domingo, 29 de julho de 2012

Sujeito à Multa


No princípio era o medo


No princípio era o medo
Então criou-se a máscara
e foi bom.

A seguir, mudaram o foco
e foi suficiente.

Depois vestimos a fantasia
e coube.

Daí em diante confundiu-se tudo
E não se distingue  mais
O que é Treva, o que é Luz.

Quem rasteja, quem voa.
Quem pensa de quem pensa que pensa.

A tecnologia renova e evolui
A vestimenta, a ilusão
porém, não se aproxima do importante,
Continuamos em cavernas.

Solitárias e escuras mentes
Onde no princípio, era o medo.


Deisi Perin

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Ação nas ruas de São Paulo com crianças e adolescentes negros/ AfroPress


[...]o espelho é a prisão profunda
de que somos vigias e presos,

condenados e carcereiros.
e no entanto o homem

é observado, triste alimária
de si mesmo. e no entanto

milhões de olhos o observam
atrás deste – de todos – os espelhos.[...]

trecho de: o espelho © Rodrigo Madeira, publicado no livro pássaro ruim, 2009

terça-feira, 24 de julho de 2012


se considerássemos –


se considerássemos o que podemos ver –
as máquinas nos enlouquecendo,
amantes por fim odiando;
este peixe no mercado
olhando fixo pra dentro de nossas mentes;
flores apodrecendo, moscas presas na teia;
tumultos, rugidos de leões enjaulados,
palhaços apaixonados por notas de dinheiro,
nações movendo pessoas como peões;
ladrões à luz do dia da beleza
noturna de esposas e vinhos;
as cadeias lotadas,
os desempregados habituais,
a grama morrendo, fogos baratos;
homens velhos o suficiente para amar a sepultura.

Estas coisas, e outras, em essência
mostram a vida girando sobre um eixo podre.

Mas eles nos deixaram um pouco de música
e um espetáculo estimulante na esquina,
uma dose de uísque, uma gravata azul,
um pequeno livro de poemas de Rimbaud,
um cavalo correndo como se o diabo estivesse
torcendo seu rabo
sobre a grama e gritando, e então,
o amor novamente
como um bonde dobrando a esquina
bem na hora,
a cidade esperando,
o vinho e as flores,
a água caminhando sobre o lago
e verão e inverno e verão e verão
e inverno novamente.


Charles Bukowski/ tradução: Fernando Koproski 

domingo, 22 de julho de 2012

Grêmio Recreativo Escola de Samba Mocidade Azul
Carnaval de rua de Curitiba - 2011

1

Uma selva de lâminas
acariciava os arbustos
que pequenos dilaceravam muitos
era de se espantar o tamanho dos sustos
que coléricos difamavam os outros
nas entrelinhas de um arvoredo
se via escondida a pequenez atroz
que consumia a grandeza de poucos
era notório o calcular de preces graúdas
que afastariam os desfalques e fobias
pra que gestos servissem de alento
era preciso mais que contentamento
era preciso que a proteção dos cômicos
limpasse o humor de seus assoalhos
e não pisasse no gramado da seriedade
era preciso nostalgia em forma de criança
pra que na infância o amor restituísse a saudade
nos vínculos que unem veículos
estão unidas as lembranças motoras
ninguém esquece de estacionar mais tarde
uma guerra de seda tremula
não espanta dos olhos a leveza
e não deixa de fazer voar a libélula
que esbanja em seu pouso a certeza
que seremos felizes pra sempre
uma serra que corta a cerca
nunca mais prenderá infortúnios
e não salgará o mel das abelhas
pra que mude de gosto a tristeza
que um dia se transformará
em luxúria previa da alegria
pra que num hibernar de luzes
nunca se apague a euforia
é sabedoria absoluta se embrenhar em via
espantar as ruas da agonia
e tilintar pelas mais belas avenidas
uma trégua as campinas
que verdes não amadurecem seus conselhos
e se entregam ao rústico patrimônio das intrigas
devemos espelhar nossos reflexos na montanha
e avistar a serra que se condensa diante das maravilhas

