É noite e a fome dardeja
os filhos da orfandade:
sobre duros travesseiros,
mendigos da minha aldeia
ruminam restos de nada
no farto prato do sono.
Os grilos urdem insônias
na placidez dos casebres;
morcegos cravam no espaço
caninos sujos de treva.
Os adúlteros trans(it)am
pelas vielas da cópula;
a chuva profusa molha
o triste ladrar dos cães
e perpetua a linhagem
das espigas seculares,
aos olhos do espantalho
(trabalhador sem salário
que depõe a mais-valia
nos cofres do latifúndio).
A velha lareira estala
os ossos frágeis da lenha
e a altiva chaminé,
já fumante inveterada,
corrói os pulmões de ozônio.
Ladrões escalam silêncios
e penumbras: ardilosos,
amordaçam os alarmes,
descerram firmes telhados
com as chaves do delito.
A noite derrama em nós,
como o mítico Ciclope,
seu pálido olhar de lua
que faz tremer Poseidon.
Os encarcerados vêem
(a despeito do aforismo)
um sol nascendo redondo
no horizonte dos sonhos:
uma só colher de chá
e escavam a liberdade.
Um galo inicia o rito
predecessor das auroras:
demarca as raias do tempo
(enterra as cinzas noturnas
com um cântico solene;
sagra o dia - Prometeu -
e aclama o sol - seu archote -
com forte aplauso de asas);
recolhe as lenhas do dia
para as chamas de outra noite.
Wender Montenegro
(do meu livro ARESTAS)
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