Eu amo sorex
seus cabelos longos de mulher vermelha,
seu sorriso ardente, sua pele honesta,
suas superquadras verdes de cimento e lua.
Eu amo sorex
Por cima das conjecturas e conveniências,
por cima das burocracias
e nomenklaturas,
dos papéis timbrados e dos ministérios,
do velado apoio ao capital de usura,
eu amo sorex.
Eu amo sorex
tal como vivo em meio às balas
e os estilhaços vindos
de Hanói, Angola, Stalingrado e Cuba.
Eu amo sorex
como Evtuchenko comovido conta
sobre o velho bolchevique,
torturado e preso por Stalin,
que ao voltar do algoz marcava
em sangue em sua cela
que não seria aquele o fim da história
que desde Outubro se fizera,
e como Lênin, numa estrela
armado de martelo e foice,
nos traria, como sempre trouxe,
alegria e guerra, encouraçado e tifo.
Eu amo sorex
como os operários que nos instruíram
quando se insurgiram em Kronstad.
Eu amo sorex
como os delegados que estiveram
no primeiro prélio da Internacional.
Eu amo sorex
tal como o vejo
no arquiteto rubro
que o amplo espaço
ergueu de um sonho
que revela a todos
o sentido oculto
que a existência perde
quando imersa em lodo.
Niemayer: à vista enfim
o que seria a vida,
se o sistema podre
se finasse um dia.
Eu amo sorex
se o capital contemplo
com seus mil tentáculos,
se os olhos vejo
que Rosana exibe
quando conta histórias
de miséria e luto
de uma infância infame
de catar churume.
Eu amo sorex
quando Laudelino, Luciana e Vítor,
Tânia, Brandão, Waldir,
Rosandre, Lúcia, Malriza,
Wanderley, Francisco, Leila,
Bibiane, Neusa, Rosiane,
Elaine, Milton, Damaris
Eudes, Jedalia, Aparecido,
Monique, Franciele,Vagner, Genelice.
Eu amo sorex
se aprendo que em setenta e três não vi os
soviéticos recusarem-se a jogar no Estádio Nacional
(e soube apenas que o Chile foi pra Copa da Alemanha
perder de quatro a zero para a Holanda).
Eu amo sorex
dos trezentos mil atores
que em cinqüenta e três saíram
na Berlin de Brecht
para a peça viva da revolta ruiva.
Eu amo sorex
quando lembro a Hungria
que em cinqüenta e seis levanta-se
ante os tanques que em silêncio
Churchill aplaudia.
Eu amo sorex
dos pneus em chama
e comitês de apoio
que em sessenta e oito
viram na Tchecoslováquia
menos medo ainda que em Paris havia.
Sim, eu sei que enquanto isto,
sob escolta da Tcheka,
Dzerjinski mira
Makarenko, e o tempo
se contrai no escuro e
lento declinar do sonho.
Mas mesmo assim – repito –
mesmo assim, eu sinto
que por sobre tudo
que há de vil e mudo
nesta história toda,
um grito apenas
que calar não posso
os ecos pedes
em qualquer atraso,
um grito louco
que resiste ao logro:
eu amo sorex.
Viva o metrô de Moscou!
suor e pele que na vala nove
a camponesa trouxe
dos confins da Ásia.
Vivam minas ricas de operários firmes
no ideal que anima seu trabalho rude!
E mesmo ainda agora
que na China impera
um batalhão de feras,
de produtos débeis
pra consumo estéril,
mesmo assim,
eu amo sorex.
minustah é quem odeio,
minustah, demônio
sob a cruz de ferro.
Onde está minustah?
Por que ninguém lhe faz as honras?
Por que viver em meio às brumas?
Onde estão aqueles que na noite infinda
vivem sempre a se suster do sangue
que da carne morta minustah respinga?
Por que não dão as caras?
Por que sempre nas sombras?
Por que jamais se mostra
minustah em meio às bestas
que celebram festas ao sabor de vespas?
minustah tem muitos nomes:
É Darfur, Sudão, Coltan e Congo,
Jenin, Fallujah, Sabra e Shatila,
Ruanda e as fotos de Abu Ghraib,
todas as vinte e quatro pessoas assassinadas a sangue-frio
em Haditha pela Companhia Kilo.
minustah provoca fome,
no Haiti devora, monstro,
as casas onde outrora havia gente.
Haiti, de Cité Soleil,
Haiti, de Papa e Baby Doc.
E em meio a tantos nomes, minustah
escolhe aquele que apavora: cruz (o mesmo cruz
que conheci na companhia de friaça).
A praça da favela feita terra de ninguém,
as mães em vão lavando as mãos de sangue,
partidos vistos como fossem gangues.
E o cruz e as tantas mortes que ele traz,
que satisfeito aplaude: o corpo morto
na varanda envolto em nevoeiro.
minustah me fita com seus olhos feros, de soslaio?
Será que sabe que eu existo?
Se o martírio teve das chacinas,
por que furtar-me a alma em meio aos carros?
minustah é totalmente insaciável.
minustah e seus sequazes:
Pinochet, Sharon, Suharto,
Costa e Silva, Golbery, Delfim.
E agora ouçam bem: Fritz Thyssen
Alfred Krupp
Carlos Ghosn
Roger Smith
Ingvar Kamprad e o Código de Conduta da Ikea,
Olga Benário escrava nos porões da Siemens
(que minustah celebra quando vai a campo o futebol da Europa),
IG Farben, hoje Bayern, Basf e Hoechst,
Schering, Volkswagen, Daimler-Chrysler,
IBM e o Holocausto, Chase Manhattan,
Bertelsmann, Nestlé, C&A,
Monsanto, Aracruz, Syngenta,
um destaque em separado pra McDonald’s, Coca-Cola e Walt Disney,
trim que a Shell usou pra encher a terra,
todos os que lucram com a guerra,
Ford, Enron, Parmalat,Toyota, Honda, Mitsui, Mitsubishi
Wall Mart – a fronteira final,
Bordon e o sangue de Chico Mendes,
a estarrecedora realidade das fábricas de iPod que a Apple tem na China,
Lotto, Puma, Nike, Adidas, Umbro,
Asics, Fila, Kappa, Mizuno,
New Balance, Reebok, Speedo.
sorex chamo às pressas,
que nos salve a todos do batel de lama
em que Caronte arrasta o leme,
da mortiça pena e da existência insana.
E assim eu amo sorex
num tempo que caminha mudo
e nos prepara um golpe
que fará o futuro
tenebroso e sujo.
minustah nos pune
pelo antigo prumo
que nos vinha e vem ainda
de dizer sem pejo
em meio ao pesadelo:
Que porque vivemos nós
devemos nos erguer solertes
e dizer de pronto
que apesar do mito,
que apesar das fugas,
que apesar das muitas
dores e fadigas,
e a tortura, que é de tudo imiga,
que apesar da angústia,
que apesar do luto,
que apesar dos olhos
que nos pedem brisa,
que apesar daqueles
que inocentes sonham
que o presente em breve
nos dará um abrigo,
que apesar das rugas,
que apesar das multas,
que apesar da falta de troco,
e que apesar, enfim, de tudo,
a nós nos resta ainda
voz que,
rouco embora,
grita sempre
e sem demora: sorex, eu amo sorex.
minustah é quem odeio.
Paulo Bearzoti