quarta-feira, 17 de junho de 2015

Muros II



Países abandonados canibalizam suas populações expurgando cada fibra humana, empilhando em pesadelo seus restos transformados em diamantes, urânio, ouro, petróleo, mais além de seus rins, fígados pulmões e sangue, o sangue verde de sua pujante riqueza tropical, da biblioteca contida em suas raízes culturais, na tradição de seus autóctones patenteados, que jamais terão suas moléstias curadas em prol da saúde e a prosperidade das fortalezas setentrionais.

Aos pés dos muros, fugitivos da angústia, expropriados de seus órgãos, de suas famílias famélicas se arremessam à luz esfumaçada da França, Espanha, Itália e são devidamente expelidos após serem usados. Caem aos montes, às moscas da carniça de seus sonhos, a desilusão, o sonho de fazer a América, que quer braços e não bocas sobram presídios cinco estrelas para aqueles que não terão vaga nesse arame farpado estendido no alto dos arranha-céus onde as feras do desemprego fazem suas vítimas.

Muros onde cada tijolo é um auto-engano da boa sociedade burguesa, hipócrita, purgando suas consciências, dando esmolas, atuando no teatro paternalista de medidas paliativas, de politiqueiros de plantão, na cordialidade estudada de preconceitos velados, manifestos no vidro de seu caviar, se espraiando dos incluídos nas calçadas, ignorando o direito de ir e vir da massa amorfa e pútrida das não pessoas.
A elite nos países desmoronando tal o peso de seus muros sociais, econômicos, psíquicos.

Os construtores das barragens para conter a barbárie não se veem bárbaros, sua autofagia virótica, porque anular no outro o resultado do flagelo que provocam, escondem no sótão o quadro purulento de seus excessos, o poder produzido através do acúmulo pela expropriação, pela concentração das riquezas a partir da contração de oportunidades, sem olhos para ver a luta ciclópica, caminham para o suicídio, atentam contra o seu próprio status e privilégios no arrancar da esperança da massa, tão estupefata em suas delícias, tão delirantes em suas obras, não veem se aproximar à queda de suas fortalezas, de seus muros e o fim da transfusão de sangue fétido que alimenta sua relação com o Estado. Afora seu protetor, o Estado, não podem se proteger da vingança das não-pessoas, das crianças de olhares sem luz.


Wilson Roberto Nogueira


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