Um corvo fizera um ninho em sua sorte. Palavra que não o amedrontou a impiedosa demissão após tantos anos de suor e devotamento aos patrões. Confiava cegamente na força com que Deus dotara seus braços. Trabalho algum lhe infundia medo. Era da estirpe daqueles homenzinhos de borracha de que nos fala Raquel de Queiroz que, precisando, esticavam. Mas tanta disposição esbarrava sempre no odioso cartaz que afixavam nos muros das construções e das fábricas: "Não há vagas". Não se desesperou o pobre-diabo. Pediu a Deus que lhe desse serenidade e diminuisse o apetite dos filhos que comiam mais do que lima nova. Sabia que não havia mal que durasse para sempre, nem bem que nunca se acabasse. Mas o apetite dos moleques crescia diariamente e ao cabo de poucos meses a dispensa estava tão vazia quanto a alma dos ricos.
Dinheiro já não havia. No bolso apenas alguns vinténs de esperança. Arrastava-se pela cidade como alma penada á procura de um trabalho qualquer com que pudesse recuperar sua dignidade de homem. Mas, à sua espera, pressagiando seus passos, lá estava a velha e impecável mensagem de sempre: "Não há vagas". Por fim, já exausto e desesperançado, incapaz de encarar a mulher e os filhos, acendeu o último cigarro que chupou como se sugasse um seio de mulher, depois montou em sua bicicleta e rumou em direção às praias do litoral , onde morreu afogado.
Na areia da praia, dentro de um sapato furado, encontraram um bilhete em que pedia perdão à mulher e aos filhos e "explicava" (mas ninguém entendeu) por que havia se abalado até ali para morrer no mar feito um rio: "(...) ontem ouvi uma canção que dizia : ' é doce morrer no mar ', além disso, aqui sempre há vagas" .
Edivan Pereira da Silva
Um comentário:
Muito interessante esta estória...
bem escrita, além de tudo!
RP
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