terça-feira, 24 de abril de 2007

Sonho

O espírito Blake pairou com olhos da noite prateada, acima de minha cabeça. Ao seu lado, um Rimbaud de cabelos enfurecidos, resmungava como menino, desvairado e sem ritmo.
- Vem! - ordenou Blake; a parede dissolveu-se à minha frente.
Tragado, como quem cai para o lado, senti um alívio suspeito que transcendia as batidas em meu peito. À minha frente, por um caminho que dividia o Jardim em duas enormidades, Blake andava altivo, olhos fixos. Carregando, com a esquerda, um livro de secretos antigo.
Eu, sem perceber onde, ia observando direções extremas. Faiscavam explosões laranja contra um céu violeta sem estrelas, na vasta planície de árvores arcaicas, a escura e ampla claridade dos trovões que traziam a chuva que não caia.
Rimbaud, cuspindo pelo chão, cantarolava uma canção ébria, fascinado pelas imagens aéreas das imensidões que se formavam. Ouviam-se sussurros de fadas & demônios erguidos pelas aves raras ao redor. Labaredas de fogo intermitentes. Sol e Lua frente a frente.
No equinócio de meus sentimentos, alheio aos desdobramentos do universo que nos cercava, caminhávamos à uma multidão. Havia um púlpito lacrimoso em pedra, à espera de um orador. E lá, todos os poetas malditos que sofreram em vida a vida de milhões. Os consagrados e os que nunca foram reconhecidos por ninguém.
Mirei-os. Em cada um havia estrelas apenas na noite dos olhos. Borges enxergara assim quando fora do espelho. Dos Anjos e Alves cantarolavam, incitando a multidão. Pégaso, o cavalo nascido do sangue vertido da Medusa, repousava soberbo entre as explosões dos céus violáceos. O fogo rubro guardado pelas sentinelas era saborosamente experenciado, ferindo a tenra Língua dos que ainda não tinham se acostumado com a Sabedoria ancestral dos Eóns humanos.
E vislumbrando o que seria o Inferno, ou o Céu dos Poetas, despertei.

Ricardo Pozzo