sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

G 103 (O Polaco no Paredão)

Um certo João que o vento carregou



o saltimbanco
João Bello
bebeu muito da água
na nascente do sonho

sua cabeça nas nuvens de algodão
onde seu colorido chapéu alcança
faz a mão da memória bordar a lua
faz de cada pessoa uma criança

bela folia o João nos principia
espanta até banzo de Angola
ilumina em todas as caras um sorriso
quando canta cantorias na viola

eita João me faz perder a vergonha
me faz perder o siso, eu preciso...

um feliz 69 !



                                  Edu Hoffmann

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

domingo, 26 de dezembro de 2010

sábado, 25 de dezembro de 2010

" e um menino pequeno os guiará" 
                                   ( Isaías, 11:6 )
 
As crianças têm o próprio tempo.
O relógio, o calendário não fazem sentido. Se os usam, serão apenas brinquedos.
O olhar delas é puro encantamento.
Enquanto adultos veem obrigações e responsabilidades do tempo, as crianças veem todo o trajeto da vida.
O olhar infantil sobe e desce desvendando misteriosos voos, asas, ruídos, cores, formas e cheiros.
Todos sabemos que a infância é o período mais poético do ser humano, mas a vida adulta insiste em suprimi-la o mais rápido possível.
Apesar de sabermos que para entrar no paraíso deveremos ter um olhar de criança, tornamo-nos cegos.
E as enchemos de brinquedos, cada vez mais virtuais, para que parem de olhar por aí, bisbilhotando mundos inúteis.
Para quem, com olhos infantis, observa o mundo, não esqueça de deixar renascer a criança dentro de si. E, dê-lhe a mão e brinque o Natal.

Deisi

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O mundo antes de 2012

A Retirada

PERSONAGENS:

BOOZ
AMIGO DE BOOZ
VAGAMUNDO
GERTRUDES
ELA
O CÃO DISSE


- Estou aqui penso em que posso servir. Venho de longe, obtenho a experiência das andanças. Nunca vi gente mais perdida. Eu pelo menos tenho o dom da jornada, não me apego aos amores, mesmo já tendo pêgo. Já provei o gosto do pêssego. E sei que hoje vagar é meu último toque de recolher. E assim, não tenho predestinações, só uma convicção: a terra. Ela te dá o de comer e água de beber. Não preciso de esticas, não preciso da elétrica. Vivo vinco de sol, adormeço em noite que meço estrelas. Adoeço para me curar. E todo dia é diá, disse o vagamundo ao tascar uma mordida na fruta.


Talita Morais

sábado, 18 de dezembro de 2010

cervejas & bocetas

olá
cervejas e bocetas
é dia mundial de cervejas e bocetas
& carros atravessando
& de provar o que realmente somos
como somos bons filhos
com namoradas trazendo amendoim
e cervejas & bocetas
& de gritar ao país cervejas & bocetas
colocando tudo em cartazes
para que nossos bons herdeiros
aprendam cervejas e bocetas

bom dia liguem a tv
está passando cervejas e bocetas
agora temos a bocetaloira
dando em cima da bocetatudo
e as duas amam a máquina de comer bocetas
ela come qualquer boceta num raio de cerveja
bocetasruivas bocetasnegras
bocetascurvas bocetasujas
bocetasretas
bocetaslimpas
bocetasabismo com
uma centena de doenças morando
bocetas bocetas
várias bocetas em livros
em filmes & bares
o império das bocetas
o mundo inteiro ajoelhado
diante um monumentoboceta
desejos projetados
vodka
silicone
tudo em função da boceta perfeita
do cheiro da boceta perfeita
do riso da boceta perfeita

