quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Meu direito, silêncio


Eu não conseguia dormir por causa de tantas brigas. Acordava logo cedo com discussões. Decidi que não iria mais falar. Simples. Sem dramas. Queria paz.  Precisava de silêncio.
Meus pais contrataram uma psicóloga. Coitada, tentava conversar comigo sobre assuntos que não me interessavam. Falava das bonecas que eu não gostava. Das histórias dos contos de fada. Servia um café de mentira em uma xícara de plástico cor-de-rosa. Eu ficava entediada. Sentia falta de silêncio.
A vizinha oferecia brinquedos. Mas eu ouvi os meus pais falando que a minha tia era interesseira e vivia pensando em dinheiro. Aprendi que era errado ser assim, mesmo sem entender direito os motivos. Não seria isso que me faria falar.
Na escola perguntavam se eu não gostava da minha voz. Se eu tinha algum problema. Se eu não tinha língua. Até me faziam abrir a boca e mostrar que estava tudo certo. As outras crianças eram bobas e eu não perdia tempo tentando explicar que perdi a vontade de falar. Elas não atendiam aos pedidos de silêncio.
A professora nunca brigava comigo. Quando fazia a chamada, sabia que eu era a única a levantar a mão. Respeitava.
Em uma aula, pediu para eu buscar um material na  secretaria. A funcionária perguntou o meu nome. Eu mostrei o meu crachá. Ela insistiu. Mostrei o crachá novamente. Fiquei em dúvida se ela sabia ler, porque as letras eram grandes. Ela disse que eu deveria falar. Eu não sentia necessidade.  Mostrei o meu crachá mais algumas vezes. Ela não me deixou sair da sala enquanto não ouviu a minha voz. Por isso, perdi a aula inteira. 
Ao bater o sinal, a fome e a vontade de ir para casa foram mais fortes. Então eu falei. Ela me fez prometer que conversaria com as outras pessoas. Foi a primeira promessa que fiz contra a minha vontade. Prometi porque queria ir embora. E se corresse, conseguia comprar um lanche na saída, antes da cantina fechar.
Quando fui buscar a bolsa, a professora perguntou o que houve e eu disse: ela não respeita o meu direito ao silêncio. Não perguntou mais nada, passou a lição e fomos embora.
Depois, ainda fui obrigada a consultar com outra psicóloga. Durante uma hora ela me perguntou:
- O que você procura na minha sala? Parece que você sente falta de alguma coisa.
Silêncio.

Patricia Ortiz

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