domingo, 27 de abril de 2014

Os dentes da madrugada curitibana rangem enquanto uma montanha de panos velhos aproxima-se de um apressado pacato burguês e sua sacolinha de remédios."Uma moeda por favor". Sem desviar o rosto da estrada deserta, responde: "Lamento, minha última moeda gastei nos meus remédios". Não perde seu precioso tempo procurando algum rosto entre aqueles trapos ambulantes e levanta o braço mostrando a sacola da farmácia, enquanto com a outra em punho cerrado, aperta a moeda com a efígie do presidente JK. Passos apressados na escuridão sem o farol dos carros ,passa a andar no meio da rua. Como o tempo pode ser tão longo!

Wilson Roberto Nogueira

quinta-feira, 24 de abril de 2014


O último inimigo

Jorge despertava
entre a tempestade de fogo
com essa tosse de bombardeio
que não se ia nunca
e antes do desjejum
se barbeava num pedaço
de espelho que pulsava

Essa manhã beijou
a seus filhos e sua mulher
beijou como o sonho
profundo e suave
beijou de uma maneira
imperdoável e doce

Mais tarde no banheiro de um bar
sacou um revólver e disparou
justo no lugar onde
posicionava-se a tristeza


Gustavo Caso Rosendi/ tradução Ricardo Pozzo


El Último Enemigo

Jorge se despertaba
entre la tempestad del fuego
con esa tos de cañoneo
que no se le iba nunca
y antes del desayuno
se afeitaba en un pedazo
de espejo que latía

Esa mañana besó
a sus hijos a su mujer
besó como el sueño
profundo y suave
besó de una manera
imperdonable y dulce

Más tarde en el baño de un bar
sacó un revólver y disparó
justo en el lugar donde
se apostaba la tristeza


Gustavo Caso Rosendi

sábado, 19 de abril de 2014

sexta-feira, 18 de abril de 2014

E um dia as estrelas cairão,
como pouco a pouco faz a cabeleira
ensanguentada deste carvalho.
Soubemos crescer, ser tão fortes
quanto uma vela no meio da noite.
E agora que o vento frio
espalha as línguas do verão,
as inervações de seu espírito
transparecem com o sol.
O dia se mostra um pouco cansado.
Uma mulher esconde os mamilos
em um casaco amarelo. O gari
passa a mão por sobre a testa.
Duas crianças correm ao tempo
sem conseguir alcançá-lo. Embora
tempo seja um ancião com uma bengala,
não conseguem. Um cão persegue
a roda de um caminhão;
depois para, agitado.
E um dia as estrelas também o farão
como faz, pouco a pouco
a cabeleira ensanguentada deste carvalho.


Gustavo Caso Rosendi/ tradução Ricardo Pozzo


Y un día las estrellas caerán,
como poco a poco lo hace la cabellera
ensangrentada de ese roble.
Supimos crecer, ser tan fuertes
como una vela en plena noche.
Y hoy que el viento fresco
desparrama las lenguas del verano,
las nervaduras de tu espíritu
se transparentan con el sol.
El día se muestra algo cansado.
Una mujer oculta sus pezones
en un abrigo amarillo. El barrendero
pasa una mano por su frente.
Dos niños corren al tiempo
sin conseguir atraparlo. Aunque
el tiempo es un viejo con bastón,
no pueden. Un perro persigue
la rueda de un camión;
luego se detiene, agitado.
Y un día las estrellas también lo harán
como lo hace, poco a poco,
la cabellera ensangrentada de ese roble