olá

há uma nova boceta
há milhares de novas bocetas
bocetas & cervejas
produzidas aos montes
em série
em litros
a verdadeira massa de bocetas
tantos dólares euros reais
e alguns cents centavos
para comprar a boceta ideal
a boceta de platão
a boceta de hegel
a boceta da academia
a boceta da lanchonete
a boceta boceta boceta
cerveja
cerveja saindo da boca de um bebê
cerveja cozida
mijada
litrosa como um gozo fora da boceta
cerveja de adão antes da queda
& de jesus cristo
cerveja do banquete da traição
& cerveja da morte
cerveja para beber diante uma janela na lituânia
ou na guerra da palestina
cerveja para judeus
cerveja para nazistas
cerveja para derramar na boceta
cerveja do primeiro imigrante
cerveja do homem ilegal
cerveja de turcos otomanos
cerveja para putas
cerveja para uma arma calibre 22
cerveja de abraham lincoln
cerveja de holandeses
cerveja de tecnologias digitais
cerveja de pedro álvares cabral
cerveja de pedro de alcântara francisco antônio joão carlos xavier de paula miguel rafael joaquim josé gonzaga pascoal cipriano serafim de bragança e bourbon
cerveja da sessão espírita
sêmen celestial
corpos de gatos apodrecidos aguardando a cerveja adubo
cerveja de líqüido inocente
de vulva
de cinzas
de ex-escravos ainda escravos
cerveja da estratificação social
boceta da primeira queda
boceta novamente
boceta da volta ao redor de si mesmo
boceta da iniciação
boceta do dicionário
boceta do rico sem pênis
boceta do rico sem sedução
boceta de um milhão de diamantes
boceta do oeste
boceta do leste
boceta do velho oeste
boceta de quadrinhos japoneses
boceta de david bowie
boceta da exploração marciana
& cerveja
cerveja cerveja cerveja
& boceta
boceta

Augusto Meneghin

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

"O primeiro castigo após a dominação das máquinas"

agua forte e agua tinta (aluminio) 2010

do pó ao éter

morrem sonhos
assim como nascem
criancinhas
os anjos mais medonhos
também têm suas asinhas
temperamentos esquentados
matam a sangue frio
espíritos gelados
põem mais corda no pavio
ao ardor dos ardis
sucumbe a nossa sina
no fim, vermes escarnecem
no fino ofício da canificina

Chico Capetão
"Tudo isso não deveria poder durar; mas vai durar, sempre; o sempre humano, é claro, um século, dois séculos...; e depois será diferente, porém pior".

Princípe de Salinas.

O leopardo.Tomazi di Lampedusa.
Trad.Marina Colasanti

domingo, 5 de dezembro de 2010

O dia em que a rua tomou os palácios

Repórter, bastante nervoso, feito refém, dá as notícias. As rádios, tevês e jornais estão sob o controle do caos:

“Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais urgente! O Oil Man tomou a Prefeitura em uma bicicletada de sábado! Repito: a Prefeitura está com o Oil Man! Aviso aos estudantes: passe livre é toda sexta lá no terreiro do Pai Maneco. Vão de bike que é melhor.

O transporte coletivo caiu nas mãos da Maria Louca (não é quem vocês estão pensando, é aquela dos strip teases em terminais e coletivos da cidade). Nem toda nudez será castigada. Central, ela não está para brincadeiras! Não tentem nenhum truque!

Vêm do Afonso Pena relatos de que o Pretinho-Imitador-de-Boeings infiltrou-se no Aeroporto. Ninguém entra. Ninguém sai. Ele emite sons estranhos da torre. Câmbio!

Rumores rezam que a Mulher de Plástico juntou-se aos catadores de papel e está neste momento em reunião na Vila Capanema decidindo o que fazer com todo lixo da cidade, incluso o meio campo do Paraná Clube. Reciclar é preciso. Câmbio!

Batista de Pillar está com todos os poetas da cidade no Largo da Ordem. Eles são perigosos! Com eles estão ainda os zumbis do Pshyco Carnival que descem do Cemitério Municipal.

