quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Boneca entre Manequins


Orí ou o Megajogador

Não sabemos ao certo se, à frente dos brâmanes ou sob tendas no deserto, aqueles que criaram o jogo de xadrez conheciam todas as possíveis analogias contidas no jogo em relação à existência humana.

Dispostas as peças no tabuleiro das probabilidades, nas quais o Real se transmuta em realidades, o xadrez torna-se um semiótico game de intrínseca estrutura.

No jogo, cada peça é limitada por seu próprio movimento, previamente determinado pela regra e, simultaneamente, pelo movimento de cada uma das outras peças. Assim igual, cada lance, limitado pelos lances anteriores.

O cavalo, por exemplo, em seu suntuoso movimento em L, se desenvolve no tabuleiro, conforme a habilidade do enxadrista em compreender e extrair, no limite da regra, qual variante o conduzirá com eficácia ao objetivo.

Quanto mais nos aproximarmos da consciência do Enxadrista Superior, ou o Megajogador, que em  Yorubá chamaríamos de Orí, mais clareza possuiríamos do sincrônico e constante movimento realizado pela espécie humana.


Ricardo Pozzo
Praça Osório

Recreio

Não levarás mais insultos
como tarefa pra casa,
nem dos meninos incultos
a cusparada que abrasa.
Salvo de pagar propinas,
das surras estás ileso.
Não trocarás com as meninas
o apreço pelo desprezo.
Ao notarem teu atraso,
A procurar sem descanso,
vão te encontrar ao acaso
pendurado num balanço.
Deixa um bilhetinho terno:
“Serei bem-vindo no inferno”


Wagner Schadeck
http://wagnerschadeck.blogspot.com.br/

terça-feira, 21 de janeiro de 2014


NAIL ART

Para usar todas as tintas
das colorações que punhas
matinalmente nas unhas
as próprias vísceras pintas.
Talvez nova cor te assalte.
É ela que lhe proporciona
o bálsamo de acetona
bebido em frascos de esmalte.
Conseguiste que tua arte
fosse vista em toda a parte
ao se expor no ateliê?
Se procurarem o preço
dessa pintura ao avesso,
tens a etiqueta no pé.


segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Pôr do Sol em Pontal do Paraná


Na Misteriosa Atmosfera

Vejo a grande esfera
mas não sei o que fazer
com a percepção que tenho dela...

Sou pura contradição
nessa contramão
de ruas e afetos
riscados a giz e juízos.
Destilo em lágrimas
os gritos de amor seco
afogados em vinho
e sexo ruim feito
sobre camas vazias.
Tento o disfarce,
mas não me reconheço
no ar que respiro,
nem no gozo que dissimulo.
Rego com sorrisos tolos
as violetas floridas
na ferida da minha dor inquieta.
E a vida dos relógios continua
me chamando para festas...
Só noto incêndios e euforias.
Não sinto o calor na fria alegria.
Mesmo assim, minha vida
se multiplica no musgo das pedras
que não plantei no caminho.
Degraus falsos...
Desejos em ganchos...
Destinos duvidosos...
Desvios em enganos...
Assumo a minha humana contradição.
Me vesti de nuvem branca.
Errei o traje do matrimonio.
Sou o noivo viúvo
que uiva nas madrugas
de estrelas sem núpcias.
Sou essa contradição
que crê na docilidade do gesto,
mesmo no amargo do tempo.
Vejo o amor como fruto doce
que dá mel à saliva viva das bocas.
Vejo o amor como gota de orvalho
que se faz micro-universo na folha
em que habita o inseto que louva-deus.
Não tenho como evitar
meus olhos em carretel
nas linhas do mundo
visível e invisível.
Meu coração cego e visionário
atravessa gerações e gerações
de loucos, magos e poetas.
Homens perdidos que se acharam
nas areias dos desertos encantados.
Trago essa contradição desmedida:
Tenho a Alma em amor.
Tenho o Corpo em guerra.
Um Corpo com peso de céu.
Uma Alma com peso de terra.
Quero o encantamento de toda matéria.
Nunca terei o que os profetas chamaram de salvação eterna.
Só posso me salvar agora,na presença do amor e do ar,
que preenchem o espaço dessa terrestre e misteriosa atmosfera.


Alessio Di Pascucci

Banhistas em Morretes/ Paraná

domingo, 19 de janeiro de 2014

Valeu viver mais um dia.

