento da família. ninguém se atrevia a falar nada a ele, com medo de magoá-lo. Tentavam disfarçar a frustração de não verem nada de mudança no filho.
Na faculdade Luiz se destacou como um ótimo aluno, aplicado e sempre tirou boas notas. Nos trabalhos que tinha que apresentar demonstrava uma grande eloqüência e os colegas que o conheciam desde o início do curso espantavam-se com a evolução que teve com a língua culta; não falhava em nenhuma concordância, enriqueceu absurdamente o vocabulário, usava verbos bastante incomuns para enriquecer seus discursos de persuasão. conseguiu um bom estágio remunerado e com isso pôde dar um pouco de folga para a família, e essa nova fase matou qualquer desconfiança que pudesse haver, por menor que fosse com relação aos estudos do rapaz. Luiz já estava no último ano; decidiu fazer um esforço para agradecer aos paiz e irmãos que tanto o ajudaram em sua formação. Fretou uma perua e alugou alguns quartos em uma pousada para que a família estivesse presente em sua formatura.
Todos, sobretudo a mãe, já haviam se resignado com o fato do filho não mudar como eles queriam, e nunca comentaram, nem mesmo entre eles, suas frustrações, e cada um decidiu sózinho nunca comentar a decepção que tiveram com os estudos de luiz. Não queriam magoá-lo. A família do advogado se assustou, quando ouviu que o formando Luiz dos Santos faria a homenagem aos pais presentes, em sua simplicidade não queriam que o filho passasse vergonha, depois de tantos discursos bonitos e com palavras difíceis luiz seria motivo de piada com sua linguagem simples da roça. mas acabada a homenagem os irmãos o aplaudiram em pé, como todos na platéia; e um casal de velhinhos chorava abraçado perdido na multidão, depois de ouvirem o belíssimo discurso, que sabiam que era direcionado a eles, proferido pelo Doutor Luiz José dos Santos.

Gilson Pereira

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