Gustavo Caso Rosendi
Você alguma vez viu o rosto
de um soldado morto?
É como se tivesse envelhecido
de repente. Era quase uma criança
enquanto durou. Mas, de imediato,
tornou-se velho.
O rosto dos pais,
que o choraram, não era
tão ancião quanto o rosto desse
mocinho. Depois, sim. Também.
À velocidade da luz.
Alguém apontou certeiro
Em seguida, no momento em que o dedo
se moveu, fechou os olhos. Ambos:
o que efetuou o disparo e aquele soldado,
fecharam os olhos com a diferença
de um segundo. Os pais, não.
Não queriam fechá-los num primeiro momento;
mas logo fizeram-no.
E foi aí que o viram andando
pela primeira vez, balançando,
dando seus primeiros passos,
agarrando-se com força naquele brinquedo
que lhe deu segurança.
Feche os olhos, nada mais. Não tenha
medo, que tudo já é passado.
Verá esse rosto final e o outro
do início. E também verá
o rosto de seus pais; do atirador.
Todos os olhos se fechando.
Eu lhe garanto.

Gustavo Caso Rosendi/ tradução Ricardo Pozzo



¿Viste alguna vez la cara
de un soldado muerto?
Es como si hubiera envejecido
de repente. Era casi niño,
mientras duró. Pero de pronto,
se hizo viejo.
Las caras de los padres,
que luego lo lloraron, no eran
tan ancianas como la cara de ese
muchachito. Luego, sí. También.
A la velocidad de la luz.
Alguien apuntó certeramente.
Luego, en el instante en el que el dedo
se movió, cerró los ojos. Ambos:
el que disparó y aquel soldado,
clausuraron su mirada con diferencia
de un segundo. Los padres, no.
No los querían cerrar, al principio;
pero luego lo hicieron.
Y ahí fue que lo vieron caminar,
por primera vez, bamboleándose,
dando sus primeros pasitos,
agarrándose bien fuerte a aquel juguete
que le dio seguridad.
Cerrá tus ojos, nada más. No tengas
miedo, que todo ha pasado.
Verás esa cara del final, y la otra
del comienzo. Y también verás
las caras de sus padres; la del tirador.
Todos los ojos cerrándose.
Te lo aseguro.


Gustavo Caso Rosendi


o espanto degolado da poesia
numa palavra bruta, guerreada
rasgando o corpo pra criar o dia

descasca vida, come madrugada.

Romério Rômulo

terça-feira, 15 de abril de 2014

Está velhinha, morrendo.
É um lenço de luz
ou são seus cabelos grisalhos que protegem
as lembranças de todos?
Há pouco ainda buscava
seu neto. Agora dá voltas
pela praça, na cama do hospital.
Agora, está subindo em um carrossel.
"Está confusa, lhe falha a memória"
- diz a enfermeira à imagem
da outra enfermeira que sempre
está pedindo silêncio, e que,
zangada, coloca o indicador
nos lábios e o morde
enquanto move sua cabeça
para ambos os lados.
Agora a avó é jovem novamente.
Pega entre os braços seu filho,
que estava montado em um cavalinho
de madeira. O filho chora,
quer outra volta. Ela sorri
e o beija. "Amanhã" - diz -
"Amanhã daremos todas as voltas
que você queira." Coloca-o no chão e
o pega pela mão. E enquanto caminham,
ela se revira nos lençóis
e aí está a enfermeira alcançando-lhe
o filho para que amamente
Pela janela do quarto
o céu é o mesmo de sempre.
"Está perdida, lhe falha a memória"
torna a dizer a enfermeira -
enquanto agita o termômetro,
mecanicamente.