Na calçada caminhavam duas grávidas uma a conduzir um carrinho de bebe, outra carregando uma criança. O sol mordia-lhes de cansaço até que elas encontraram um burguês vestindo roupas surradas aparentando estarem enlutadas de tanto desmazelo; segurava uma pasta e um guarda chuva desconfiado dos humores bipolares do clima curiovano. A mulher que conduzia o carrinho pediu um dinheiro para que pudessem se alimentar, ela contou que veio de Ponta Fina  e não tinha um vintém sequer. Como era conterrâneo o polaco não pestanejou e deu uma onça que certamente se fartou com a fome das duas mais as crias.

Passou um quarteirão e o interiorano seguia arrastando sua corcunda e sua gravidez de três meses de cerveja sob o bafo da manhã, manhã que se perdera do Rio de Janeiro e tropicou por essas quebradas. Ao contrário de outros dias já falecidos na memória (visitas do Alemão nefando!) caminhava feliz pois acredita-se Deus oportunizara o cidadão a estar limpando de impurezas o dinheiro que amealhava na corrida de pangarés. Tão alheio que ao cruzar a canaleta do expresso quase desviveu se espalhando no asfalto ondeado mas naquele zaz o anjo da guarda mostrou ser fura grave.

Ali mais adiante uma casal de carrinheiros passava ao largo; ele o cavalo vapor conduzia a carroça que era um Empire State de caixas papelão e outros que-tais recicláveis. A senhora de olhos verdes que eram tão brancos que parece ter engolido todas as cores numa luz intensa de força e fé andava na calçada a cada passeio mais pergaminosa de tanta estória largada.Mais nós abrimos a conversação falando das modernidades em termos de carrinho de lixo,digo de bens reaproveitáveis. Os pneus de borracha, a estrutura mais leve, tudo pensando na capacidade de se acumularem mais valia.Exploração arretada. O valor da força de trabalho , sempre subvalorizada caindo no bolso de quem dá de comer as hemorróidas. É o polaco era comuna.

A mulher pediu umas moedas para inteirar o dinheiro para que pudessem comprar comida. Não tendo mais papel moeda aceitaram ir até um posto de gasolina onde a loja de conveniência possuía um terminal bancário.Lá chegando encontraram algumas caixas de papelão estocadas as quais puderam pegar. Ela disse que esperaria enquanto o cidadão sacava do caixa o sagui ou mico leão um macaco desses fez e entregou para ela que se derramou em desejos de bem aventuranças ao caipora, digo caipira..

O burguês ridículo que tropeçara na bondade, sentira-se mais leve andando de galochas nas calçadas de poças ocultas nas pedras mal colocadas da cidade,a qual esqueceu seu charme cinza de seus urbanóides escondidos em seus guarda chuvas cortando o ar a facadas. O polaco velho guardou sóis em seu coração no sorriso daquelas gentes simples.

Valeu viver mais um dia.

Wilson Roberto Nogueira


segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Ora, quem diria, John Travolta foi parar no DETRAN


Revestida de cinza e brancas rotas vestes
voam plácidos no abismo olhos de luz negra.
Cinzas voam livres e velhas prisões famintas
agora são ossos morada de flores.
flores de pétalas doces.
Janelas em prantos esperam horizontes
cicatrizes costuradas no aço arames são caminhos
veias da liberdade. Bebe a paz no elmo caído da guerra.
Todos nossos ossos secos ao sol são brancos.


Wilson Roberto Nogueira

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

O Semeador by © João Zaco Paraná. Foto by © Ricardo Pozzo

Um lugar chamado Nihil

A vida é uma dor tranquila
indivisível
se espalha pelo teu corpo e
engasga de surpresa.

Não para morreres,
para lembrares que é dolorida
indivisível.

A mentira se engole
e te mastiga feito fosses um pedaço de bife
cru

A geografia te arranca pela raiz e
deixa tuas folhas por todas as cidades por onde passaste.
Mesmo que voltes,
não as recuperarás.

A derrota te acompanhará por todos os cantos
rondando-te,
quando menos esperares
ela te engasga
não para morreres,
para lembrares que é dolorida, a vida,
indivisível.

A morte, tu escondes no fim do labirinto da tua cabeça,
mas ela se move e tu não percebes
encontra teus pais no meio do caminho, um filho,
ou mesmo tu, perdido no próprio jardim

Mas é uma dor tranquila, a vida
tu te acostumas
passeias pelo labirinto
a colher plantas e abelhas
dormes, amas, esqueces, traveste-se, deixas a barba crescer,
sorris,lembras-te, com leveza, das folhas perdidas,
encorporas a mentira consigo,
digeres a derrota com um sal de frutas
e caminhas até quando (?)

ela te engasgar de surpresa
para que tu morras
e lembres que é dolorida, a vida,
indivisível.


Priscila Lira