Países abandonados canibalizam suas populações expurgando
cada fibra humana, empilhando em pesadelo seus restos transformados em
diamantes, urânio, ouro, petróleo, mais além de seus rins, fígados pulmões e
sangue, o sangue verde de sua pujante riqueza tropical, da biblioteca contida
em suas raízes culturais, na tradição de seus autóctones patenteados, que
jamais terão suas moléstias curadas em prol da saúde e a prosperidade das
fortalezas setentrionais.
Aos pés dos muros, fugitivos da angústia, expropriados de
seus órgãos, de suas famílias famélicas se arremessam à luz esfumaçada da
França, Espanha, Itália e são devidamente expelidos após serem usados. Caem aos
montes, às moscas da carniça de seus sonhos, a desilusão, o sonho de fazer a
América, que quer braços e não bocas sobram presídios cinco estrelas para
aqueles que não terão vaga nesse arame farpado estendido no alto dos
arranha-céus onde as feras do desemprego fazem suas vítimas.
Muros onde cada tijolo é um auto-engano da boa sociedade
burguesa, hipócrita, purgando suas consciências, dando esmolas, atuando no
teatro paternalista de medidas paliativas, de politiqueiros de plantão, na
cordialidade estudada de preconceitos velados, manifestos no vidro de seu
caviar, se espraiando dos incluídos nas calçadas, ignorando o direito de ir e
vir da massa amorfa e pútrida das não pessoas.
A elite nos países desmoronando tal o peso de seus muros
sociais, econômicos, psíquicos.
Os construtores das barragens para conter a barbárie não se
veem bárbaros, sua autofagia virótica, porque anular no outro o resultado do
flagelo que provocam, escondem no sótão o quadro purulento de seus excessos, o
poder produzido através do acúmulo pela expropriação, pela concentração das
riquezas a partir da contração de oportunidades, sem olhos para ver a luta
ciclópica, caminham para o suicídio, atentam contra o seu próprio status e
privilégios no arrancar da esperança da massa, tão estupefata em suas delícias,
tão delirantes em suas obras, não veem se aproximar à queda de suas fortalezas,
de seus muros e o fim da transfusão de sangue fétido que alimenta sua relação
com o Estado. Afora seu protetor, o Estado, não podem se proteger da vingança
das não-pessoas, das crianças de olhares sem luz.
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