Gustavo Caso Rosendi/ tradução Ricardo Pozzo



Está viejita, muriéndose.
¿Es un pañuelo de luz
o son sus canas las que protegen
los recuerdos de todos?.
Hace un rato aún buscaba
a su nieto. Ahora da vueltas
por la plaza, en la cama del hospital.
Ahora se está subiendo a una calesita.
"Está perdida, le falla la memoria"
-le dice la enfermera al cuadro
de la otra enfermera que siempre
está pidiendo silencio, y que,
enojada, baja el dedo índice
de sus labios y se los muerde
mientras mueve su cabeza
para ambos lados-.
Ahora la abuela es de nuevo joven.
Toma entre los brazos a su hijo,
que estaba subido en un caballito
de madera. El hijo llora,
quiere otra vuelta. Ella le sonríe
y lo besa. "Mañana" -le dice-.
"Mañana daremos todas las vueltas
que quieras". Lo baja y lo toma
de la mano. Y mientras caminan,
ella se da vuelta entre las sábanas
y ahí está la enfermera alcanzándole
a su niño para que lo amamante.
Por la ventana del cuarto
el cielo es el mismo de siempre.
"Está perdida, pobre, le falla la memoria"
-vuelve a decir la enfermera-
mientras agita el termómetro,
mecánicamente.


Gustavo Caso Rosendi

No Campo dos Espinheirais

Não

ele apenas deu uma gota minúscula do que é estar do outro lado.
Não, o judeu não obrigará o alemão levar outro alemão para dentro de um forno crematório.

Não Fraulein,

ele o judenrat  também não ficará brincando com a pistola estando diante de uma vala comum
com centenas de corpos .

O nazista vai andar a pé até algum gulag na Sibéria ou voltará pra sua Alemanha.
(depende do ano )

ele deve lembrar de Deus e sua santa suástica ,orar para que o oficial soviético e seus soldados
não tenha passado por aldeias onde mulheres e crianças russas, chacinados pelas ss
e a sua gloriosa werchmacht

sua esposa não será a lembrança de mulheres que já não existem mais. Nem a russa ou até mesmo a alemã. Que sorrirá com todos os lábios por um chocolate e um cigarro.

Passará o soldado Nibelungo murmurando que só cumpria ordens e se não tivesse cumprido, seria morto,

Ao som do Tropéu da Cavalgada das Valquírias  um manto de vergonha foi o derradeiro legado de Hitler para a nação alemã.

As vísceras de Dresden e Berlin urram para os céus e não existe uma única fresta para respirar, para ressuscitar dos escombros, das cinzas de Wagner

O soviético tenta não ver vinte milhões de pais, mães, filhas, netos e mesmo assim, judeu que é, não mata o alemão e dá o seu rifle a um fantasma ,que aos poucos retorna do mundo dos mortos e esse alemão viverá para encontrar no meio dos escombros o que restou de luz nos olhos de sua família.

Bom, o oficial do campo e os ss devem estar dependurados dançando por aí enquanto os cossacos tocam harmônica e sua balalaica .

Guerra é arame farpado rasgando a alma , cortando sonhos e abrindo com a dor
outros olhos que jamais verão campos verdes e floridos até brotar alguma criança
no útero estéril de tanto levar chutes de sombras que invadem amanheceres,
uma gota de sangue molhando um sorriso no olhar. Olhos negros, castanhos,
azuis de sonho rasgados de esperanças suando pétalas numa flor tocando o lábio da amante,
esposa que espera no silêncio as sombras dos uivos vazios cansarem de açoitar .


Ela um dia será sol novamente ...


Nada do que é humano me é estranho.



Wilson Roberto Nogueira

domingo, 13 de abril de 2014

Forçando o olhar para encontrar outros símbolos nas letras tortas da folha de sentimentos em branco. A página de papel revela-se espelho do atropelo da alma bêbada que quer cair para ver se ainda é capaz de sentir dor. Quebrou-se e nada sentiu; queimaram-lhe o cabelo e teve que cortá-lo daquele jeito hitlerístico que nada tem de seu. Por isso força os olhos da alma no papel que lhe rejeita.

