Todos os dias saltam do alto das muralhas do medo, restos de
desespero, fantasmas sem grilhões. Feridas rasgadas, sulcando de quente sangue
a pele negra, herança do sofrimento no arame farpado da opressão. Os cães do
ódio ladram e seus dentes cravam na carne suja e apodrecida da escravidão.
A afluente aristocracia – dos eupátridas pós-modernos do
alto de seus palacetes – quer perpetuar seu fausto enfastiado, com máquinas que
não comam, não bebam e não se reproduzam, precisam de criados invisíveis que
não ofendam com sua presença.
Os muros são fronteiras que protegem vós mesmos nos outros,
a vossa humanidade, a obrigação de enxergar o contraste no espelho da exclusão.
Denuncia da consequência da ânsia de acumular necessidades supérfluas, carência
de necessidades reais da multidão zumbi, do lumpen.
Os muros correspondem ao medo de se verem despojados de suas
histórias, construídas dos espólios da guerra fratricida entre a cria mais
forte e a mais fraca da loba do sistema.
O abismo se agiganta, as trevas abatem as crias esquálidas
do proletariado no esgoto da exclusão, embrutecendo suas vontades na voracidade
da vingança, cristalizada no crime, incendiada nos entorpecentes, perdidas na
sarjeta.
Os muros são construídos por todos que os exteriorizam na
força repressiva do representante autoeleito , o Estado, forte diante dos
fracos e fraco diante dos fortes.
É quando o subúrbio se levanta e o morro escorre para a
calçada. O subúrbio clama por empregos e o morro por esperança na forma de pão
e dignidade.
Cada tijolo ensanguentado, por quem é colocado?
Só o dólar e o pó atravessam os muros, se globalizam. As
pessoas estão confinadas em seus pesadelos de consumo, chafurdando no lodo que
transformaram as pátrias violentadas.
Caminham, não, se arrastam nas sombras, atravessam desertos
guiados por coiotes, são espremidas em contêineres, vagam em barcos,
escorraçados em sua esperança, lastros de fantasia, patologia. O não-lugar para
as não-pessoas.
A estátua abre os braços, generosa aos miseráveis do mundo
inteiro, generosidade de pedra, cláusula que esqueceram de gravar em seu
pedestal de bondade:
"desde que tenham dinheiro ou voltem para suas cloacas
do terceiro mundo após o expediente, pobreza terrorista que carregam em seus
corpos...".
Muros represam o mar pútrido da pobreza, da violência, que
agride e alimenta o revide. O muro que engole o berço.
A globalização dos muros erigidos, verdadeiras homenagens ao
Apartheid. Os muros ideológicos derrubados a marretadas em Berlim não
permitiram aos embriagados ver o quão inebriados de ideologia estavam. Outros
muros foram levantados: na Coréia do Norte, em Israel ou na fronteira dos
E.U.A. com o México; outros muros construídos com o imperativo de ocultar a
agressiva presença do outro, o estrangeiro, que quer um lugar à mesa, um lugar
ao sol.
Serviçais sentados à mesa dos patrões com seus modos de
sarjeta, com odores fétidos e roupas sujas, restos devorados por suas próprias
mães.
Wilson Roberto Nogueira 12/04/06
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