Aquele que quer ir ao paraíso
Do pequeno burguês deve trilhar
O caminho da arte pela arte
E tragar porções de saliva:
O noviciado é quase infinito.
Lista do que você precisa saber.
Dar, com arte, o nó da gravata
Fazer deslizar o cartão de visitas
Sacudir por luxo os sapatos
Consultar o espelho veneziano
Estudar-se de frente e de perfil
Tomar uma dose de conhaque
Distinguir uma viola de um violino
Receber visitas de pijama
Evitar a queda dos cabelos
E tragar porções de saliva.
Tudo deve ser arquivado.
Se sua esposa está entusiasmada com outro
Recomendo as seguintes dicas:
Barbear-se com navalha
Admirar a beleza natural
Farfalhar um pedaço de papel
Sustentar uma conversa telefônica
Disparar um rifle
Fazer as unhas com os dentes
E tragar porções de saliva.
Se deseja brilhar nos salões
o pequeno burguês
deve saber andar sobre quatro patas
Espirrar e sorrir ao mesmo tempo
Dançar valsa na beira do abismo
Endeusar os órgãos sexuais
Despir-se na frente do espelho
Desfolhar uma rosa com um lápis
E tragar toneladas de saliva.
A tudo isso uma pergunta
Jesus Cristo era filisteu?
Como se vê, para alcançar
O paraíso pequeno-burgues
É preciso ser um acrobata completo:
Para chegar ao paraíso
É preciso ser um acrobata completo.
Não admira que o verdadeiro artista
Entretenha-se matando libélulas!
Para quebrar o círculo vicioso
Recomendam ato gratuito:
Aparecer e desaparecer
Andar em estado cataléptico
Dançar valsa nos escombros
Embalar um ancião nos braços
Sem tirar os olhos de seus olhos
Perguntar a hora à um moribundo
Esculpir no oco da palma da mão
Apresentar-se de fraque aos incêndios
Lançar-se com o cortejo fúnebre
Ir além do sexo feminino
Levantar a laje funerária
E ver se, dentro, cultivam árvores
Atravessar de um lado a outro
Sem referências ao porquê ou quando
Somente pela virtude da palavra
Com seu bigode de galã de cinema
Na velocidade do pensamento
Nicanor Parra
De [Versos de salón] (Santiago, Nascimento, 1962) tradução Ricardo Pozzo