2

Em meio à sombras delirantes
a carniça debruçava suas lastimas
a cabeça debruçava ameaças
e o ombro dissecava-se nas matas
era lisonjeiro o açoitar de corpos
ruminando a esmo
e as incógnitas do tempo
diziam que o amor estava em pedaços
ninguém morria de fato nos campos
ninguém entoava um só pranto
e chorava órbitas e desenganos
era de derramar vitórias
cada gota ininterrupta de fracasso
e a derrota perpetuava nos corações
onde o homem passava horas a fio
num compasso intrigante de idéias
e os tecidos rígidos da lisonja
interrompiam as mortes súbitas
quando havia ainda ar para respirar
os trajetos emoldurados da ira
ofuscavam o sol nascente
e declinavam o poente
eram lindas as cóleras do mundo
as feras gananciosas do lirismo
onde os poetas sanavam dores
e declamavam seus amores
troféus do exílio coletivo
e dos pecados aflitivos
nas selvas intrínsecas do desperdício
haviam ainda almas variando sonhos
catalogando adornos
desperdiçando vidas
e as nuances dos mortos eram obras
intermináveis que não cessavam
formas tetraplégicas de consumo
arquétipos de insensatez e loucura
em meio à câimbras e avarezas
o monstro da fartura devorava decência
e construía uma sociedade arrogante
formada por cartas na manga
trapaça e um punhado de avareza
no fim tudo era incerto e colibri
voando perto da tristeza


Antonio Silva

domingo, 15 de julho de 2012


O Dia


Eu sonho sem ver os sonhos que tenho.
Que angustia me enlaça?
Que amor não se explica?
É a vela que passa, na noite que fica.
Fernando Pessoa

Noite, por quem adormeceste?
Viste a lua em suas fases,
Pulsando iluminada ou,
Tornando-te sombria?

Percebeste quantos sóis tornastes visíveis,
Enquanto apenas um a faz sucumbir,
Por fazer-se claro dia?

O que surgiu pela vidraça
Sob o encanto que se parte?
Partes dos meus sonhos
Para a realidade.

Angela Gomes

terça-feira, 10 de julho de 2012

Calçadão da XV - Curitiba

Ninguém Perde Sempre


tive um tio chamado Sol
que era um fracasso completo e
quase todo mundo comentava que ele deveria
ter partido para o vaudeville talvez pois meu Tio Sol podia
cantar McCann He Was A Diver na noite de natal como o Diabo o
que pode ou não explicar o fato de meu Tio

Sol haver se metido na possivelmente mais imperdoável
de todas para usar uma frase pomposa
extravagâncias que é ou para aprender
a fazer criações e cultivos e seja
desnecessariamente acrescentado

a fazenda de meu Tio Sol
fracassou porque as galinhas
comeram as verduras então
meu Tio Sol teve uma
fazenda de galinhas até que
os gambás comessem as galinhas quando

meu Tio Sol
teve uma fazenda de gambás mas
os gambás pegaram gripe e
morreram então
meu Tio Sol imitou os
gambás de uma sutil maneira

ou porque se afogou na cisterna
mas alguém que havia dado ao meu Tio Sol uma Vitrola
Victor e discos enquanto ele era vivo deu-lhe de presente
à auspiciosa ocasião de seu falecimento um
delicioso para não dizer esplêndido funeral com
meninos grandes de luvas negras e flores e tudo mais e

eu lembro que todos choramos como o Missouri
quando o caixão de meu Tio Sol súbito se moveu pois
alguém apertou um botão
(e para baixo se foi
meu tio
Sol

e começou uma fazenda de vermes)


e. e. cummings/ tradução Rodrigo Madeira

segunda-feira, 2 de julho de 2012


princípio da inércia em dias de chuva



e penso que tudo faz parte porque penso,
o céu a grama, os interlocurores
desta conversa adversa, e é quando
não existe porquê, só o tráfego trôfego
adestrado pelas vias, que insistem
na paisagem, mesmo sem destino.

que tudo resiste, e nada se sabe,
só a chuva constante e o vento
─ há quem diga destino, embrulho
do estômago e intestino

nada vezes nada até a alvorada
ilusão pensar que nada é nada
e me digas, é a poesia que
te mantém vivo, ou duvidas disso?

é perigoso levantar-se desta cama
porque o mundo pode estar em chamas
e o céu caindo aos pedaços
e a terra a estourar em estilhaços
a explodir a realidade em nossa cara


Rafael Walter