quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Recolhe os olhos aos pés
quando o sol amanhecer,
e com ele se fizer
meu sermão.

Acorda a alma a gritos,
sem despertar o mal
que com ela descansa
entre os vãos.

das portas,
das casas,
do túneis abrigados
no fundo das veias.

furadas,
vazias,
drenadas para ficar
loucas com a escassez

Respira com cuidado,
atento à própria vida
e aos movimentos frágeis
do pulmão.

Retira a própria pele
e mascara o semblante,
para não parecer mais
com seus irmãos.
("Autoridade")

Matheus A. Quinan

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

domingo, 27 de novembro de 2011

Perdas

Perdas
Pedras pretas
presas
caixas-pretas
sob o carvão de corpos
prêsas do destino
do desalinhavado destino
pedras em desatino
esmagando pulmões
libertando pulmões
libertando vozes de agonia
em meio ao humo
a humedecer de prata liquida
olhares incendiados de fogo invisível
olhares sem prumo de celerados animais
horda huna sem rumo
invadidos pela lua uivam várias adagas de agonia
animais vagando no pranto anônimo da noite
novos pratos fartos
de vis visceras
na saborosa ceia das feras
fitando o horizonte com olhos famintos
viver sob o manto da morte



Wilson Roberto Nogueira

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Fênix

dentro
de cada
um de nós
tem uma
fênix

dentro dela
fogo cromo ródio
lilases rododendros
dentes asas membros
de amor e de ódio
sobre tons de
ônix

dentro de
cada tom
violetas vivas
roxos de morte
anéis cristais pós
e algo ainda
e cada vez
mais forte
dentro de cada
um de seus
nós

Ivan Justen

terça-feira, 15 de novembro de 2011

ESTADO DE SIGNIFICAÇÃO Gaza. (de origem e destinação incertas).

um. feminino.
Nó em lágrimas, desatado
nas extremidades. Obrigado a dobrar-se,
a não-ser, ensanguentada mordaça.
Serve para enganchar ou cingir
a isca do Ocidente,
naco de raiva,
espada de Israel

e logo suspendê-las do nada.


dois. feminino.
Circundar o arame farpado,
as mãos abertas, caminhar
o pó para alcançar
o templo ou escritório

ou como quer que se chame
o lugar onde o Homem do Lobby
ventila cinzas
da Sarça Ardente.
Emoldurar a nota fiscal de seu míssil.


três. feminino.
Pássaro negro que ao sulcar
La Franja esta noite
me desperta
e diz em seu grunhido

que choveram estilhaços,
tantos quanto o quilo de pombas brancas,
que o meu silêncio mata.


Quis chegar até sua porta, Palestina.
Para devolver-lhe minha calma venho.


Carmen Camacho/ tradução Ricardo Pozzo

Obsessivo

Voltas eternas gozando sozinho
Prozac me ajuda a soltar e reter
Sou vaca girando um grande moinho
Como saber o que vem de você?

Tantos pensamentos em labirinto
Sou ou não sou? Só sei de soslaio
Em Creta, em Tebas, sempre sentindo
A culpa de ter enforcado Laio.

Um dia declaro, em alto e bom som:
“Não vou ao seio potente voltar!”
Mas logo, baixinho, devo acrescentar
“Um Mestre me ajude, prometo ser bom!"

Felipe Spack

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O amor acaba?
O cara disse. Numa esquina, num domingo, depois do teatro e do silêncio, na insônia, nas sorveterias, como se lhe faltasse energia. Ele não volta? Não deixa rastro ou renasce? Na esquina em que se beijaram uma vez, lá está, na sombra apagada pela luz, na poeira suspensa, na revolta da memória inconformada. Na solidão, lá vem ele, volta, com lamento, um quase desespero, e penso nos planos perdidos, que vida sem sentido… Na insônia, o amor cai como uma tonelada de lápide, e se eu tivesse feito diferente, e se eu tivesse sido paciente, e se eu tivesse insistido, suportado, indicado, transformado, reagido, escutado, abraçado? Na sorveteria, ele volta, o amor, em lembranças. Porque aquele sabor era o preferido dela, aquela cobertura era a preferida dela, aquela sorveteria era a preferida dela, aquela esquina, aquele bairro, aquele clima, aquela lua, aquele mês, aquela temperatura, aquela raça de cachorro, aquele programa de fim de tarde e aquele horário sem planos… No elevador, quantas saudades daqueles segundos em silêncio, presos na caixa blindada, vigiados por câmeras camufladas, loucos para se agarrarem, rirem, apertarem todos os botões, tirarem a roupa, escreverem ao lado do Atlasado: “Eu te amo”. Saudades é amor. Não se tem saudades do que não se amou. O amor não acaba, porque tenho saudades, me lembro dela, me preocupo com ela, torço por ela, e se sonho com ela, meu dia está feito. O amor não pode acabar, porque sem ela ou sem a esperança de revê-la, até a chance de tê-la de volta, não vejo a paz. Ela é uma trégua na minha guerra pessoal contra a minha paixão por ela. Amá-la me faz bem. Mesmo que ela não me ame, amo amá-la. Continuei amando desde o dia em que terminou. Passei meses amando como se não tivesse acabado. Ficaria anos amando mesmo se não tivesse voltado. O amor não acaba, muda. O amor não será, é. O amor está. Foi. Nas tantas músicas que ouvimos, que dançamos colados, trilhas das noites frias em que você sentava em mim nua, enquanto os meus braços imobilizavam os seus. Amor. O não-amor é o vazio. O antiamor também é amor. Eu te amava quando você respirava no meu ouvido. Lembra do meu dedo dentro de você? Amo-te, amo-te, amo-te. Instante secreto, sua boca incha, seus olhos apertam, suas unhas me arranham e você diz: Eu te amo! O amor acabou quando você se foi? Você sentiu saudades das minhas paredes, das cores das minhas camisas, da umidade da minha boca, do cheirinho do meu travesseiro, da minha torrada com mel, das noites pelados assistindo à tevê, dos vinhos entornados no lençol, do café da manhã com jornal, você sentiu falta de atravessar a avenida comigo de mãos dadas, de correr da chuva, de eu te indicar um livro, do cinema gelado em que vimos o filme sem fim, torcendo para acabar logo e ficarmos a sós, você sentiu falta da minha risada, inconveniência, de eu ser seu amante, noivo, amigo e marido, dos meus olhos te espiando, dos meus dentes mordendo e mastigando, ficou tanto tempo longe e pensou em nós especialmente bêbada ou louca, queria me ligar, me escrever, meu cheiro aparecia de repente, meu vulto estava sempre ali, acaba? Diz que acaba. Como acaba? Não acaba. Diz, não acaba. Repete. Falei? Não acaba. Pode virar amor não correspondido. Pode ser amor com ódio, paixão com amor. Tem o amor e o nada. Ah, mais uma coisa. Antes que eu me esqueça. O amor não acaba. Vira. Se acabar, não era amor

