Um dos suplícios mais usuais da Idade Média consistia em
punçar
a língua dentro da boca com ganchos de açougueiro.
A vítima berrava para o carrasco mouco:
o único consolo dos mortos é não morrer nunca mais.
Ao ousar novas palavras,
o escritor aciona o fracasso do signo em dizer algo do que
é:
o madeiro que me refresca a fronte é galho de limoeiro,
na tigela planto um trevo de quatro folhas para curar o
aziago.
Aprendo com a voz do velho vento que sopra de leve a
cortina:
“Só quem bebe do leque da pavoa
esquece vírgulas e mata a morte”.
Agimos sob a fascinação do impossível:
isto quer dizer que – uma sociedade incapaz de consagrar-se
à ilusão –
está ameaçada de esclerose e de ruína.
Texto: Fernando José Karl