Procurando ao redor das cadeiras algum papel;
se os restos que encontro é o que procuro,
nos silêncios das folhas rasgadas, documentos
de vozes tortas nas bocas sujas de almas sebosas; leio nos símbolos várias expressões, as quais só explodem por serem disparadas de vigor envenenadas sem direção ou valor organizadas.
Desatino no desalento crispadas nos olhos espadas rasgam a noite: o bando em loucas risadas chutando o vento ignorando espaço e tempo queimando a consciência.
O princípio da responsabilidade surdo e cego, velho, vaga no lamento; enquanto o prazer reina escondendo no útero acéfalo, o feto do futuro.
A semente utopia agora vazia e oca, plena de eco no pesadelo da agonia.
Amanhã a rebeldia polimorta encontrará revolta o retorno à razão, à direção e ao sentido; e aí estaremos de fato perdidos.


Wilson Roberto Nogueira

sábado, 12 de abril de 2014

Carnaval de Curitiba - 2014

Brinde

Subia e descia colinas
até chegar ao soldado Sañisky
Dava-lhe um abraço
colocava entre suas mãos meu maço de Marlboro
este é teu - dizia -
é tudo que tenho
e nos dedicávamos a dar baforadas
igual àqueles orifícios
que repentinamente surgiam
no carvão em brasa como
acne irremediável

Hoje quando nos encontramos
em alguma festa de aniversário
e acendo um cigarro
sentimos que estamos lá novamente
Então meu amigo
- que já não fuma -
coloca entre minhas mãos
uma taça de vinho
e olhamos como correm
nossos filhos
como falam nossas mulheres

E porque ainda perdura
a tristeza é que estamos felizes
e porque sabemos que de alguma
maneira não nos venceram
é que brindamos

Gustavo Caso Rosendi/ tradução Ricardo Pozzo


Brindis

Subía y bajaba colinas
hasta llegar al soldado Sañisky
Le daba un abrazo
le ponía entre las manos
mi paquete de Marlboro
esto es tuyo -le decía-
es todo lo que tengo
y nos dedicábamos a echar humo
igual que aquellos agujeros
que de pronto aparecían
en la turba como un
acné irremediable

Hoy cuando nos juntamos
en algún cumpleaños
y enciendo un cigarrillo
sentimos que estamos allá de nuevo
Entonces mi amigo
–que ya no fuma-
me pone en la mano
una copa de vino
y miramos cómo corren
nuestros hijos
cómo hablan nuestras mujeres

Y porque aún nos perdura
la tristeza es que estamos felices
y porque sabemos que de alguna
manera no nos han vencido
es que brindamos


Gustavo Caso Rosendi



o argentino gustavo caso rosendi  (1962, esquel, província de chubut) participou como soldado da guerra das malvinas (1982), um fato marcante na sua poesia dos anos subsequentes, & recebeu a Faja de honor de la sociedad de escritores da província de Buenos Aires, em 1986. publicou 3 livros de poesia: elegía común (1987), bufón fúnebre (1995) & soldados (2009). participou ainda das coletâneas El viento también recuerda,  uma antologia de trabalhos de ex-combatentes, & de Poesía 36 autores.

Guilherme Gontijo Flores

terça-feira, 1 de abril de 2014

Toda nudez será castigada

O teatro de um bêbado

Eu, apenas eu
Pisando na areia úmida e fria
Meus olhos secos e empedrados
Mostravam a chama que nem mesmo ardia

O sol posto nos postes
Exalava soberania
Me era calmo e substancial
Como o tempo que rasgava meus risos
E minhas filosofias

Eu era o espetáculo de uma platéia insignificante e imprópria
De insetos e cães vira-latas
Meu ódio e minha melancolia
Escavavam um buraco em meu próprio olho
Que feito de ego e pedra, resistia

A água que vinha do céu
E o céu que deitava no mar:
O erotismo da natureza
Que como um quadro torto e belo
Fazia arder-me os versos,
Meus cascos, meu drama,
Minha comédia, meu terror.

Minha bipolaridade enferma
Que me dá azia
Minha vida incerta e naufragada
Minha peça de teatro torta
De riso, de choro
Sem roteiro e utopia


Matheus  Forcinetti
Menina de olhos tristes no Carnaval de Curitiba/ 2014