Greyce Bruna

terça-feira, 8 de novembro de 2011

vem ser feliz

Ácido Malabar

Frente à platéia inevitável de automóveis, o franzino malabarista realiza des ofício; bailarino opanijé. Apenas o cão, a cada intervalo, aplica-lhe o emplastro de saliva, anti profilaxia do ectima.

Em seu refúgio de alumínio e fibra [de vidro] a madame suburbana emociona-se, sem saber o quanto deixa de compreender  frágeis fractais, vertentes de inconfessáveis planos.


Ricardo Pozzo

domingo, 6 de novembro de 2011

A companhia custara apenas o preço de um cafezinho. Passavam horas que se diluíam no silêncio dos olhares. Um procurava encontrar no olhar do outro o próprio olhar. E juntos dançavam.

Hora de pagar a conta. As luzes se acenderam e só viram o mármore e as moedas caindo no chão. A dança acabou. Mais uma vez ela pagou a conta. E nunca mais voltou.

Agora ele gira moedas na mesa da cafeteria e só tem a sombra da lembrança a orar por ele.


Wilson Roberto Nogueira

Não era para tanto "ma garçonne" (o cabelo curto acentuou a cor dos teus olhos). O Pavel low profile como sempre não esquentou, não queimou o radião, quedou-se tranquilo. O embrulho foi de outra ordem, não era propriamente quanto ao grupo, a discussão que se arrastou foi oportuna contudo, mas o curto-circuito teve suas faíscas exageradas. No que se refere ao texto de seu existir, é uma questão de estilo apenas, não devemos levar tanto a ferro e fogo. Acredito na proposta de Deus e suas oficinas inter-cambiáveis, mas esta é uma outra história,

A tua obra lerei com mais vagar e te darei o retorno durante a semana.

Assinado: O Foiceiro

Wilson Roberto Nogueira

Praia da Joaquina - Florianópolis

Da Dificuldade em Capturar uma Mosca

A dificuldade em capturar uma mosca
reside na complexa composição de seu olho

É a mais próxima ao olho de Deus

Através de uma rede de ocelos diminutos
pode observar-lhe a partir de todos os ângulos
sempre disposta ao voo

Parece que o grande olho da mosca
não distingue cores

Provavelmente também não faça distinção entre você,
que tenta capturá-la, e os restos descompostos em que pousa


Rómulo Bustos/ tradução Ricardo Pozzo

terça-feira, 1 de novembro de 2011

As Crianças#1

Pequeno pequeno pequeno. Mas já forceja de sol a sol o sísifo interior, das coisas ajuntadas e divididas por desrazão, em categorias. Taxônomo pré-mirim, compila selos sem ter selos e borboletas sem borboletas. Chora, para, sorri. Talvez seja o maior, e o menor, colecionador de coisas invisíveis em todo o universo. Leiloou na imaginação a vai adquirindo: marafonas que falam, trapos de nuvens, armas para a guerra aos irmãos, namoradas das folhas de revistas, monstros de césio, roupas ideais das matinês de carnavais, aves marias aos domingos, cães de montaria, cantigas de dormir, desaforos, ouro do nariz, frieiras e verrugas, formigas e apocalipses, trevos estrelas urtigas, lençóis floridos, bichos sob a cama, pedras de rios que não passaram, olhares sem piscar pelo buracos de fechadura. Coleciona os dias, um maior que o outro, um mais novo que o outro, mais bonito.
A mãe chama para o jantar. Ele não vai. Não pode perder a conta de seu tesouro. A mesada foi toda gasta em balas-chiclete e, mastigando, trabalha o raciocínio: "...um dia vai valer uma fortuna. Vou trocar por um baú de moedas. Vou enterrar numa ilha deserta. Vou fazer um mapa". Não atina com a possibilidade de perder, mais do que os álbuns da coleção, perdidos em si, o ânimo de colecionar impossibilidades.
Certamente vale muito, certamente só dá para isso: os olhinhos acesos no rosto do homem, e uma saudade que atravessa a rua.

Rodrigo Madeira

publicado no segundo livro de Rodrigo Madeira [pássaro ruim]. Curitiba: Medusa, 2009, pág 140