Efigênia e Hélio Leites lideram passeata do botão rumo à Pedreira Paulo Leminski, seguidos por todo o bloco Garibaldis e Sacis. É o caos, senhores! Repito: não tentem nenhum truque!

O Polaco da Barreirinha aliou-se à Anã Eslava. Distribuem sonetos e gritam impropérios em língua estranha. Tradução: ‘Casei com um polaco depois do quinto uísque, e até hoje não sei pronunciar meu sobrenome!’ (versão do Maxixe Machine)

Inri Cristo invade a Catedral! Só sai de lá se o Papa vier ao seu encontro. Quem quiser que vá se queixar ao Bispo. As beatas vibram mais que malaco em festa de São Francisco.

A velhinha do Borboleta 13 pousa no Jardim Botânico. Traz consigo o bilhete premiado e o jacaré do Barigui. Ademir Plá fechou os pedágios com canções de protesto. A cidade está cercada! A Ópera de Arame terá seu arame eletrificado. Repito: eletrificado! Todos planejam uma nova Agenda Arte. Repito: uma nova Agenda Arte!

Nero está na linha. Liga em desespero do Rio. Quer participar da festa, botar fogo em tudo. Alô, Nero! Ninguém entra! Libertado. Próximo!

Mazzinha, Ministro das Forças Desarmadas (segundo o Solda) e irmão do Mazzão Vozeirão-Sobrancelha, invade o Museu do Olho com o grupo 10enhistas. Porções de buchinho à milanesa do bar do Edmundo dão sabor ao novíssimo vernissage.

É erguida uma estátua da Gilda defronte o Palácio. Os poetas já beberam demais. Repito: a cidade está cercada! A nova ordem está instalada. Ninguém entra. Ninguém sai. Câmbio final!”

O Vampiro assiste a tudo de sua janela, no Alto da XV. É Atletiba, deve ser. Um sorriso lhe vem. Fecha a cortina, desliga o rádio e volta a um mini-conto genial de tão bestinha.



Flávio Jacobsen

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Mosteiros da boca maldita

Lembro do arrozal rajado de tigres em que adormecia a olhar o céu: que minha única tarefa, nesse mosteiro com neve pelo telhado, é varrer os cacos do buda para debaixo da chuva. Daqui escuto a missa das melancias. Há quem no silêncio do poço do mosteiro. Se mirar dessa janela se vê a ciranda das andorinhas, pois agora é quase amanhã. E há o louco que atira pedras na vidraça. O sacerdote que vem nos contar, todos os dias de finados, que sonhou que rolava uma imensa cabeça ladeira acima e que, lá no topo, a cabeça voltava a descer e ele, o sacerdote, recomeçava o eterno castigo. E assim, nessas enevoadas tardes observo, dos livros da biblioteca, o imóvel. A madre superior, sempre que percebe que a cárie fede em sua boca, ordena o castigo abrupto: bebam desse mar gelado o sal que ele, o mar gelado, é, nada mais, nada menos, que a vossa própria sede. Depois ordena que descansamos as mãos na ária da lira. O sacerdote, que sonha eternamente que rola eternamente uma cabeça morro acima, pede que tocamos, no rádio, dentro da névoa, quartetos de Béla Bartók. O que reclamamos muito, pois sabemos, a pele da música, em sua essência, não me lembro se foi Schopenhauer quem falou, é intocável, e quartetos na névoa é um mistério insuportável. Eu gosto muito é de ler, dos livros proibidos, histórias de mulheres que, à beira do Saara, bebiam, da moringa, a água. Depois, sob severos açoites da madre por ler livros proibidos, adormeço e sonho que beijo a neve dos cabelos daqueles velhos da Boca Maldita. De um deles carrego a dentadura cravada no flanco, pois ele me chupou a coxa, o brinco, a barata do esgoto. E assim são os dias no mosteiro, num filme não iniciado de Federico Fellini, com pomar de pêssegos e rosários de farpas, amém.


Lídia Lessa