segunda-feira, 2 de abril de 2007

Invenção

Parece-me que fui lançada pra fora da realidade. Para o mundo das inexatidões e verdades que se escalpelam. Vou mar adentro no caminho do amor; enquanto ele se resguarda. Estou triste agora por quê não sei e não sei como saber. Minhas perguntas flutuam em obscuridades doídas que acenam à minha dor de estar-se deixando viver. Não, eu não sei se seria capaz de amar e não sei mais. Não sei sequer se o amor existe: ah, esta conjuntura que definiram para que eu definhe... estou só, eu e o amor. Eu e o horror de não conhecer o invisível que me circula e o indócil que é toda a minha obsessão.
E então o que se resguarda sou eu. Eu, que tenho o medo menor do que meus sonhos, afasto-me dessa disfunção quase pragmática e choro. Não sei por quê, choro. E não sei por quê, penso em amor neste instante. Sou concisa quando olho o teu sangue já seco e lembro-me do resto. - E só amanhã saberemos.
Este amanhã me chegou rápido e chegou só a mim e ao sol. Fechei a cortina de meu quarto e pensei o que é que queria dizer aquilo, de só saber depois... não, eu gosto de saber no instante, gosto de sentir a clarividência tomando conta de cada pequenino gesto e de cada pedaço do pensamento. Esperei o amor e ele não me foi dado. Não; eu não sei o que é o amor. Sei que me agarrei como uma criança de colo ao corpo da mãe e não quis mais soltar; procurava algo suave com as mãos e não encontrava. E eu era a própria carne repleta de feição.
E me tornava cada vez menor. Tornara-me cada vez mais carne, como se estivessem unindo o meu minúsculo corpo junto àquele, que transpirava repulsa. Mas e a repulsa? Era toda minha?
Ainda não sei o que há de tão repugnante em um instante que faz desfazer todos os outros - dentro de mim – e desmorona-se tudo, como uma fileira gigantesca de peças de dominó. Estou eu, a errada, a que cai; e todas as outras, caindo... então eu sou a esmagada. E a minha chama morre; eu estou só e quero lhe dizer o quanto me sinto triste, o quanto de vergonha ainda cabe em mim. Mas não lhe diria. Não, eu não direi. Olho a sua imagem de ausência imóvel dentro de mim; sinto um buraco, algo negro se dissipando e estremeço. Não sei se talvez eu devesse chorar, talvez, o meu dever para comigo mesma seja este, chorar-me. Ou beijar-lhe e me calar? Exclamo mil vezes por segundo e não reclamo da sua inexatidão.
Desenvolvo isto após perceber que eu não estava e nunca estarei. Enquanto você estiver. Por mais que eu queira muito, e por tudo, eu nunca estarei. Enxergo agora de outro jeito, fecho um olho e apenas observo com o outro. Sinto-me assim, não sei explicar por quê eu própria não sinto isto que sinto; apenas agreguei ao meu pensamento-amor esta certeza, faço assim. Mas ainda, se eu me esforçasse, eu saberia explicar como é que se sente quando se encarna e a loucura se torna só um pedágio.
Em minha cama não há alguém. Deito-me só e sei que estou em silêncio. Pulsa o meu coração porque do outro lado pulsa alguém que não sou eu. Calei-me há milhares de anos, e estou assim ao perceber com verossímil atroz que vago além. Mas a minha alma, contudo, não viveu. Descanso e espero pelo amanhã e eu não saberei. Há um corpo ausente e seminu, este, do peito que encosto minha cabeça para dormir e a dor da limitação, o ardor de tudo o que transmuta sem mim.

Mme. Valentina
escritora convidada do Grupo Pó&Teias

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